Prerrogativa questionada

Ao STF, Sergio Moro afirma desconhecer grampo determinado por ele em escritório

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29 de março de 2016, 22h39

No mesmo ofício em que pede desculpas ao Supremo Tribunal Federal pela polêmica gerada com a divulgação de conversas interceptadas envolvendo a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro Jaques Wagner, o juiz federal Sergio Moro busca justificar o fato de ter grampeado o advogado de Lula, Roberto Teixeira e todo o seu escritório. Ele diz que Teixeira é investigado na "lava jato" e argumenta que ninguém reclamou na 13ª Vara Federal de Curitiba sobre os grampos no ramal central da banca, que conta com 25 profissionais do Direito.

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Uma semana depois de OAB ter enviado ofício sobre grampos em escritórios, Moro diz que questão não foi levada a ele.
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Moro confirma que autorizou que o celular do advogado fosse grampeado, mas diz não saber das interceptações telefônicas do seu escritório, o Teixeira, Martins e Advogados: “Desconhece este juízo que tenha sido interceptado outro terminal dele [Roberto Teixeira] ou terminal com ramal de escritório de advocacia. Se foi, essas questões não foram trazidas até o momento à deliberação deste juízo pela parte interessada”.

No entanto, o documento só foi enviado ao STF nesta terça-feira (29/3), uma semana depois de o próprio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ter enviado um ofício a Moro requerendo informações sobre a interceptação dos telefones do escritório Teixeira, Martins e Advogados durante a “lava jato”.

Reportagem da ConJur mostrou que o Ministério Público Federal indicou o número do escritório como se fosse de uma empresa do ex-presidente Lula (Lils Palestras e Eventos), conseguindo que segredos e estratégias de defesa em centenas de casos chegassem às mãos dos acusadores antes de serem levadas aos tribunais. O MPF diz que foi por engano, mas silencia a respeito da destruição das conversas.

Cristiano Zanin Martins, sócio de Teixeira, aponta que as duas hipóteses são ruins: tanto a de que Moro sabia que estava grampeando o escritório quanto a de que não sabia. No primeiro caso, estaria violando a Lei 8.906/1994, que prevê a inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente. No segundo, não teria cumprido a sua obrigação de verificar o que está sendo pedido antes de decidir nem a Resolução 59 do Conselho Nacional de Justiça, segundo a qual o juiz, ao permitir interceptações, deverá detalhar “as diligências preparatórias realizadas, com destaque para os trabalhos mínimos de campo, com exceção de casos urgentes, devidamente justificados, em que as medidas iniciais de investigação sejam inviáveis”.

Advogado investigado
Na peça, para justificar ter grampeado o advogado que defende Lula desde os anos 1980, Moro refere-se a ele como o "investigado Roberto Teixeira". O juiz cita que em um dos grampos tornados públicos, Teixeira sugere ao ex-presidente que procure Jaques Wagner (então ministro da Casa Civil) "para que, aparentemente, intercedesse em seu favor junto ao Supremo Tribunal Federal na ACO 2.822”.

O juiz federal argumenta ainda que Teixeira representou Jonas Suassuna e Fernando Bittar na compra do sítio de Atibaia (SP) que é apontado como sendo de Lula. “Se o advogado se envolve em condutas criminais, no caso suposta lavagem de dinheiro por auxiliar o ex-presidente na aquisição com pessoas interpostas do sítio em Atibaia, não há imunidade à investigação a ser preservada, nem quanto à comunicação dele com seu cliente também investigado”, diz Moro.

A questão também é polêmica, uma vez que Teixeira afirma nunca ter sido informado sobre qualquer investigação contra ele. Inclusive, no dia em que o ex-presidente Lula foi levado coercitivamente pela Polícia Federal para depor, o advogado perguntou ao delegado Luciano Flores de Lima se ele também estava sendo investigado. A resposta foi clara: não.

Longas desculpas
A maior parte do documento apresentado por Moro ao Supremo pode ser considerada um pedido de desculpas e uma reverência à hierarquia existente no Judiciário. O juiz federal cita diversas vezes a competência do STF para julgar pessoas com prerrogativa de foro e ressalta que nenhuma de suas decisões teve “por objetivo gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos”.

Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo, afirma Sergio Fernando Moro, "compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários. Jamais foi a intenção desse julgador, ao proferir a aludida decisão de 16/03, provocar tais efeitos e, por eles, solicito desde logo respeitosas escusas a este Egrégio Supremo Tribunal Federal”.

O juiz federal diz que a retirada do sigilo sobre esses tipos de conteúdo são praxe entre a magistratura e cita alguns precedentes do Supremo. Argumenta ainda que a medida buscou seguir o preceito constitucional da publicidade por se tratar de interesse público, além de “garantir o contraditório”.

Sem provas
Moro cita em sua argumentação algumas das conversas divulgadas, entre elas a de Lula pedindo ao ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que interceda junto ao chefe da Receita Federal para que as investigações relacionadas ao instituto do ex-presidente sejam afrouxadas; a de Lula sugerindo que deputados federais estejam em sua casa e na de seus filhos para constranger a diligência da Polícia Federal; e outra em que o ex-presidente pede que deputadas pressionem um promotor de Rondônia que abriu investigação contra ele.

Porém, na maioria das citações, e em todos os exemplos citados acima, o juiz federal destaca que não há provas que confirmem a influência indevida de Lula. “Nos diálogos, mesmo com autoridades com foro privilegiado, não há provas de que estas, ou seja, as próprias autoridades com foro privilegiado teriam efetivamente cedido às solicitações indevidas do ex-Presidente para interferência em seu favor junto às instituições públicas para obstruir as investigações”, explica Moro.

Sem problemas
Especialmente sobre a conversa entre a presidente Dilma e Lula sobre a possível posse do ex-presidente como ministro-chefe da Casa Civil, Sergio Moro destaca que a falta de ilicitude no diálogo é justificativa para ele não ter enviado o material ao Supremo assim que o analisou. Diz ainda que não percebeu em sua decisão “eventuais e possíveis reflexos" para a própria presidente.

O juiz se explica dizendo que como Dilma negou, publicamente, o caráter ilícito do diálogo, não havia causa para determinar a competência do Supremo Tribunal Federal. A mudança de foro, diz ele, "só ocorreria com a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cargo de ministro chefe da Casa Civil", no dia 17 de março.

Clique aqui para ler o ofício enviado ao Supremo.

*Texto alterado às 1h41 do dia 30 de março de 2016 para correção.

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