Estados das Américas são desiguais em usufruir das regras antitrustes
31 de março de 2016, 8h00
Os Estados desenvolvidos e os em desenvolvimento enfrentam desafios semelhantes no que diz respeito à implementação das políticas de concorrência. A crescente internacionalização das atividades empresariais tem aumentado a probabilidade de que comportamentos anticompetitivos em países, ou o comportamento de empresas localizadas em diferentes nações, possam afetar, adversamente, os interesses de outros países. Da mesma forma, a aplicação unilateral, por um Estado, de sua lei de concorrência, em casos em que há operações comerciais em outros países, faz surgir o questionamento acerca da soberania e da extraterritorialidade. Para lidar com essas questões, muitos Estados têm realizado acordos bi ou multilaterais para criar mecanismos de consulta e para otimizar a comunicação entre as agências e a cooperação nas investigações de procedimentos.
Todavia é forte a suposição de que os países em desenvolvimento encontrem mais dificuldades na implementação e na aplicação das políticas de concorrência. Jenny sugere que no sistema globalizado e interdependente atual, os diferentes níveis de desenvolvimento econômico entre os inúmeros países, quase sempre afetam a extensão do benefício desses Estados com as oportunidades oferecidas pela competição. Isso implica que as leis de concorrência devem ser suficientemente flexíveis para serem adaptadas aos contextos econômicos e legais de cada país [1].
Muito embora a preocupação com a concorrência, bem como sua corporificação como disciplina jurídica tenha nascido no Canadá (Act for the Prevention and Suppression of Combinations Formed in Restraint of Trade – 1889[2]) e nos Estados Unidos (Sherman Act – 1890[3]), há cerca de 140 anos, o caminho para permear todos os 36 Estados americanos não tem sido fácil e ainda não se completou.
As primeiras emanações do direito concorrencial na América Latina e no Caribe foram a lei argentina de 1919, seguida da mexicana de 1934. Subsequentemente, Chile e Colômbia promulgaram leis antitruste em 1959, seguida pelo Brasil em 1962. Contudo, quase metade das legislações hoje vigentes na região foram criadas na última década do século XX: Peru e Venezuela em 1991, Jamaica, em 1993, Costa Rica, em 1994, Panamá, em 1996; St. Vincent and Grenadines, em 1999; e Uruguai, em 2001; e o Equador 2011.
A maior parte das constituições da região protege e garante a concorrência, quer indiretamente, por meio de disposições relativas à liberdade contratual, comercial e de garantia de iniciativa econômica privada; quer diretamente, proibindo monopólios — exceto os estatais e legais — a excessiva concentração do poder econômico e a abusiva manipulação de preços. Já as leis aprovadas na região para coibir as condutas comerciais que limitem, restrinjam ou distorçam a concorrência, possuem variedade de objetivos: promoção e defesa da concorrência, incluindo objetivos de eficiência econômica; proteção do consumidor; favorecimento da participação de pequenas e medias empresas; abertura de mercados; desconcentração do poder econômico; liberdade de iniciativa, e, também, prevenção de monopólios e abuso de posição dominante.
A abertura das economias latino-americanas e caribenhas, durante as duas últimas décadas do século passado e o crescente entusiasmo em abraçar politicas e leis de concorrência, foram acompanhados por escassez de recursos, ausência de independência de órgãos implementadores e, ainda, falta de experiência e limitações de capital humano para colocar em prática a legislação concorrencial. Esse estado de coisas, contribuiu para que seu desenvolvimento e aplicação fossem relativos. Dentre as razões para tanto, estão a carência de apoio e compreensão por parte do público; a desconfiança da comunidade empresarial, quanto aos méritos da concorrência; e a suspeita de que o governo utilize a legislação mais para fins políticos que econômicos.
Por outro lado, as dificuldades para a criação da cultura de concorrência, deve-se à evolução histórica da visão governamental do desenvolvimento econômico latino–americano, basicamente intervencionista e hostil aos negócios. Entretanto, a introdução da política de concorrência na região, deu início à mudança de percepção dos formuladores de política, que passaram a valorizar mais as funções de mercado, do que a ação governamental, como base para o desenvolvimento econômico. Em sociedades ainda dominadas por valores anti-mercado, as autoridades da concorrência necessitam definir cuidadosamente suas políticas, criar estruturas organizacionais adequadas, bem como angariar apoio social, para que as politicas concorrenciais possam prosperar.
Fugindo da intervenção estatal e procurando maior eficiência, por meio de processos de mercado, os governos da região começaram o trabalho de desmantelar suas economias super reguladas para permitir maior flexibilidade e promoção da concorrência por meio de reformas regulatórias. Em toda região, as estruturas regulatórias, nos serviços de infraestrutura têm, vagarosamente, evoluído, de monopólios estatais e propriedade pública para a participação privada significativa, em que os exercícios de concorrência e regulação, passam a exercer papéis complementares. Entretanto, inobstante a concorrência tenha sido aspecto chave na elaboração dos processos de reforma dos serviços públicos, ainda continua a existir altos graus de concentração horizontal e vertical nas estruturas industriais de muitos países da região. São necessários profundos esforços regulatórios, em que a ausência de unbundling vertical e reestruturação industrial durante os primeiros estágios dos processos de liberalização de fato vêm impedindo a eficiência da politica de concorrência.
Enquanto os governos da região se defrontam com problemas de jurisdições concorrentes, de manutenção de equilíbrio apropriado de regulação setorial e de defesa da concorrência, Tavares de Araújo advogou pioneiramente a necessidade de introduzir divisões claras entre as funções das autoridades implementadoras da concorrência e das agências regulatórias setoriais. A despeito de algumas percepções negativas, acerca dos processos da desregulação e da qualidade da regulação na região, a reforma regulatória, indubitavelmente continua sendo importante aspecto da política de concorrência.
A situação de implementação do antitruste na região tem melhorado, vagarosamente, tendendo para o fortalecimento e independência dos órgãos de concorrência, a formulação de diretrizes mais claras do exame dos atos de concentração, a ampliação dos poderes investigativos e a simplificação do processo de decisão. Contudo, Vial demonstra que a posição relativa da maioria dos países da América Latina e Caribe, continua a ser baixa em termos de classificação global, face às fraquezas estruturais em áreas como: legislações e instituições, inovação e absorção de tecnologia. O Brasil é uma exceção!
Vários aspectos competitivos da região continuam a desafiar a autoridades na opinião de Tavares Araújo, incluindo o comportamento dos cartéis, aspectos regulatórios e de antidumping, bem como, a promoção da transparência do mercado, fortalecimento institucional dos órgãos concorrenciais e, também, preocupações de integração regional e de dimensão internacional dos atuais padrões globais de concorrência[4].
Muito embora, os vários acordos regionais de integração econômica das Américas, dentre os quais o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), o Sistema de Integração da América Central (Sica), a Comunidade Caribenha (Caricom), o Sistema Andino de Integração e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), tenham ajudado a disseminar o direito e a política da concorrência, essa parte do globo continua muito desigual em tirar proveito dessas matérias no que tange à otimização dos recursos econômicos nacionais e o crescente bem-estar dos consumidores.
1 Rodas, João Grandino e Fried, Jonathan T., Competition and Cartels in the Americas, General Secretariat of the Organizations of American States, Washington D.C., 2005, p. 3/29.
2 Objetivava atacar os combinados ou conluios formados para restringir o comércio, fixar preços e diminuir a produção.
3 Tornou ilegais contrato ou avença na forma de trust ou outra para restringir o comércio ou monopolizar.
4 Oliveira, Gesner e Rodas, João Grandino, Direito e Economia, 2ª ed., São Paulo, Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, 2013, p. 27/30.
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