Verba volant

Delatores não precisam contar tudo que sabem, e podem combinar versões

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23 de março de 2016, 19h50

Em um dos polêmicos grampos da operação "lava jato", o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ) que as delações premiadas dos executivos da Andrade Gutierrez serão “uma farsa, uma mentira” se não citarem o PSDB. A reclamação de Lula, no entanto, não tem fundamento legal. Quem escolhe cooperar com as investigações não precisa contar tudo o que sabe sobre crimes. O colaborador só é obrigado a não mentir nem omitir informações relacionadas aos fatos que havia prometido revelar.

Os acordos firmados na “lava jato” estabelecem que o delator deve, sem “malícia ou reservas mentais”, falar a verdade em todas as investigações e ações penais em que seja interrogado, sob pena de rompimento do termo e perda dos benefícios, em observância ao artigo 4º, parágrafo 14, da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/13). Contudo, essa obrigação é restrita aos casos nos quais ele comprometeu-se a ajudar o Ministério Público Federal ou a Procuradoria-Geral da República.   

Para o criminalista Rodrigo Dall’Acqua, a delação premiada “não é um confessionário, onde todos os pecados devem ser confessados”. Segundo ele, compromissos desse tipo são como contratos que têm um objeto definido. Dessa forma, eles não vinculam quem os assina a obrigações que extrapolem esse escopo.

E mesmo o fato de o MP ou a polícia descobrirem que o colaborador sabia de mais crimes do que aqueles sobre os quais foi indagado não invalida o documento, afirma o advogado Diogo Malan. Nesse caso, ele diz que os investigadores podem convocar novamente o delator para depor sobre os novos fatos.  

Como a delação premiada é um “mercado”, conforme aponta o juiz e professor de Processo Penal da Universidade Federal de Santa Catarina Alexandre Morais da Rosa, a omissão de informações faz parte das negociações.

“A forma utilizada no Brasil, por anexos de informação, faz com que o delator apresente o produto que deseja vender, sem que tenha que se desfazer de toda informação. A omissão de informações faz parte do jogo da barganha. A pergunta contrária também vale: o Ministério Público que omite informações na negociação anula a colaboração? Os limites do fair play atualmente estão muito complexos, especialmente quanto se transforma a colaboração em vedete do processo penal. Acrescento, ainda, que no negócio nada impede que se venda, também, o silêncio. O mercado não encontra limites e, quando trazido para o processo penal, pode se transformar em ‘mar de lama’”, avalia Morais da Rosa, que também é colunista da ConJur.

Outro lado
Mas há especialistas em Direito Penal que entendem que aquele que se obriga a cooperar com a Justiça deve contar tudo o que sabe às autoridades. De acordo com o advogado Fernando Fernandes, “o delator não pode esconder nada, pois renuncia ao direito ao silêncio”.

Também nessa linha, a criminalista e professora da Fundação Getulio Vargas Heloisa Estellita argumenta que quem omite informações descumpre o acordo de colaboração premiada. Nessa situação, o termo pode ser extinto, e o delator perderá os benefícios, mas seus depoimentos e as provas derivadas deles permanecerão válidas.

Na visão de Heloisa, entretanto, essa regra é abusiva e deveria ser regulada por lei. Na falta disso, ela destaca que pode ser aplicada em caso de rescisão a regra da retratação, prevista no artigo 4º, parágrafo 10, da Lei de Organizações Criminosas. Esse dispositivo determina que, em caso de arrependimento, “as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor”. Mesmo assim, a professora avalia ser questionável o uso de provas obtidas em um compromisso que não prosperou.

Delações combinadas
O grupo Odebrecht anunciou nessa terça-feira (22/3) que seus executivos serão estimulados a fechar acordos de colaboração premiada na “lava jato”. Embora seja provável que o presidente do conglomerado, Marcelo Odebrecht, ajuste com os outros diretores o que eles irão revelar e o que irão esconder, o fato de as delações serem combinadas não tira a validade delas.

Aos olhos do professor de Processo Penal da USP Gustavo Badaró, esse acordo prévio não influencia na eficácia da cooperação, uma vez que não é interessante para quem se compromete a ajudar a Justiça mentir. “Isso porque, na delação, ele revelará fatos incriminadores dos delatados, que terão que ser provados futuramente, para que a delação seja considerada exitosa e eles se beneficiem das vantagens previstas no acordo e homologadas”, explica.

E mesmo que haja indícios fortes de que colaboradores combinaram com antecedência o que contar às autoridades, o juiz não pode usar esse motivo para não homologar o acordo, afirma Badaró, ressaltando que o julgador “não entra no mérito da veracidade ou não, o seu controle é apenas formal”.

Nesse exame, o juiz deve se limitar a verificar a presença dos requisitos de regularidade, legalidade e voluntariedade, exigidos pelo artigo 4º, parágrafo 7º, da Lei das Organizações Criminosas, indica Diogo Malan. Por essa razão, o advogado avalia que um julgador só poderia se recusar a homologar um acordo de delação premiada se houvesse prova de um dos colaboradores coagiu o outro a revelar ou omitir determinados fatos, já que isso tiraria o caráter voluntário de uma das cooperações.

Alexandre Morais da Rosa volta à metáfora do mercado para opinar que não há problema nesse ajuste prévio. “No mercado da delação, caso o comprador (Ministério Público) tenha ficado satisfeito com o produto (informação), o fato de terem negociado paralelamente entre os delatores, não é causa de nulidade. O produto (informação) foi entregue e aceito pelo comprador (Ministério Público)”, exemplifica.

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