Condutas questionadas

Para OAB, pedaladas e renúncia fiscal na Copa são motivos de impeachment

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24 de março de 2016, 11h35

O pedido de abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil apresentará à Câmara dos Deputados na próxima segunda-feira (28/3) tem como argumentos as transferências orçamentárias promovidas pelo governo federal para pagar programas sociais e compensar subsídios dados à indústria, as “pedaladas fiscais”, e a renúncia fiscal concedida às empresas que participaram de obras da Copa do Mundo de 2014.

Uma versão preliminar do pedido à qual a ConJur teve acesso cita os áudios das ligações grampeadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com Dilma Rousseff, mas os áudios não deverão ser usados como base do que será entregue aos deputados.

O Conselho Federal enviou convites a seus membros indicando que a concentração dos advogados para a entrega do documento será na entrada do prédio do Congresso Nacional (Chapelaria). Assinado pelo presidente do colegiado, Claudio Lamachia, o documento de 46 páginas detalha as condutas denunciadas.

Em parecer apresentado no dia 27 de novembro do ano passado, uma comissão montada pelo Conselho Federal  para analisar o pedido de impedimento de Dilma feito pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior opinou que o colegiado não deveria endossar o processo. No entanto, depois da divulgação de conversas de Lula grampeadas na operação "lava jato", vários conselhos seccionais se mostravam favoráveis ao pedido de impeachment. O Conselho Federal também entendeu que deveria ser favorável ao impedimento da presidente.

Em uma das gravações divulgadas, Dilma avisa Lula que está enviando o termo de posse para que ele assine, o que foi interpretado como se a presidente estivesse obstruindo a Justiça ao oferecer um cargo.

Na peça, Lamachia afirma que sua argumentação foi elaborada com “honestidade intelectual, isenção política, fundamentos exclusivamente jurídicos e extremo respeito às divergências naturais a um tema palpitante”. O presidente do Conselho Federal cita ainda Francesco Ferrara para destacar que não se pode ter “excessivo apego à literalidade da lei” para evitar manipulações da norma.

Eugênio Novaes/OAB
Lei de Responsabilidade Fiscal foi ferida, diz Lamachia, presidente da OAB.
Eugênio Novaes/OAB

Lamachia também responde ao governo federal e a setores da população ao dizer que o voto elaborado por ele rechaça “a pecha de ‘golpe’ à iniciativa de colocar em discussão a viabilidade ou não de um instrumento constitucional”. “É necessário balizar claramente que aqui não se está a perscrutar qualquer conduta criminal da Presidente da República, mas sim, a existência de razões político-jurídicas para dar início, ou seja, provocar a instauração de um processo de impedimento constitucional, no qual será dada aos atores constitucionalmente incumbidos a oportunidade de uma análise de fundo acerca das razões para a procedência ou não do afastamento.”

O presidente do conselho mostra ainda que pedidos de impeachment são, de certo modo, algo comum na democracia brasileira desde o fim da ditadura e apresenta os procedimentos solicitados contra todos os presidentes desde 1990:

  • Collor (1990-92): 29
  • Itamar (1992-94): 4
  • Fernando Henrique Cardoso (1995-2002): 17
  • Lula (2003-10): 34
  • Dilma (2011-até o momento): 48

“Como não confiar na retidão moral e na correição de propósitos de Celso Antônio Bandeira de Melo, Dalmo de Abreu Dallari, Fábio Konder Comparato, Godofredo da Silva Teles e Paulo Bonavides, quando apresentaram, em maio de 2001, pedido de impeachment do então presidente Fernando Henrique Cardoso? Como duvidar da responsabilidade cívica de Miguel Reale Jr. e Sergio Ferraz, quando, em 2006, defenderam pedido semelhante formulado contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a eclosão do escândalo que ficou conhecido como 'Mensalão'?”, justifica.

Para o advogado, o pedido de impeachment deve ser aceito, pois as condutas da presidente Dilma deixam claro que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi ferida e que, independentemente de lapso temporal, dolo ou culpa, “não se pode relativizar ou mitigar a aplicação da norma dado o seu destinatário, mesmo que seja ele o Supremo Mandatário da Nação. O que deve estar em escrutínio são apenas dois aspectos: se existiu ofensa à lei e se houve comportamento comissivo ou omissivo por parte do agente político responsável”.

Pedaladas fiscais
A peça começa esmiuçando os argumentos da comissão da Ordem pró e contra o acolhimento das pedaladas fiscais como base para o pedido de impeachment. A decisão do grupo foi tomada por três votos contrários ao processo e dois favoráveis. À época, a opinião vencedora destacou que não foi constatado nenhum “grave comportamento comissivo ou omissivo, de tipo doloso” para justificar a medida e que as contas de 2014, por se tratarem de práticas de mandato anterior ao atual, não podem justificar o processo político. Segundo o Tribunal de Contas da União, os valores analisados totalizam R$ 106 bilhões.

Porém, Lamachia afirma que os dois votos divergentes são os corretos. “A meu sentir, concessa venia dos entendimentos firmados pelos notáveis membros da Comissão Especial, ousarei deles discordar pontualmente”, diz. Segundo ele, o argumento de que os fatos ocorridos em mandato anterior não podem validar condenação sobre nova gestão é inviável, pois não há “na norma constitucional qualquer restrição expressa à apuração de crimes de responsabilidade por Presidente da República, exceto, por óbvio, na hipótese do mandatário não mais ocupar o cargo”.

Para exemplificar, ele traça um paralelo com o impedimento do senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL): "No caso do ex-presidente e atual senador da República Fernando Afonso Collor de Mello, houve prosseguimento do julgamento do recebimento da denúncia pelo Senado Federal, mesmo após a sua renúncia, o que se deu em razão da prévia instauração do processo de impeachment pela Câmara Federal quando ele exercia efetivamente o mandato. Além disso, naquele caso, como é de conhecimento de todos, o prosseguimento do julgamento teve como propósito a aplicação da pena de inabilitação para o exercício de funções públicas, prevista no art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal, vez que não mais possível a perda do cargo já preteritamente renunciado”.

Inobservância deliberada
Segundo o presidente do Conselho Federal da OAB, mesmo que os desvios encontrados no orçamento do governo federal não tivessem sido chancelados pelo Tribunal de Contas da União, como ocorreu, a abertura do impedimento da presidente poderia ter sido decidida pela Câmara, pois “o que fundamenta o pedido de impeachment não é a reprovação das contas em si, mas sim, a deliberada inobservância de postulados concernentes à responsabilidade fiscal, à lei orçamentária e à higidez das finanças públicas”.

“O que importa é a análise acerca dos fatos efetivamente ocorridos, e se eles podem ser configurados como infrações político-administrativas (crime de responsabilidade) suficientes a supedanear o impedimento, não a manifestação da Corte de Contas ou a sua ratificação pelo poder constitucional competente”, argumenta Lamachia.

E novamente o advogado traça um paralelo com o impeachment de Fernando Collor: “Conforme podemos observar da íntegra do pedido de impeachment protocolado em 1º de setembro de 1992, nele não foi acostado sequer o relatório final da CPMI do denominado Esquema PC Farias, na qual o pedido se baseou, devidamente aprovado por Resolução, conforme determina o art. 5º da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1952. E nem poderia. O Relatório Final da CPMI foi votado em 26 de agosto de 1992, apenas tendo sido publicado no Diário da Câmara dos Deputados de 16/09/1992, após apresentação no Plenário do Congresso Nacional no dia 15 de setembro”.

Copa do Mundo
A renúncia fiscal concedida às empresas por causa das obras destinadas a melhorar a mobilidade e a infraestrutura do país para a Copa do Mundo é outro argumento do Conselho Federal para justificar o impeachment. Lamachia afirma que as regras da Lei Complementar 101/2000 (LRF) não foram atendidas e que o TCU apontou tais irregularidades no passado. A corte de contas apontou à época que a concessão desses benefícios não considerou o impacto orçamentário-financeiro no orçamento da União e as desonerações na estimativa de receita da lei orçamentária.

“Dessa forma, a isenção prevista na Lei nº 12.350/2010, com exceção dos impostos listados no §1º do Art. 153 da Constituição, não atende ao que determina o inciso I do art. 163 da CF, regulamentado pelo art. 14 da Lei Complementar nº 101/2000 e do § 2º do art. 165 da Carta Política deste País”, afirma Lamachia.

Áudios e nomeação
Uma versão preliminar do pedido de impeachment à qual a ConJur teve acesso cita os grampos autorizados e tornados públicos pelo juiz federal Sergio Moro. Nesse ponto, o documento faz uma ressalva de que "muito embora não seja elemento de convencimento deste ponto do voto, é impossível não mencionarmos as gravações obtidas nos autos do processo nº 5006205-98.2016.4.04.7000, que tramitava perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, e que foram agregadas aos presentes autos".

Ainda segundo o documento, nem mesmo a eventual dúvida quanto à legalidade da forma pela qual essas gravações vieram a público "é capaz de apagar ou nos fazer ignorar os acachapantes fatos que elas acabaram por revelar”.

*Texto alterado às 10h05 do dia 26 de março de 2016 para atualização.

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