Como o defensor público deve reagir diante de nulidades em audiências?
8 de novembro de 2016, 10h14
Vai acontecer: em algum momento da sua atividade profissional como defensor(a) público(a), infelizmente você vai se deparar com juízes que desprezam a formalidade dos atos processuais para atribuir um andamento mais rápido à ação penal, em especial quando aqueles consistem em garantias do acusado. Quando o juiz, por exemplo, indefere uma pergunta sua que seria dirigida à testemunha ou impede que você se entreviste reservadamente com o seu assistido antes do interrogatório, como proceder?
Inicialmente, tenhamos em conta que, conforme muito bem ressalta Aury Lopes Jr., no processo penal a forma é garantia do acusado[1] e, por isso, instrumentaliza um limite ao poder punitivo estatal. Muito a frente do seu tempo, Pimenta Bueno já afirmava que “As formalidades dos atos e termos do processo são frutos da prudência e razão calma da lei. É de muita importância que a luta que se estabelece entre o acusado e o Poder Público não sofra outra influência ou direção que não seja a dela”. E Pimenta Bueno advertia:
“Se o processo criminal fosse entregue à vontade dos tribunais, a justiça marcharia sem rumo certo, ao acaso ou discrição dos juízes. Não haveria acusação e defesa possível senão a que eles consentissem; em vez de sujeitos às leis, eles as decretariam. Suprime as formas, e respondei que processo resta? Quais os meios conservadores dos direitos?” (…)[2].
Assim, espera-se do defensor público uma combatividade no tocante ao respeito das formas processuais que consubstanciam garantias do acusado, não havendo a possibilidade de negociá-las, pois não as titulariza. Neste sentido, muito oportuno o Enunciado 06 da Defensoria Pública da Bahia, aprovado na Semana Anual da Defensoria Pública de 2014: “É vedada a dispensa, pelo Defensor Público, do réu preso para audiências de instrução e julgamento, sob pena de violação da ampla defesa, consistente no direito de presença e de audiência”.
Voltando ao questionamento colocado no primeiro parágrafo, sobre o que o defensor público deve fazer diante da ocorrência de nulidades em audiência, considero que temos aqui duas táticas.
A primeira, que denomino de tática diplomática, deverá ser utilizada mais frequentemente no decorrer da audiência, quando, por exemplo, o juiz indefere uma pergunta que seria dirigida pelo defensor público à testemunha, consistindo no requerimento para que a discordância do defensor seja registrada em ata. Neste caso, o defensor público deve imediatamente pedir a palavra e requerer para que conste na ata da audiência o seu inconformismo quanto ao procedimento adotado, expondo oralmente as suas razões e pugnando para que a iminente ocorrência de nulidade seja evitada. Tratando-se, portanto, de indeferimento de perguntas, o defensor público deve requerer ao juiz para que conste na ata da audiência também a pergunta indeferida. Utilizando-se da tática diplomática, o defensor mantém o clima de cordialidade da audiência, evita o fenômeno da preclusão e, sendo o seu pleito indeferido pelo magistrado da audiência, já prepara o terreno para arguir de novo a nulidade no momento processualmente oportuno, seja em preliminar de alegações finais ou de apelação, seja em HC.
Ocorre que nem sempre a tática diplomática poderá ser o bastante para preservar a integridade do ato processual. Pensemos no caso em que o juiz indefere — inclusive — o registro na ata da audiência do inconformismo do defensor público ou, por exemplo, no caso em que o magistrado indefere e obstaculiza a realização da entrevista reservada previamente ao interrogatório. Diante destas hipóteses extremas, o que fazer? O defensor público deve participar/permanecer na audiência quando se deparar com um cenário hostil, vislumbrando que terá dificuldades para comprovar a ocorrência do abuso? Entra em cena o que denomino de tática anti-diplomática, que consiste na possibilidade de o defensor público simplesmente se recusar a participar de uma audiência ou se retirar de uma audiência em andamento. Trata-se de uma tática que somente deve ser utilizada excepcionalmente, quando esgotados, portanto, os recursos da tática diplomática.
Finalmente, importante consignar que, entendendo por adotar a tática anti-diplomática, não estará o defensor público cometendo nenhuma infração disciplinar se presente a justificativa que ensejou a medida excepcional, nem tampouco crime de desacato, desde que, concomitante ao ato, não tenha dirigido nenhuma ofensa a honra do magistrado[3].
Táticas para utilizar diante de nulidades em audiência | |
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Tática diplomática | O defensor público deve dirigir a palavra ao juiz e requerer para que conste na ata da audiência o seu inconformismo quanto ao procedimento adotado, expondo oralmente as suas razões e pugnando para que a iminente ocorrência de nulidade seja evitada. Esta tática deve ser adotada como regra. |
Tática anti-diplomática | O defensor público deve se recusar a participar de uma audiência ou se retirar de uma audiência em andamento. Esta tática deve ser adotada muito excepcionalmente. |
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1 LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1142.
2 PIMENTA BUENO, José Antonio. Apontamentos sobre o Processo Criminal Brasileiro. 2ª ed. Rio de Janeiro: RT, 1959 (data da edição, sendo 1857 a data da elaboração do texto), p. 228-229.
3 Neste sentido, em caso envolvendo a retirada de defensor público do plenário de julgamento pelo Tribunal do Júri, já decidiu o STJ em importante precedente que “o crime de desacato envolve a ofensa desferida a funcionário público, no exercício da função ou em razão dela. Na espécie, durante sessão de julgamento do Tribunal do Júri, o paciente, Defensor Público, diante da negativa do magistrado em formular quesito defensivo, após consignar em ata seu protesto, retirou-se da assentada. Não houve encaminhamento de palavras ou gestos ofensivos contra o juiz, o promotor de justiça ou jurados, a corporificar a conduta tipicamente relevante” (HC 290.108, rel. min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, j. 4/12/2014).
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