Opinião

Pedido de impeachment feito pela OAB coloca a ordem jurídica em risco

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29 de março de 2016, 16h54

Nesta segunda-feira (28/3), o presidente do Conselho Federal da OAB deu entrada, na Câmara dos Deputados, em novo pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, sob os seguintes fundamentos:

a) pedaladas fiscais e abertura de créditos suplementares por decreto;

b) concessão de benefícios fiscais para a Fifa, pela Lei 12.350/10, na Copa do Mundo de 2013;

c) delação premiada do senador Delcidio do Amaral, no que se refere à motivação escusa na indicação de ministro do Superior Tribunal de Justiça;

d) nomeação do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil.

Sobre a participação da presidente Dilma na "lava jato", o pedido, que nada mais é do que a transcrição do voto da Conselheira relatora no Plenário do Conselho Federal, reconhece que não há evidências que comprovem a participação pessoal da presidente que caracterize crime de responsabilidade.

Passemos a uma análise, ainda que sintética, dos fundamentos do pedido.

Sobre a letra 'a' acima, a petição nada acrescenta ao pedido em tramitação na Câmara dos Deputados, que relata condutas que não podem ser caracterizadas como crime de responsabilidade, conforme destacamos em parecer (leia aqui).

No que tange à letra 'b' acima, a imputação à Dilma da concessão por lei de benefício fiscal no governo do ex-presidente Lula é inexplicável à luz do ordenamento jurídico tributário vigente. Não há qualquer dúvida que a presidente Dilma tem obrigação de cumprir lei aprovada pelo Congresso. Se essa contém vícios, o que não parece ser o caso, mas nem é preciso adentrar nesse mérito, obviamente estes não podem ser atribuídos a ela. Nesse ponto se revela toda a insensatez da tentativa de cassar o mandato da presidente ao caracterizar como crime de responsabilidade o cumprimento de lei aprovada no governo de outro presidente. Se a moda pega, a aplicação de qualquer lei supostamente inconstitucional levaria ao impeachment do governante. Se por completo absurdo fosse possível essa imputação logicamente seriam co-autores todos os deputados e senadores que aprovaram a norma, o que, obviamente, não tem qualquer cabimento.

Quanto à letra 'c', aponta-se vício de motivação na indicação de ministro do STJ, o que, em tese, é fato grave que precisa ser investigado, a fim de apurar em que extensão a presidente teria escolhido determinado magistrado para a Corte Federal em troca da concessão de decisão judicial. Aqui, no momento, o pedido do presidente da OAB é no mínimo açodado, pois o que há, até agora, é muito pouco para inferir tal conclusão, limitando-se à declaração do senador não submetida ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que ainda não houve sequer inquérito para apurar a informação. A caracterização de crime de responsabilidade antes de qualquer apuração da participação pessoal da presidente é iniciativa bastante preocupante no que se refere à presunção de inocência, ao contraditório e à ampla defesa. Sendo uma questão essencialmente fática, somente a completa apuração permitirá qualquer conclusão jurídica.

Por fim, em relação à letra 'd', causa espécie que o presidente da OAB, que deveria zelar pela tutela da ordem jurídica nacional, possa sustentar a limitação do poder da presidente da República de escolher os seus ministros com base em escuta telefônica ilegal, assim classificada pelo ministro Teori Zavascki, do STF,  em que Dilma diz que está mandando o ato para Lula usar em caso de necessidade. Seria isso prova de que a nomeação não se destinaria à articulação da base parlamentar do governo, uma das  funções sabidamente a ser desempenhada pelo novo ministro? Ainda que assim não fosse, seria a atribuição de foro privilegiado no STF estratégia associada à obstrução da justiça? E agora, que as investigações sobre Lula já foram remetidas ao STF, o que macula a atuação da presidente da República na nomeação de alguém reconhecidamente habilitado para o cargo, que sequer é réu em qualquer ação penal? Como sustentar o desvio de finalidade do ato, e mais ainda, classificá-lo como crime de responsabilidade? É preciso muita vontade de chegar a resultado preconcebido a escolha dessa conclusão com base nas gravações ilegalmente vazadas. 

Certamente se a OAB utilizar a mesma régua que adotou nesse pedido em outros casos, que foi feito ao arrepio da posição de comissão especial indicada para estudar o tema, a ordem jurídica estará em grave risco. E a democracia novamente em perigo.

Uma lástima para uma entidade que, apesar de ter apoiado o golpe civil-militar de 1964, tanto contribuiu no combate ao regime ditatorial. Espero,  sinceramente, como advogado inscrito na OAB,  que, neste caso, o arrependimento não seja tão tardio e que a atuação da entidade não sirva para dar uma roupagem jurídica a um golpe parlamentar.

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    é advogado, presidente da Sociedade Brasileira de Direito Tributário (SBDT) e professor adjunto de Direito Financeiro da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

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