Tribuna da Defensoria

Como o defensor público deve reagir diante de nulidades em audiências?

Autor

  • Caio Paiva

    é defensor público federal especialista em ciências criminais professor e coordenador do Curso CEI. É autor do livro “Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro” e coautor de “Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos”. Sua página no Facebook: www.facebook.com/professorcaiopaiva.

8 de novembro de 2016, 10h14

Vai acontecer: em algum momento da sua atividade profissional como defensor(a) público(a), infelizmente você vai se deparar com juízes que desprezam a formalidade dos atos processuais para atribuir um andamento mais rápido à ação penal, em especial quando aqueles consistem em garantias do acusado. Quando o juiz, por exemplo, indefere uma pergunta sua que seria dirigida à testemunha ou impede que você se entreviste reservadamente com o seu assistido antes do interrogatório, como proceder?

Inicialmente, tenhamos em conta que, conforme muito bem ressalta Aury Lopes Jr., no processo penal a forma é garantia do acusado[1] e, por isso, instrumentaliza um limite ao poder punitivo estatal. Muito a frente do seu tempo, Pimenta Bueno já afirmava que “As formalidades dos atos e termos do processo são frutos da prudência e razão calma da lei. É de muita importância que a luta que se estabelece entre o acusado e o Poder Público não sofra outra influência ou direção que não seja a dela”. E Pimenta Bueno advertia:

“Se o processo criminal fosse entregue à vontade dos tribunais, a justiça marcharia sem rumo certo, ao acaso ou discrição dos juízes. Não haveria acusação e defesa possível senão a que eles consentissem; em vez de sujeitos às leis, eles as decretariam. Suprime as formas, e respondei que processo resta? Quais os meios conservadores dos direitos?” (…)[2].

Assim, espera-se do defensor público uma combatividade no tocante ao respeito das formas processuais que consubstanciam garantias do acusado, não havendo a possibilidade de negociá-las, pois não as titulariza. Neste sentido, muito oportuno o Enunciado 06 da Defensoria Pública da Bahia, aprovado na Semana Anual da Defensoria Pública de 2014: “É vedada a dispensa, pelo Defensor Público, do réu preso para audiências de instrução e julgamento, sob pena de violação da ampla defesa, consistente no direito de presença e de audiência”.

Voltando ao questionamento colocado no primeiro parágrafo, sobre o que o defensor público deve fazer diante da ocorrência de nulidades em audiência, considero que temos aqui duas táticas.

A primeira, que denomino de tática diplomática, deverá ser utilizada mais frequentemente no decorrer da audiência, quando, por exemplo, o juiz indefere uma pergunta que seria dirigida pelo defensor público à testemunha, consistindo no requerimento para que a discordância do defensor seja registrada em ata. Neste caso, o defensor público deve imediatamente pedir a palavra e requerer para que conste na ata da audiência o seu inconformismo quanto ao procedimento adotado, expondo oralmente as suas razões e pugnando para que a iminente ocorrência de nulidade seja evitada. Tratando-se, portanto, de indeferimento de perguntas, o defensor público deve requerer ao juiz para que conste na ata da audiência também a pergunta indeferida. Utilizando-se da tática diplomática, o defensor mantém o clima de cordialidade da audiência, evita o fenômeno da preclusão e, sendo o seu pleito indeferido pelo magistrado da audiência, já prepara o terreno para arguir de novo a nulidade no momento processualmente oportuno, seja em preliminar de alegações finais ou de apelação, seja em HC.

Ocorre que nem sempre a tática diplomática poderá ser o bastante para preservar a integridade do ato processual. Pensemos no caso em que o juiz indefere — inclusive — o registro na ata da audiência do inconformismo do defensor público ou, por exemplo, no caso em que o magistrado indefere e obstaculiza a realização da entrevista reservada previamente ao interrogatório. Diante destas hipóteses extremas, o que fazer? O defensor público deve participar/permanecer na audiência quando se deparar com um cenário hostil, vislumbrando que terá dificuldades para comprovar a ocorrência do abuso? Entra em cena o que denomino de tática anti-diplomática, que consiste na possibilidade de o defensor público simplesmente se recusar a participar de uma audiência ou se retirar de uma audiência em andamento. Trata-se de uma tática que somente deve ser utilizada excepcionalmente, quando esgotados, portanto, os recursos da tática diplomática.

Finalmente, importante consignar que, entendendo por adotar a tática anti-diplomática, não estará o defensor público cometendo nenhuma infração disciplinar se presente a justificativa que ensejou a medida excepcional, nem tampouco crime de desacato, desde que, concomitante ao ato, não tenha dirigido nenhuma ofensa a honra do magistrado[3].

Táticas para utilizar diante de nulidades em audiência
Tática diplomática O defensor público deve dirigir a palavra ao juiz e requerer para que conste na ata da audiência o seu inconformismo quanto ao procedimento adotado, expondo oralmente as suas razões e pugnando para que a iminente ocorrência de nulidade seja evitada. Esta tática deve ser adotada como regra.
Tática anti-diplomática O defensor público deve se recusar a participar de uma audiência ou se retirar de uma audiência em andamento. Esta tática deve ser adotada muito excepcionalmente.

Este texto reproduz um tópico do meu livro Prática Penal para Defensoria Pública, publicado pelo Grupo Editorial Nacional (GEN). A partir da parceria da ConJur com o GEN, os interessados podem adquirir a obra com 15% de desconto, bastando que preencham o campo “Cupom de Desconto” com a palavra “CONJUR”.


1 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1142.
2 PIMENTA BUENO, José Antonio. Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: RT, 1959 (data da edição, sendo 1857 a data da elaboração do texto), p. 228-229.
3 Neste sentido, em caso envolvendo a retirada de defensor público do plenário de julgamento pelo Tribunal do Júri, já decidiu o STJ em importante precedente que “o crime de desacato envolve a ofensa desferida a funcionário público, no exercício da função ou em razão dela. Na espécie, durante sessão de julgamento do Tribunal do Júri, o paciente, Defensor Público, diante da negativa do magistrado em formular quesito defensivo, após consignar em ata seu protesto, retirou-se da assentada. Não houve encaminhamento de palavras ou gestos ofensivos contra o juiz, o promotor de justiça ou jurados, a corporificar a conduta tipicamente relevante” (HC 290.108, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 4/12/2014).

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    é defensor público federal, especialista em ciências criminais, professor e coordenador do Curso CEI. É autor do livro “Audiência de Custódia e o Processo Penal Brasileiro” e coautor de “Jurisprudência Internacional de Direitos Humanos”.

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