Justiça Tributária

Pelo bem do país, imunidades fiscais precisam ser revistas

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

28 de março de 2016, 8h05

Spacca
O Senado aprovou na última terça-feira (22/3) proposta de emenda à Constituição que concede mais um benefício tributário às igrejas. A medida seguirá para a Câmara, onde deve ser examinada em dois turnos.

Como já defendemos em nossas colunas de 11, 18 e 25 de março de 2013, deveríamos eliminar as imunidades determinadas no VI do artigo 150 da Constituição Federal, que favorecem igrejas, partidos políticos, entidades sindicais, bem como instituições educacionais e de assistência social que se dizem sem fins lucrativos e também as que se referem a livros, periódicos e papel de imprensa.

Este é um país laico, respeitado mundialmente pela observância de grande liberdade religiosa e respeito a todas as crenças. Não existe razão que justifique favorecer seus praticantes ou dirigentes com qualquer espécie de favor fiscal.

A tributação tem como objetivos manter os serviços públicos, investir em infraestrutura, saúde, educação, justiça, segurança etc.

Por inúmeras vezes, invocamos aqui o preâmbulo da Constituição, que indica para que serve o nosso Estado Democrático de Direito. Mesmo com o risco de parecermos repetitivos, vai o texto mais uma vez:

“(…) Para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,  o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias…”.

As pessoas que professam uma religião devem arcar com os custos de sua escolha, já que ninguém é obrigado a isso.

De igual forma os adeptos, integrantes ou dirigentes de partidos políticos também o fazem por espírito público e direta ou indiretamente se beneficiam disso.

O simples eleitor espera contar com os bons serviços que os políticos de sua escolha prestam a toda a sociedade. Os nossos representantes no Executivo ou no Legislativo são remunerados pelo mandato e ainda recebem diversos benefícios que chegam a aposentadorias em tempo de serviço muitas vezes bem inferior ao dos demais trabalhadores.

Os candidatos, eleitos ou não, devem colaborar com as despesas da política, seja mediante taxa de inscrição ou mensalidades. O partido deve cobrar de seus inscritos taxas, anuidades ou contribuições esporádicas.

Tudo isso também ocorre nas entidades sindicais. Estas são muito favorecidas com a contribuição dos trabalhadores, subsídios diretos e indiretos do governo (leia-se do povo todo) e muito arrecadam dessa forma.

Muitas dessas entidades possuem sedes suntuosas, colônias de férias etc., que não devem ser custeadas por todos os contribuintes, mas apenas pelos que pertençam à categoria e cujos direitos e interesses elas dizem que representam e defendem. Da forma como funcionam, muitas são apenas cabides de empregos ou feudos de dirigentes que se eternizam no poder para deles tirar proveitos pessoais.

As tais entidades educacionais ou assistenciais consideradas sem fins lucrativos aproveitam-se de forma injusta da imunidade. Não pagam impostos, mas cobram pelos serviços que prestam, muitas vezes em valores só suportados pelos mais abastados. 

Há escolas particulares que possuem monopólio de livros didáticos vendidos aos alunos a preços elevados. Assim aumentam seus lucros, dos quais em regra não prestam contas. Talvez concedam meia dúzia de bolsas de estudos a supostos carentes, para justificar a espoliação e o aumento do patrimônio que possuem.

Dizendo-se assistenciais, verdadeiras empresas de medicina não pagam impostos sobre seus enormes lucros. Procuram explicar sua suposta utilidade pública por meio de pequenos atendimentos a carentes, muitas vezes prestados numa periferia qualquer, pois suas instalações só admitem os que possuam convênios médicos caríssimos ou contas bancárias com saldos elevados.

Não há qualquer razão para que os impostos pagos por todos, especialmente para os que procuram a fila do SUS, sirvam para livrar essas entidades da tributação. 

As chamadas Santas Casas também não fazem jus ao benefício. Recebem verbas públicas pelo atendimento e também atendem a quem pode pagar ou possuem hospitais privados como anexo, onde cobram pelos seus serviços. O tempo em que a assistência médica era caridade perdeu-se na poeira dos séculos. Hoje é negócio, profissão, emprego, atividade lucrativa. Deve pagar impostos.

Neste século, também não há razão para dispensar impostos sobre livros, jornais, revistas etc. — basta vermos o preço que pagamos por esses produtos. A indústria do livro didático frequenta mais as páginas policiais com casos de superfaturamento do que as bibliotecas. Jornais e revistas vivem de anúncios e muitos deles ou são pagos por grandes empresas ou por verbas de governos, isto é, com dinheiro do povo.

As imunidades tributárias representam uma injustiça contra os contribuintes e favorecem quem delas não precisa. Acaba por criar privilégios e subverter o princípio da igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, que está contido no preâmbulo da Constituição. Tudo isso precisa ser revisto, quando e se tivermos uma Constituição. Aquela tal “cidadã” surgida em 1988 hoje não passa de uma colcha de retalhos!

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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