Tribunal do júri

Especialista usa Star Wars para mostrar riscos de dizer que testemunha mente

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22 de março de 2016, 10h47

Filmes e séries de TV, em que um julgamento é o desenlace do enredo, trazem uma cena comum, muitas vezes vibrante: a que o advogado (ou promotor) prova que a testemunha está mentindo e pede sua desqualificação.

Pegar uma testemunha na mentira e a desqualificar é um dos sonhos preciosos de advogados e promotores, diz o advogado e professor de Direito Elliott Wilcox.  Mas nem sempre isso funciona na vida real. Isso não é uma tarefa fácil e uma mentira pode não ser absoluta. Ou pode ser relativa.

Wilcox recorre ao cinema para mostrar que uma mentira poder ser relativa. Mais exatamente, ele explora a trilogia Star Wars, da qual se declara fã incondicional. Ele explica para “as quatro pessoas no mundo” que não assistiram essa trilogia, como esses filmes indicam, um após outro, a volatilidade da mentira (ou da verdade).

No primeiro filme, Uma Nova Esperança, Luke Skywalker pergunta ao cavaleiro Jedi, Obi Wan Kenobi, sobre seu pai:

Luke Skywalker: Como meu pai morreu?

Obi Wan Kenobi: Um jovem Jedi, chamado Darth Vader, que foi meu discípulo, foi seduzido pelo Lado Negro da Força. Ele traiu e matou seu pai.

A verdade dita de forma clara e simples, correto? Porém, no segundo filme, O Império Contra-Ataca, Luke Skywalker confronta Darth Vader. Durante a batalha com seus sabres de luz, a suposta morte do pai vem à tona:

Darth Vader: Obi Wan nunca lhe contou o que aconteceu com seu pai?

Luke Skywalker: Ele me contou o suficiente. Contou que você o matou.

Darth Vader: Não… eu sou o seu pai.

O que aconteceu com a suposta verdade do primeiro filme? Obi Wan mentiu? No terceiro filme, O Retorno do Jedi, Luke retorna para finalizar seu treinamento de Jedi e pergunta a Yoda se Vader é seu pai. Yoda confirma. E ele confronta Obi Wan.

Luke Skywalker: Por que você não me disse? Você me disse que Vader traiu e matou meu pai.

Obi Wan Kenobi: Seu pai foi seduzido pelo Lado Negro da Força. Ele deixou de ser Anakin Skywalker e se tornou Darth Vader. Quando isso aconteceu, ele destruiu o bom homem que era seu pai. Assim, o que lhe disse é verdade. De um certo ponto de vista.

Luke Skywalker: De um certo ponto de vista?

Obi Wan Kenobi: Luke, você vai aprender que muitas das verdades às quais nos apegamos dependem muito de nosso próprio ponto de vista.

Ou seja, para o Cavaleiro Jedi, a verdade e a mentira são relativas. Em um julgamento, principalmente nas inquirições diretas e cruzadas, advogados e promotores trabalham duro para provar que uma mentira (ou uma verdade) é uma questão de ponto de vista.

Ainda que uma verdade seja estabelecida por decisão judicial no primeiro filme, ela pode ser desmentida no segundo e explicada no terceiro. Deixe que os jurados desqualifiquem a testemunha.

“A lição de Obi Wan, adaptada ao tribunal do júri, é a de que você não precisa provar para os jurados que a testemunha mentiu. Tudo que tem a fazer é mostrar ao júri que as declarações da testemunha estão erradas”, diz Wilcox — ou que não correspondem à verdade.

Mesmo que a testemunha diga alguma coisa que se pode provar que é falsa, isso não significa, necessariamente, que ela está mentindo. Pode ser um erro, fruto de má observação ou informação — ou consequência de um ponto de vista supostamente errôneo.

Ainda que a mentira pareça transparente, comprovada pelos fatos, vale a pena declarar aos jurados que a testemunha é mentirosa? E pedir solenemente sua desqualificação? “Talvez sim, talvez não. Mais provavelmente, não”, diz Wilcox.

A verdade (ou mentira) é que o advogado (ou promotor) não precisa forçar os jurados a aceitar a declaração de que a testemunha é mentirosa. Provavelmente, é melhor que os jurados desqualifiquem a testemunha (ou seu testemunho) em suas mentes. Não importa por que irão fazer isso, desde que o façam.

“Se você conseguir mostrar aos jurados que o que a testemunha pensa ser ‘verdade’ se baseia em seu ponto de vista e que esse ponto de vista difere do que realmente aconteceu, eles irão descartar o testemunho, sem que você tenha de se colocar na posição incômoda de declarar que a testemunha é mentirosa” — e correr o risco de ser desmentido.

O fato é que os jurados não gostam de pensar que a pessoa no banco das testemunhas está mentindo para eles, garante Wilcox. A maioria dos jurados têm muita dificuldade de acreditar que uma testemunha possa jurar dizer a verdade, para depois, olhá-las nos olhos e dizer uma mentira.

É claro que advogados e promotores não se impressionam com isso. Sabem que testemunhas mentem e já estão acostumados com isso. Mas os jurados não pensam assim. Pode ser que as pessoas não mintam tanto para elas, como mentem para advogados e promotores. Pode ser que elas não tenham treinamento para detectar mentiras. Dizem que jurados acreditam que criminosos, com dez condenações, podem dizer a verdade no banco das testemunhas.

“Se você declarar que a testemunha é mentirosa, terá de provar que ela mentiu. E isso pode ser uma batalha morro acima, em que suas provas têm de ser muito convincentes”, diz Wilcox. Melhor é confrontar o testemunho errôneo com fatos e informações nos autos, desacreditar a testemunha de forma tão subliminar quanto possível, apenas. E deixar que o jurado pense nela como uma mentirosa, na hora de dar seu veredicto.

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