Ideias do Milênio

"Os avanços tecnológicos deixaram o trabalho dos jornalistas mais eficiente"

Autor

2 de novembro de 2016, 8h09

Reprodução
Jornalista Walter Robinson, que
chefiou a equipe de Spotlight.
Reprodução

Entrevista concedida por Walter Robinson ao jornalista Marcelo Lins, para o programa Milênio — um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira, com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).

O Milênio conversou com Walter Robinson. Você pode não estar ligando o nome à pessoa, mas pense no personagem vivido por Michael Keaton no filme Spotlight, ganhador do Oscar em 2016. Pois é, era ele. Um dos grandes jornalistas americanos, Robinson virou chefe da equipe de investigação Spotlight do jornal Boston Globe, que cobriu um grande escândalo envolvendo a Igreja Católica em Boston. 

Marcelo Lins — Primeiramente muito obrigado por conversar com o Milênio, da GloboNews. Eu gostaria de começar perguntando: quando você descobriu que queria ser jornalista e por quê?
Walter Robinson — Bem, a resposta que as pessoas geralmente dão é: 'Quando percebi que eu era péssimo em Matemática e Ciências'. Mas, na verdade, na casa dos meus pais, as notícias eram sempre discutidas. Dois jornais eram entregues todos os dias. E, mesmo bem pequeno, eu ficava fascinado com as conversas. Depois virei entregador de jornal. E toda manhã, mesmo no inverno, quando ainda estava escuro, eu pegava o fardo de jornais, abria um exemplar e lia sob a luz do poste. Eu era o primeiro na minha cidade a ler as notícias. Isso sempre me fascinou, e a ideia de ser a pessoa que investigava e descobria coisas… Não imagino um trabalho que seja mais divertido. E tem sido muito divertido.

Marcelo Lins — E dando um salto muito grande, como você virou chefe da equipe Spotlight do Boston Globe? Como sua jornada no jornalismo, no jornalismo investigativo, o levou até lá?
Walter Robinson —
Eu sempre fiz reportagens investigativas, de certa forma. Nós apenas não chamamos assim. Eu fui repórter político durante muitos anos. Cobri o governo municipal e estadual, fui para Washington e passei oito anos no escritório do Boston Globe lá. Cobri quatro eleições presidenciais, mas não a atual. Trabalhei como correspondente estrangeiro do Globe, fui chefe do escritório do Oriente Médio. Eu sempre me interessei em explorar histórias que as pessoas que cobríamos não queriam que soubéssemos. Então, quando surgiu a oportunidade de chefiar essa equipe de investigação que existia desde 1970, não desperdicei a chance.

Marcelo Lins — Quando olhamos em volta, vemos que houve uma explosão de checagem de fatos e jornalismo investigativo. Por quê? É só uma questão de nomenclatura ou é tendência nova?
Walter Robinson —
Detesto ter que dizer isso, mas nunca gostei do termo 'repórter investigativo', apesar de eu ser um. Mas a questão é que todo repórter deveria ser um investigador. Principalmente agora, quando há tanta informação disponível, há bancos de dados disponíveis, até mesmo numa matéria diária, um repórter pode usar técnicas de investigação, pode buscar em bancos de dados, pode chegar a pessoas a quem antes não tínhamos acesso, então a matéria dele ou dela pode ficar muito melhor do que ficaria há 15 ou 20 anos. E, hoje em dia, quando temos debates de campanhas presidenciais, aqui no Brasil ou nos Estados Unidos, enquanto os candidatos falam, repórteres podem, em tempo real, checar os fatos e produzir uma matéria que mostre aos leitores qual dos candidatos, se é que algum deles, está dizendo a verdade.

Marcelo Lins — Vamos voltar 15 anos, até o caso que o fez famoso no mundo todo e que é um dos motivos para você estar no Brasil. O caso contado no filme Spotlight, o grande escândalo da Igreja Católica em Boston. Vendo o filme e lendo sobre as histórias, podemos ter a sensação de que os fatos já estavam lá, mas, por algum motivo, como acontece no jornalismo de vez em quando ou com muita frequência, vocês não conseguiram perceber a importância daquele fato. Foi necessário uma pessoa de fora para apontar para ele. Eu gostaria que contasse como foi aquele momento de voltar a uma história que você já tinha informado, mas com uma nova visão, uma nova abordagem que virou o que virou.
Walter Robinson —
Nós já tínhamos escrito sobre um dos padres. Todo mundo em Boston, o outro jornal e canais de TV, tinha escrito sobre aquele padre, e a pergunta era: o que o cardeal sabe? O que os bispos sabem? Nunca descobrimos a resposta, e o cardeal disse que não sabia de nada. Até que chegou um editor novo, Marty Baron, que era de fora, não conhecia Boston, e, em seu primeiro dia no jornal, disse: 'Esperem aí. E todos os processos contra esse padre? O juiz impôs sigilo aos autos. Por que não vamos atrás deles?'. Nenhum de nós tínhamos pensado nisso. Essa é a vantagem de um olhar de fora. Nesse mesmo dia, ele me procurou, como chefe da equipe Spotlight — nós estávamos acostumados a escrever sobre corrupção governamental — e disse: 'Quero que vocês investiguem esse padre'. E eu pensei: 'Ah, meu Deus! A minha equipe investigando a Igreja Católica?'.

Marcelo Lins — Em Boston!
Walter Robinson —
Mas ele mandou, e era o novo chefe. Então nós ligamos para todo mundo. Essa é a vantagem de se ter uma equipe de repórteres. Ligamos para todos que achávamos que poderiam saber alguma coisa e, em uma semana, descobrimos que aquele padre era a ponta de um iceberg muito grande. Em muitos outros países, pouquíssima coisa mudou. Inclusive em muitos países da América Latina, onde a igreja é extraordinariamente poderosa e o governo reluta em intervir e exigir reformas. Então não estou muito feliz com isso. Temos um novo papa, o Papa Francisco, que está tentando promover mudanças, mas muitos cardeais resistem às mudanças. Em termos dos resultados, foram bons, mas ainda há um longo caminho pela frente.

Marcelo Lins — Qual é a importância do trabalho em equipe no jornalismo? Porque às vezes vemos reportagens assinadas por um ou outro repórter, mas muito frequentemente as pessoas não têm a menor ideia de quantas pessoas participaram. E eu gostaria de ouvir de você, que tem tanta experiência, qual é a importância desse trabalho em equipe.
Walter Robinson —
Quando eu reuni aquela equipe, busquei repórteres de talento, mas que trabalhassem por um bem maior, que estivessem dispostos a se ajudar. Quando nos reuníamos todo dia para discutir essa história, um queria ajudar o outro, e dizia: 'Pensou em fazer isso? Pensou em fazer aquilo?'. Nós éramos quatro, mas era quase como ter um quinto cérebro, porque todos trabalhávamos na mesma direção. Não era para satisfazer ao meu ego, ao de Mike Rezendes ou ao de Sacha Pfeiffer. Era para conseguirmos a história completa.

Marcelo Lins — Sei que você não gosta desse rótulo, mas preciso fazer esta pergunta porque as pessoas vão se identificar com isso: quando pensamos num repórter investigativo, quais são as qualidades que ele ou ela deve ter para ser um bom repórter investigativo? Curiosidade, paciência, dedicação, uma mistura de tudo isso? O que acha?
Walter Robinson —
A primeira coisa que costumo dizer é: você deve ser uma pessoa que não aceita 'não' como resposta. Porque muitas vezes, quando estamos buscando informações, as pessoas dizem não. Quando pedimos documentos, as pessoas negam. E um bom repórter investigativo precisa ser obstinado, precisa ser curioso, precisa querer chegar à verdade, precisa ter o compromisso com a sociedade de buscar pessoas que não têm voz a não ser a voz que damos a elas em nossas reportagens. É preciso estar disposto a bater a cabeça na parede e quebrar a parede, precisa estar disposto a explicar às pessoas por que a ajuda delas é importante, por que é importante que a verdade seja conhecida.

Essas preocupações foram superadas quando começamos a conversar com as vítimas dos padres e descobrimos as atrocidades que tinham acontecido. Nós ficamos furiosos, como repórteres, furiosos com o que ouvíamos sobre uma instituição que deveria proteger e cuidar das crianças e que estava destruindo a vida delas. E nossa raiva nos motivou a provar quantos padres estavam envolvidos, a provar que o cardeal aprovava o comportamento e os transferia para acobertar seus crimes. Nosso trabalho levou tanto tempo por causa das vítimas, por causa das crianças. As crianças eram nossa responsabilidade, foi assim que passei a encarar. No final, a Igreja era uma instituição cujos crimes precisavam se tornar públicos. Esse era nosso objetivo.

Marcelo Lins — Walter, como repórter investigativo e mais tarde como professor de Jornalismo, ensinando Jornalismo aos alunos, qual você acha que é o papel da tecnologia hoje? Acha que se tivesse a tecnologia disponível hoje aos jornalistas seria capaz de fazer o mesmo trabalho que fez 16 anos atrás na investigação sobre a Igreja Católica?
Walter Robinson — Os avanços tecnológicos deixaram nosso trabalho muito mais eficiente, muito mais rápido e, de certa forma, muito mais preciso. Reportagens que antes levávamos um mês para fazer hoje nós fazemos às vezes em um dia ou dois. Se, em 2001, tivéssemos todos os bancos de dados disponíveis e a tecnologia da internet que temos hoje, acho que os cinco meses da investigação que é mostrada no filme teriam virado talvez dois meses. Ainda teríamos que entrevistar muitíssima gente, mas alguns passos que tomamos, inclusive um esforço de três semanas e meia para criar nosso próprio banco de dados de padres, seria possível fazer hoje em um ou dois dias.

Marcelo Lins — Por que você acha que grandes marcas do jornalismo ainda são importantes, se é que acha que são? E qual é o futuro desse jornalismo que você aprendeu a amar e para o qual trabalhou tanto tempo?
Walter Robinson —
De certa forma, a tecnologia é uma faca de dois gumes. A internet deu aos anunciantes, que eram a maior fonte de renta dos jornais e das estações de TV, outros lugares para anunciar, e muitos deles deixaram os jornais. Então a nossa receita caiu muito. As redações estão bem menores, e essa é a desvantagem. A vantagem é que temos menos recursos, mas estamos mais ágeis no que fazemos. Estamos tentando reinventar o modelo de negócio, e acho que as pessoas vão acabar entendendo que o jornalismo de qualidade custa dinheiro para ser produzido e elas pagarão por ele. Estamos vivendo um período de um fluxo extraordinário, e ainda não está claro quais organizações vão sobreviver e quais vão morrer. Quando superarmos esse período, espero chegarmos ao dia em que o jornalismo robusto seja possível em qualquer lugar.

Marcelo Lins — Falando sobre a sua carreira e o seu papel, digamos assim, no jornalismo, acho que, depois que você ganhou o Pulitzer, sua vida mudou, mas certamente, depois que o filme Spotlight ganhou o Oscar em 2016, sua vida mudou ainda mais, e você e sua equipe do Boston Globe daquela época se tornaram figuras muito conhecidas no mundo inteiro. Isso o incomoda de alguma forma, ter virado uma figura pop do jornalismo, ou é bom para difundir informações e a importância do jornalismo?
Walter Robinson —
É verdade que nós ficamos um pouco conhecidos depois que ganhamos o Pulitzer, mas o filme teve um impacto muitíssimo maior em nossas vidas. E o fato é que o filme é importante porque ele lembra às pessoas como o jornalismo investigativo bom e robusto é importante, e que se os jornalistas não iluminarem os cantos sombrios, ninguém o fará. E se graças ao filme eu e meus colegas ganhamos um palanque para divulgar algo importante sobre o jornalismo e sobre a igreja, e devemos usá-lo, porque uma coisa que sabemos sobre o jornalismo é que os jornalistas não são muito bons e não têm tempo para promover sua profissão. Nós publicamos, aparecemos no ar, mas não paramos para conversar com as pessoas sobre a importância do trabalho, sobre por que fazemos isso, por que achamos importante. E se tivermos a oportunidade de levar essa mensagem aos estudantes de Jornalismo na faculdade, a grupos cívicos, a organizações governamentais, a festivais sobre jornalismo, como este maravilhoso aqui no Brasil, devemos fazê-lo. É provável que em breve eu vire abóbora e desapareça, mas, até lá, é um prazer falar do assunto.

Marcelo Lins — Estamos chegando ao final do nosso ótimo papo, mas quero lhe perguntar o seguinte: você ficou satisfeito com a forma como foi representado por Michael Keaton?
Walter Robinson — Muito satisfeito. Não sou a melhor pessoa para julgar, mas a maioria dos meus amigos disse: 'Nossa, ele incorporou você'. Os atores passaram muito tempo nos conhecendo, estudando nossas vozes e nossos maneirismos. Foi uma inversão de papéis. De repente, em vez de nós os analisarmos, eles estavam nos analisando. Os atores são ótimos, e Michael Keaton é um dos melhores. Eles acharam que era importante contar aquela história e fizeram um trabalho extraordinário.

Marcelo Lins — Se você não estivesse agora em 2016 no Brasil, Walter Robinson, pop star do jornalismo, por assim dizer, se voltássemos 20 anos no tempo, Walter Robinson e a equipe Spotlight, além de investigar a igreja, o que aquele Walter Robinson daquela época ia querer investigar hoje como assunto importante que não foi devidamente explorado pelo jornalismo?
Walter Robinson —
Naquela época, nossa investigação sobre a Igreja Católica mudou a forma como escolhíamos nossas pautas. Antes nosso foco era a corrupção no governo, que são, detesto dizer isso, matérias simples, fáceis de fazer. Depois daquilo, percebemos que as histórias mais importantes são sobre a população marginalizada, sobre as pessoas na sociedade que não têm voz, pessoas na sociedade cujas necessidades são supostamente supridas pelo governo, mas que muitas vezes não são. É nesses lugares que devemos concentrar nossa atenção. E isso mudou os tipos de casos que investigávamos. Eu muitas vezes acho que as melhores histórias para qualquer jornalista estão bem na nossa frente. Basta andar pela sua cidade, observar e fazer perguntas, perguntar por que quando vir as coisas e você vai descobrir histórias extraordinárias.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!