Opinião

Supremo reconsidera admissão de recurso com repercussão geral

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3 de novembro de 2016, 16h08

A Constituição Federal de 1988 atribui ao Supremo Tribunal Federal o munus de guardião da legislação constitucional. Compete à Suprema Corte brasileira, precipuamente, o julgamento de recurso extraordinário, desde que a parte insurgente demonstre “a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”, conforme disposto no § 2º, do artigo 102, da Carta Magna da República.

A repercussão geral, como pressuposto específico de cabimento dos recursos extraordinários, foi introduzida pela Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004, a afamada “Reforma do Judiciário”. A criação desse requisito teve uma razão específica: reduzir o excessivo número de recursos em trâmite no STF.

Por repercussão geral, entende-se aquela que se origina de questões que transcendem os interesses subjetivos da controvérsia judicial. É necessário, portanto, que tais questões repercutam fora do processo e se mostrem “relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico”, nos termos do § 1º do artigo 1.035 do Código de Processo Civil de 2015.

A existência de repercussão geral é analisada pelo Plenário do STF, através de um sistema informatizado, com votação eletrônica. Para recusar a análise de um recurso extraordinário são necessários pelo menos 8 votos; caso contrário, o mérito do recurso deverá ser julgado pela Suprema Corte. É o relator do recurso quem, primeiramente, lança no sistema sua manifestação sobre a relevância do tema discutido, sendo que os demais ministros têm até 20 dias para votar. Ressalte-se que as abstenções nessa votação pesam a favor do reconhecimento da repercussão geral, conforme definição do próprio STF.

Em sessão de julgamento ocorrida em 27 de outubro, o Plenário do STF adotou novo posicionamento a respeito desse filtro constitucional de admissibilidade recursal: por maioria de votos, vencido apenas o ministro Marco Aurélio, admitiu-se a possibilidade de retirar a repercussão geral de recurso extraordinário na hipótese em que o status foi conferido por ausência de manifestações suficientes para a recusa do recurso.

Trata-se do RE 584.247, de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. No caso, apenas sete ministros votaram no Plenário Virtual, sendo que três ministros entenderam que a matéria versada no recurso tem natureza constitucional e quatro se pronunciaram pela ausência de tal natureza. Relativamente à repercussão geral, todos os ministros se posicionaram contrariamente ao seu reconhecimento.

Não obstante a ausência de manifestação mínima exigida por lei (dois terços dos integrantes do STF), o Plenário do STF revisitou a matéria e, resolvendo questão de ordem suscitada pelo relator, decidiu que o recurso extraordinário em referência não era dotado de repercussão geral, o que ensejou o não conhecimento do recurso. Para assim fazer, o STF levou em consideração o fato de que a votação do Plenário Virtual foi integralmente contrária ao reconhecimento da repercussão geral e, também, o considerável número de casos com repercussão geral em todo o tribunal.

Para o ministro Barroso, na medida em que o reconhecimento desse instituto implica o sobrestamento dos casos que versam sobre a mesma matéria na primeira instância, a grande quantidade de temas com repercussão geral reconhecida pode, em diversas situações, protelar excessivamente o deslinde da causa e, por decorrência, atrasar a prestação jurisdicional.

A postura adotada pelo STF no caso em referência traz à tona uma das questões mais tormentosas para o Poder Judiciário e, principalmente, para os jurisdicionados: o dilema da celeridade processual vs. prestação jurisdicional efetiva. De um lado, o Judiciário encontra-se superlotado de processos; de outro, os cidadãos desejam prestação jurisdicional eficiente e rápida.

Embora seja louvável o esforço em prol da celeridade processual, não se pode fechar os olhos para outros importantes princípios constitucionais, tais como o da segurança jurídica e do efetivo acesso à jurisdição.

Como a Constituição Federal dispõe, clara e expressamente, que a repercussão geral somente será afastada se dois terços dos integrantes do STF se manifestarem nesse sentido, não parece haver espaço para que se negue repercussão geral diante da mera ausência de manifestação suficiente para tanto, ainda que os votos tenham sido desfavoráveis à admissão do recurso.

Caso o STF passe a adotar esse entendimento, seus efeitos deverão alcançar apenas casos futuros. É temerária a revisitação da matéria já decidida na hipótese de recursos extraordinários em que a repercussão geral foi reconhecida por ausência de manifestações suficientes para recusa do recurso.

A decisão ora comentada certamente será alvo de debates dentro da Suprema Corte, o que contribuirá para o amadurecimento da posição, de modo que estas são apenas breves reflexões iniciais sobre o tema.

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