Comportamento público

Operação mãos limpas não diminuiu a corrupção, afirmam juízes italianos

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27 de março de 2016, 16h49

Independente do número de condenações, multas, prisões preventivas ou qualquer outro tipo de condenação que possa ser imposta a corruptos e corruptores, a parte essencial do combate à corrupção política é a opinião pública, tanto pressionando por resoluções quanto mudando de hábitos. A opinião é dois juízes italianos Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo. Os dois atuaram nas ações envolvendo as operação mãos limpas e foram entrevistados pelos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Para Colombo, a principal descoberta da operação mãos limpas foi o nível de penetração da corrupção no poder público e na sociedade. "A herança desse caso está no fato que pudemos constatar que, por meio de uma investigação judiciária, não se pode enfrentar a corrupção, quando ela é tão difusa como na Itália. Eu creio que hoje a corrupção não seja menos espalhada do que então. Investigamos por seis, sete anos. Fizemos processos até 2005 e, porém, a corrupção não diminuiu", explica.

No caso italiano, também houve a aceitação pela população de medidas propostas pelo governo para afrouxar o controle. "O problema é que medidas relacionadas à prescrição dos crimes (diminuição do tempo de prescrição), à falsificação de balanço de empresas (que deixou de ser crime) e outras foram aceitas pelos cidadãos. Exceto no caso do decreto Biondi (conhecido como ‘salva ladrão’, ele acabava com a prisão preventiva nos casos de corrupção, mas acabou rejeitado pelo Parlamento), os cidadãos progressivamente se desinteressaram dessas coisas, pois começamos a incomodar também as pessoas comuns", complementa.

Outro ponto que é destacado pelo magistrado europeu é o que motivava os empresários envolvidos no esquema a pagar por favores políticos. "Geralmente não eram vítimas de extorsão. Algum deve ter sido, mas o que acontecia era outra coisa: os empresários, por meio da corrupção, obtinham recursos públicos que, sem isso, não teriam. A corrupção trazia vantagem, seja para o funcionário ou para o político, que recebia o dinheiro, seja para o empresário, que pagava. O custo da propina era sustentado pelos cidadãos, que pagavam impostos, porque os empresários incluíam isso no preço dos contratos com o governo."

Piercamillo Davigo afirma que a operação mãos limpas perdeu força, em parte, porque a opinião pública parou de se indignar. "Na fase inicial, a população reagiu com grande indignação. Nas eleições de 1994, desapareceram cinco partidos: um era majoritário e os outros quatro existiam há mais de 100 anos. Em seguida, surgiu o cansaço e a resignação" lembra.

Gherardo Colombo diz que isso se deu também por falta de uma mudança educacional e cultural na sociedade italiana. "No início, eram todos entusiastas na Itália das investigações, pois elas nos levavam a descobrir a corrupção de pessoas que estavam lá em cima. Mas, conforme elas prosseguiram, chegamos à corrupção dos cidadãos comuns: o fiscal da prefeitura que fazia compras de graça, que não fiscalizava a balança do vendedor de frios, que continuava a vender apresuntado como se fosse presunto."

O ex-magistrado, que se demitiu e atua como editor e palestrante sobre o combate à corrupção cotidiana, cita que os juízes eram chamados de Savonarolas — em referência ao dominicano Girolamo Savonarola, que governou Florença no século XV — e que a população passou a questioná-los sobre suas atitudes. "Mas esses magistrados, o que querem fazer? Querem saber o que nós estamos fazendo?", lembrou.

Ele destaca que o comportamento da opinião pública é muito diferente atualmente do que se comparado ao do início da operação. Também diz que o único resultado nítido é o aumento das abstenções nas eleições — na Itália o voto não é obrigatório. "Continuam a dizer: ‘Esses políticos, são todos corruptos etc’. Mas a partir disso não surge um comportamento coerente."

O modelo italiano também pode ser visto no Brasil, onde, segundo pesquisa do Data Popular feita no início deste ano e divulgada por O Globo, 80% dos entrevistados conhece alguém que já cometeu alguma ilegalidade, 70% admitem que já cometeram algum tipo de infração e 22% conhecem um corrupto. Porém, apenas 3% dos participantes se consideram corruptos.

O império contra-ataca
Além da perda de apoio, a classe política também foi outro grande empecilho no combate à corrupção italiana. Muitas leis foram alteradas para auxiliar acusados e outras não foram reformadas para combater as mudanças na modelos de operação de pagamentos de propinas. À época, Berlusconi era acusado de deslegitimar a magistratura. "Acredito que houve a impossibilidade objetiva de julgar um sistema ainda no poder, especialmente em face à situação concreta da administração da Justiça na Itália. Os partidos políticos italianos trabalharam em conjunto para limitar o alcance das ações da magistratura", diz Davigo.

O juiz italiano afirma que muitos dos problemas poderiam ter sido solucionados se crimes como de falsa contabilidade e prescrição, além da possibilidade unificar casos de suborno e corrupção, fossem melhor enquadrados na lei. Também acha que se as penas deveriam ser reduzidas para quem colaborasse com as investigações, pois bons resultados tem aparecido no combate ao terrorismo e à máfia.

Fla x Flu
A falta de parcialidade, assim como tem ocorrido no Brasil, foi outro meio de combater as investidas do Judiciário contra os investigados da classe política. Gherardo conta que foi muito acusado de de favorecer um ou outro lado político. "Quando me perguntam sobre isso, eu respondo: se há alguém que conhece notícias de crime que não investigamos, diga-nos quais são. E ninguém jamais disse nada, salvo para falar de crimes já prescritos."

Na Itália, a Suprema Corte julga apenas crimes cometidos pelo presidente da República e os ministros, por exemplo, são julgados por um tribunal especial de investigação, voltado apenas para esses crimes, porém, a corte é formada pela magistratura ordinária.  Mesmo atuando em um diferente modelo jurisdicional, Davigo afirma encontrar problemas para julgar políticos"A relação entre competência para julgar e poder político é um problema que existe em todos os lugares e não é de fácil solução."

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