Opinião

Judicialização da política não significa politização do Direito

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30 de março de 2016, 6h34

Não há dúvida de que estamos inseridos em um momento de grave instabilidade política no país. Nesse cenário caótico, cabe indagar qual o papel da magistratura na preservação do Estado Democrático de Direito.

A judicialização da política é curiosamente um fenômeno político, que surge não por vontade dos juízes e nem é exclusividade do Brasil, mas que decorre do funcionamento deficitário das instituições. É preciso, porém, não confundi-la com politização do Direito.

Diante de uma carta constitucional com tantas promessas descumpridas, a Justiça, por óbvio, não poderia permanecer distante dos debates sociais. A interpretação das leis incorporou-se à vida do cidadão de tal maneira que praticamente não há mais temas fora da pauta dos tribunais. Sem a condição de reis-filósofos que podem agir como um barco a vela sem timoneiro, é ampla e desafiadora a tarefa de encontrar a solução adequada para as mais variadas e complexas angústias humanas. Na contraface, surgem para os juízes enormes responsabilidades políticas, que se traduzem, muitas vezes, na crítica oriunda de uma sociedade plural.

A política e seu discurso seguem uma lógica própria. A aplicação do Direito, contudo, deve centrar-se na racionalidade, evitando ingressar nos embates maniqueístas que constituem perigo à própria razão, tão cara à modernidade.

Como poder contramajoritário, a legitimidade das ações do Judiciário faz morada na transparência dos argumentos que dirigem as decisões judiciais, e é a partir da fundamentação que se deve fazer o escrutínio popular. Críticas, erros, acertos e correções de rumo devem ser vistos como um processo natural em um ambiente democrático.

O Judiciário brasileiro a cada dia dá mostras de seus ganhos qualitativos. A sociedade deve confiar na sua Justiça tantas vezes sem rosto, serva do Direito e “trunfo contra as maiorias”, quando a razão assim recomenda. Daí sua necessária independência, já anunciada desde Platão e Aristóteles, antes mesmo dos escritos de Montesquieu.

Nem juízes absolutistas nem juízes ventríloquos, como na França antiga e pós-revolução, servem aos propósitos do mundo contemporâneo. Superadas as paixões convulsivas que movem o recorte desse tempo de crises e ebulições, os juízes continuarão a prestar serviço no seu locus originário, que é o devido processo legal, e a partir dele devem ser julgados. No final, ganhará a sociedade.

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