Opinião

Subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão não pode ser ministro da Justiça

Autor

  • Frederico de Moura Theophilo

    é advogado em Londrina. Sócio da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF) e da International Fiscal Association (IFA) membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná; membro honorário do Instituto de Direito Tributário de Londrina (IDTL) e ex-conselheiro do Carf.

23 de março de 2016, 7h33

O subprocurador-geral da República, Eugênio José Guilherme de Aragão, acaba de ser nomeado ministro da Justiça. Ora, o Supremo Tribunal Federal, em recentíssima decisão, entendeu consoante notícia de julgamento da ADPF 338/DF que:

“No mérito, o Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do Relator, julgou procedente em parte a ação para estabelecer a interpretação de que membros do Ministério Público não podem ocupar cargos públicos, fora do âmbito da Instituição, salvo cargo de professor e funções de magistério, declarando a inconstitucionalidade da Resolução nº 72/2011, do CNMP, e determinar a exoneração dos ocupantes de cargos em desconformidade com a interpretação fixada, no prazo de até vinte dias após a publicação da ata deste julgamento, ausente, na apreciação do mérito, o Ministro Marco Aurélio”.

O motivo dessa decisão foi a ADI 5.172/DF, depois reautuada como a ADPF 338/DF.

Pois bem, mesmo diante dessa decisão enfática do Supremo Tribunal Federal, insiste o Poder Executivo em nomear um subprocurador-geral da República, membro do Ministério Público Federal, como ministro da Justiça, que, aliás, atuou junto ao Tribunal Superior Eleitoral, sendo próximo do atual procurador-geral da República, que investiga a operação “lava jato” envolvendo diversos políticos, empresários, funcionários etc.

Três questões surgem dessa nomeação:

a) A impossibilidade de nomeação do referido senhor por ofensa ao artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição que estabelece a vedação de membro do Ministério Público “exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

b) A desobediência clara a decisão do STF; e

c) O transparente desvio de finalidade de tal nomeação com o claro objetivo de dificultar as investigações da operação “lava jato”.

Passo à primeira questão da impossibilidade de nomeação do referido senhor por ofensa ao artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição.

Em que pese o disposto no artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição estabelecer vedação ao exercício de qualquer outra função pública, salvo o magistério, o texto político em seu ADCT, artigo 29, parágrafo 3º estabeleceu que:

“Art. 29. (…..)
§ 3º Poderá optar pelo regime anterior, no que respeita às garantias e vantagens, o membro do Ministério Público admitido antes da promulgação da Constituição, observando-se, quanto às vedações, a situação jurídica na data desta”.

A Lompu, Lei Orgânica do Ministério Público da União (LC 75/93), por seu turno estabeleceu em seus artigos 281 e 282 que:

“Art. 281. Os membros do Ministério Público da União, nomeados antes de 5 de outubro de 1988, poderão optar entre o novo regime jurídico e o anterior à promulgação da Constituição Federal, quanto às garantias, vantagens e vedações do cargo.
Parágrafo único. A opção poderá ser exercida dentro de dois anos, contados da promulgação desta lei complementar, podendo a retratação ser feita no prazo de dez anos.

Art. 282. Os Procuradores da República nomeados antes de 5 de outubro de 1988 deverão optar, de forma irretratável, entre as carreiras do Ministério Público Federal e da Advocacia-Geral da União.
§ 2º Não manifestada a opção, no prazo estabelecido no parágrafo anterior, o silêncio valerá como opção tácita pela carreira do Ministério Público Federal.

Há que se notar que na Constituição de 1967/69, o Ministério Público da União era vinculado ao Poder Executivo, e somente com a Constituição de 1988, pelo parágrafo 1º do artigo 127, é que ficaram estabelecidos os princípios da unidade, indivisibilidade e independência funcional, deixando o Ministério Público de ser subordinado ao Poder Executivo.

E mais, consoante o parágrafo 2º seguinte do artigo 127, “ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento”.

Pois bem, exatamente diante da independência funcional e administrativa do Ministério Público é que o artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição veda o exercício de qualquer outra função pública de membro do Ministério Público, pois tal exercício pode gerar conflito de interesses entre as funções independentes desse membro do MP e os interesses de qualquer administração pública.

Nesse sentido, deve-se notar que, na Constituição de 1967/69, os procuradores da República também eram procuradores da União; hoje, os procuradores da República são membros do Ministério Público, e os antigos que optaram passar à Advocacia-Geral da União como membros da Procuradoria-Geral da União continuam exercendo o cargo de procurador da União, porém deixaram de ser membros do Ministério Público, como assentado nos artigos 127 e 128 da Constituição de 1988.

Portanto, os que permaneceram no Ministério Público, aqueles que não optaram, agora são procuradores da República — membros do Ministério Público, como é o caso do senhor Eugênio José Guilherme de Aragão, jamais poderiam ser nomeados ministro de qualquer pasta, por ofensa ao disposto no artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição.

Não é simplesmente o fato de um procurador da República, membro do Ministério Público Federal, ter sido nomeado antes de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição que o faz livre da vedação do artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da atual Constituição. Para ter se livrado de tal vedação, seria necessário que o mesmo tivesse optado para a carreira de procurador da União, dentro do quadro da Advocacia-Geral da União.

A segunda questão da desobediência clara a decisão do STF: não é preciso dizer que a decisão do STF, na ADPF 338/DF, é bem clara quanto a tal vedação, como se viu no julgamento de 9 de março passado, ao entender que “membros do Ministério Público não podem ocupar cargos públicos, fora do âmbito da instituição, salvo cargo de professor e funções de magistério, declarando a inconstitucionalidade da Resolução 72/2011, do CNMP, e determinar a exoneração dos ocupantes de cargos em desconformidade com a interpretação fixada…”.

Também a jurisprudência daquele excelso tribunal já estabelecia na ações diretas de inconstitucionalidade 2.836/DF, 2.084/DF e 2.534/MC, cujas ementas são as seguintes:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 106/03. LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ARTIGO 9º, § 1º, ALÍNEA "C", E ARTIGO 165. DESINCOMPATIBILIZAÇÃO DOS CANDIDATOS AO CARGO DE PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA. (…) 3. O artigo 165 da lei orgânica do MP do Estado do Rio de Janeiro é mera reprodução do artigo 29, § 3º, do ADCT da Constituição do Brasil. Aos integrantes do Parquet admitidos antes da CB/88 aplicam-se as vedações do texto constitucional. 4. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado improcedente.” (ADI 2836, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 17/11/2005, DJ 09-12-2005 PP-00004 EMENT VOL-02217-01 PP-00182 RJP v. 2, n. 8, 2006, p. 140 LEXSTF v. 28, n. 325, 2006, p. 79-88 RMP n. 32, 2009, p. 271-277) (grifei)

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 170, V E PARÁGRAFO ÚNICO; E 224, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI COMPLEMENTAR N.º 734/93, DO ESTADO DE SÃO PAULO (LEI ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL). ALEGADA OFENSA A DISPOSITIVOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Interpretação conforme à Constituição dada ao art. 170, V, da Lei Complementar nº 734/93, para esclarecer que a filiação partidária de representante do Ministério Público paulista somente pode ocorrer na hipótese de afastamento das funções institucionais, mediante licença e nos termos da lei, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Interpretação da mesma natureza dada ao art. 170, parágrafo único, da lei em apreço, para determinar que a expressão "o exercício de cargo ou função de confiança na Administração Superior" seja entendida como referindo a Administração do próprio Ministério Público. (ADI 2084, Relator(a):  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, julgado em 02/08/2001, DJ 14-09-2001 PP-00049 EMENT VOL-02043-01 PP-00169 RTJ VOL-00179-03 PP-01009) (grifei)

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA CAUTELAR. LEI COMPLEMENTAR DO ESTADO DE MINAS GERAIS. ORGANIZAÇÃO DO PARQUET ESTADUAL – REQUISIÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS PELO PROCURADOR-GERAL. MATÉRIA DA COMPETÊNCIA DO GOVERNADOR. PRERROGATIVAS DE FORO. EXTENSÃO AOS MEMBROS INATIVOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. INADMISSIBILIDADE. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA, DISPUTA E EXERCÍCIO DE CARGO ELETIVO. NECESSIDADE DE LICENÇA PRÉVIA. AFASTAMENTO PARA O DESEMPENHO DE FUNÇÕES NO EXECUTIVO FEDERAL E ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE.
(…)
5. O afastamento de membro do Parquet para exercer outra função pública viabiliza-se apenas nas hipóteses de ocupação de cargos na administração superior do próprio Ministério Público. Inadmissibilidade da licença para o exercício dos cargos de Ministro, Secretário de Estado ou seu substituto imediato. Medida cautelar deferida em parte. (ADI 2534 MC, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 15/08/2002, DJ 13-06-2003 PP-00008 EMENT VOL-02114-02 PP-00309) (grifei)

Portanto, diante da jurisprudência pacífica do STF, a nomeação do senhor Eugênio José Guilherme de Aragão representa uma agressão do Poder Executivo ao Judiciário; um acinte à sua orientação jurisprudencial e uma agressão ao disposto no artigo 128, parágrafo 5º, II, “d” da Constituição.

Quanto à terceira questão do desvio de finalidade de tal nomeação com o claro objetivo de dificultar as investigações da operação “lava jato”

Noticiam os meios de comunicação que “Ministro da Justiça diz que vai apurar grampos, 'doa a quem doer'” (Notícias UOL 17/3/2016) e que o “Novo ministro Eugênio Aragão brigou contra e foi vítima dos vazamentos” (16/3/2016 — Marcelo Auler), destacando-se:

“O anúncio do nome do novo ministro da Justiça, o subprocurador da República Eugênio Aragão, de 56 anos, trouxe preocupação há muitos e logo começaram a surgir “velhas denúncias” contra o mesmo em uma tentativa de mostrar que seu objetivo é controlar o Departamento de Polícia Federal (DPF) para paralisar as investigações da Operação Lava Jato”.

Ora, diante dessas e de tantas outras notícias da imprensa, surge claramente que a nomeação do referido senhor tem por objetivo amordaçar, algemar a Polícia Federal em suas investigações da operação “lava jato”, além, de todas as afrontas à Constituição e ao Judiciário, fazendo deboche de suas decisões em grave agressão ao princípio da harmonia e independência dos poderes da República insertos no artigo 2º da Constituição.

Não resta dúvida de que o objetivo da nomeação foi, de forma oblíqua, obstaculizar as investigações da Polícia Federal na operação “lava jato”. Nesse caso, configura-se o chamado desvio de finalidade o que macula de nulidade tal nomeação.

Alcebíades da Silva Minhoto Junior[1], sobre o desvio de poder, ou de finalidade, assevera:

No desvio de poder (détournement de pouvoir sviamento de potere, abuse of discretion) a Administração age com a lei, porém desvirtuando a sua finalidade. Opera com o material legislativo, mas de modo a aplicá-lo fora das lindes balizadas pelo interesse público. Em uma palavra: ocorre a substituição da vontade da norma (legal ou administrativa) pela vontade ou conveniência do próprio administrador, numa aberração como diz o Prof CRETELLA JUNIOR, “Do desvio de poder”, 1964. (grifei)

Havendo desvio de poder ou de finalidade, o ato é nulo, e também por essa razão, por desvirtuar a vontade da lei, mesmo supondo-se possível tal nomeação, e não é, também por isso, a nomeação do senhor Eugênio José Guilherme de Aragão para o cargo de ministro de Estado da Justiça é nula por ofensa aos princípios da legalidade e da moralidade que informa a conduta da administração pública (artigo 37, caput da CF).

Assim, o senhor Eugênio José Guilherme de Aragão também não pode ser nomeado ministro da Justiça, pelos motivos anteriormente levantados.


[1] Limites Típicos na Ação Administrativa em Matéria Tributária. Coedição IBDT – Editora Resenha Tributária/SP/1977. Págs. 66/67

Autores

  • é advogado em Londrina. Sócio da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF); da International Fiscal Association (IFA); Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná; Membro Honorário do Instituto de Direito Tributário de Londrina (IDTL); Ex-Conselheiro do Carf-MF.

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