Olhar Econômico

Estados das Américas são desiguais em usufruir das regras antitrustes

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

31 de março de 2016, 8h00

Spacca
João Grandino Rodas [Spacca]O fato de, particularmente nas últimas três décadas, os Estados, a nível mundial, terem acolhido o Direito antitruste, significa que eles perceberam a importância das leis e da política da concorrência para a melhor utilização dos recursos econômicos nacionais. Além de terem recepcionado a tese de que o desenvolvimento econômico, atual e a médio e longo prazo, pressupõe a existência de mercados competitivos, em que as referidas leis e politicas constituem o fundamento da formação e manutenção de mecanismos de regulação de mercado. Apesar de as leis de concorrência serem influenciadas por diferentes considerações econômicas e políticas, geralmente baseiam-se na premissa de que, inobstante o comportamento livre do mercado seja desejado, alguma interferência será necessária para manter as pressões da concorrência e promover a competição entre as instituições comerciais, a fim de se obter uma alocação de recursos mais eficiente. Busca a lei de concorrência, ao impor limitações às atividades do mercado privado, resguardar os interesses do consumidor dos comportamentos anticompetitivos das empresas, que intentam elevar os preços de seus produtos acima dos prevalecentes em um mercado em que haja competição.

Os Estados desenvolvidos e os em desenvolvimento enfrentam desafios semelhantes no que diz respeito à implementação das políticas de concorrência. A crescente internacionalização das atividades empresariais tem aumentado a probabilidade de que comportamentos anticompetitivos em países, ou o comportamento de empresas localizadas em diferentes nações, possam afetar, adversamente, os interesses de outros países. Da mesma forma, a aplicação unilateral, por um Estado, de sua lei de concorrência, em casos em que há operações comerciais em outros países, faz surgir o questionamento acerca da soberania e da extraterritorialidade. Para lidar com essas questões, muitos Estados têm realizado acordos bi ou multilaterais para criar mecanismos de consulta e para otimizar a comunicação entre as agências e a cooperação nas investigações de procedimentos.

Todavia é forte a suposição de que os países em desenvolvimento encontrem mais dificuldades na implementação e na aplicação das políticas de concorrência. Jenny sugere que no sistema globalizado e interdependente atual, os diferentes níveis de desenvolvimento econômico entre os inúmeros países, quase sempre afetam a extensão do benefício desses Estados com as oportunidades oferecidas pela competição. Isso implica que as leis de concorrência devem ser suficientemente flexíveis para serem adaptadas aos contextos econômicos e legais de cada país [1].

Muito embora a preocupação com a concorrência, bem como sua corporificação como disciplina jurídica tenha nascido no Canadá (Act for the Prevention and Suppression of Combinations Formed in Restraint of Trade – 1889[2]) e nos Estados Unidos (Sherman Act – 1890[3]), há cerca de 140 anos, o caminho para permear todos os 36 Estados americanos não tem sido fácil e ainda não se completou.

As primeiras emanações do direito concorrencial na América Latina e no Caribe foram a lei argentina de 1919, seguida da mexicana de 1934. Subsequentemente, Chile e Colômbia promulgaram leis antitruste em 1959, seguida pelo Brasil em 1962. Contudo, quase metade das legislações hoje vigentes na região foram criadas na última década do século XX: Peru e Venezuela em 1991, Jamaica, em 1993, Costa Rica, em 1994, Panamá, em 1996; St. Vincent and Grenadines, em 1999; e Uruguai, em 2001; e o Equador 2011.

A maior parte das constituições da região protege e garante a concorrência, quer indiretamente, por meio de disposições relativas à liberdade contratual, comercial e de garantia de iniciativa econômica privada; quer diretamente, proibindo monopólios — exceto os estatais e legais — a excessiva concentração do poder econômico e a abusiva manipulação de preços. Já as leis aprovadas na região para coibir as condutas comerciais que limitem, restrinjam ou distorçam a concorrência, possuem variedade de objetivos: promoção e defesa da concorrência, incluindo objetivos de eficiência econômica; proteção do consumidor; favorecimento da participação de pequenas e medias empresas; abertura de mercados; desconcentração do poder econômico; liberdade de iniciativa, e, também, prevenção de monopólios e abuso de posição dominante.

A abertura das economias latino-americanas e caribenhas, durante as duas últimas décadas do século passado e o crescente entusiasmo em abraçar politicas e leis de concorrência, foram acompanhados por escassez de recursos, ausência de independência de órgãos implementadores e, ainda, falta de experiência e limitações de capital humano para colocar em prática a legislação concorrencial. Esse estado de coisas, contribuiu para que seu desenvolvimento e aplicação fossem relativos. Dentre as razões para tanto, estão a carência de apoio e compreensão por parte do público; a desconfiança da comunidade empresarial, quanto aos méritos da concorrência; e a suspeita de que o governo utilize a legislação mais para fins políticos que econômicos.

Por outro lado, as dificuldades para a criação da cultura de concorrência, deve-se à evolução histórica da visão governamental do desenvolvimento econômico latino–americano, basicamente intervencionista e hostil aos negócios. Entretanto, a introdução da política de concorrência na região, deu início à mudança de percepção dos formuladores de política, que passaram a valorizar mais as funções de mercado, do que a ação governamental, como base para o desenvolvimento econômico. Em sociedades ainda dominadas por valores anti-mercado, as autoridades da concorrência necessitam definir cuidadosamente suas políticas, criar estruturas organizacionais adequadas, bem como angariar apoio social, para que as politicas concorrenciais possam prosperar.

Fugindo da intervenção estatal e procurando maior eficiência, por meio de processos de mercado, os governos da região começaram o trabalho de desmantelar suas economias super reguladas para permitir maior flexibilidade e promoção da concorrência por meio de reformas regulatórias. Em toda região, as estruturas regulatórias, nos serviços de infraestrutura têm, vagarosamente, evoluído, de monopólios estatais e propriedade pública para a participação privada significativa, em que os exercícios de concorrência e regulação, passam a exercer papéis complementares. Entretanto, inobstante a concorrência tenha sido aspecto chave na elaboração dos processos de reforma dos serviços públicos, ainda continua a existir altos graus de concentração horizontal e vertical nas estruturas industriais de muitos países da região. São necessários profundos esforços regulatórios, em que a ausência de unbundling vertical e reestruturação industrial durante os primeiros estágios dos processos de liberalização de fato vêm impedindo a eficiência da politica de concorrência.

Enquanto os governos da região se defrontam com problemas de jurisdições concorrentes, de manutenção de equilíbrio apropriado de regulação setorial e de defesa da concorrência, Tavares de Araújo advogou pioneiramente a necessidade de introduzir divisões claras entre as funções das autoridades implementadoras da concorrência e das agências regulatórias setoriais. A despeito de algumas percepções negativas, acerca dos processos da desregulação e da qualidade da regulação na região, a reforma regulatória, indubitavelmente continua sendo importante aspecto da política de concorrência.

A situação de implementação do antitruste na região tem melhorado, vagarosamente, tendendo para o fortalecimento e independência dos órgãos de concorrência, a formulação de diretrizes mais claras do exame dos atos de concentração, a ampliação dos poderes investigativos e a simplificação do processo de decisão. Contudo, Vial demonstra que a posição relativa da maioria dos países da América Latina e Caribe, continua a ser baixa em termos de classificação global, face às fraquezas estruturais em áreas como: legislações e instituições, inovação e absorção de tecnologia. O Brasil é uma exceção!

Vários aspectos competitivos da região continuam a desafiar a autoridades na opinião de Tavares Araújo, incluindo o comportamento dos cartéis, aspectos regulatórios e de antidumping, bem como, a promoção da transparência do mercado, fortalecimento institucional dos órgãos concorrenciais e, também, preocupações de integração regional e de dimensão internacional dos atuais padrões globais de concorrência[4].

Muito embora, os vários acordos regionais de integração econômica das Américas, dentre os quais o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o Sistema de Integração da América Central (Sica), a Comunidade Caribenha (Caricom), o Sistema Andino de Integração e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), tenham ajudado a disseminar o direito e a política da concorrência, essa parte do globo continua muito desigual em tirar proveito dessas matérias no que tange à otimização dos recursos econômicos nacionais e o crescente bem-estar dos consumidores.


1 Rodas, João Grandino e Fried, Jonathan T., Competition and Cartels in the Americas, General Secretariat of the Organizations of American States, Washington D.C., 2005, p. 3/29.

2 Objetivava atacar os combinados ou conluios formados para restringir o comércio, fixar preços e diminuir a produção.

3 Tornou ilegais contrato ou avença na forma de trust ou outra para restringir o comércio ou monopolizar.

4 Oliveira, Gesner e Rodas, João Grandino, Direito e Economia, 2ª ed., São Paulo, Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2013, p. 27/30.

Autores

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    é professor titular da Faculdade de Direito da USP, juiz do Tribunal Administrativo do Sistema Econômico Latino-Americano e do Caribe (SELA) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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