Opinião

Uso de sistema gratuito deve ser incentivado em todos os órgãos públicos

Autor

  • Reinaldo Couto

    é procurador-chefe da União na Bahia advogado da União e professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado da Bahia.

19 de março de 2016, 12h51

Inicio o presente texto contando uma passagem vivida pessoalmente para melhor ilustrar as minhas conclusões.

A Universidade do estado da Bahia exige, no inciso II do art. 4º da Resolução 906, de 2012, Relatório Individual de Trabalho (RIT) dos seus docentes, ao término de cada semestre acadêmico. Como sou lotado em campus um pouco distante do local onde resido, escolhi, com o devido cuidado para não atrapalhar as minhas demais atividades, um dia da semana para entregar o citado documento e iniciar o procedimento administrativo de aprovação do relatório.

Para a minha surpresa, apesar do sistema eletrônico da Universidade estar funcionando, o campus estava inoperante em decorrência de justa paralisação dos analistas e técnicos. Em resumo, por inexistir a possibilidade de protocolo virtual de documentos, gastei muitos reais e não tive êxito no meu propósito.

De fato, quem está lendo este texto não se importa – nem deveria se importar – com os meus gastos pessoais decorrentes da viagem infrutífera. Contudo, há algumas variáveis nos fatos descritos que a todos interessam e que devem ser debatidas.

Tomemos como exemplo a Universidade do estado da Bahia, instituição pública presente em 24 Municípios do citado estado, contando com a unidade de Barreiras que fica a 870 km da sede da Universidade. Para não sermos bairristas, poderíamos citar também a mais conceituada universidade do Brasil, a Universidade de São Paulo, na qual o campus de Ribeirão Preto fica a 319 km da sede.

O gasto do agente público para cumprir os seus deveres funcionais somente será custeado pela Administração Pública quando houver previsão normativa. Isso é ponto pacífico e não deve ser a nossa preocupação no momento. Todavia, indagamos se o estado pode dispensar ou desprezar os instrumentos que lhe são ofertados para reduzir os seus próprios gastos e para bem aplicar os princípios da eficiência e da duração razoável do processo administrativos.

A resposta dispensa grandes divagações: é claro que não.

Devemos ressaltar que a análise feita aqui toca mais a gestão da Administração Pública do que as normas administrativas, porém deve ser lembrado que a má gestão pode ter tanto consequências fáticas quanto consequências normativas. Todos os dias tramitam milhares de autos administrativos físicos na Universidade do estado da Bahia, na Universidade de São Paulo e nas centenas de órgãos dos 4 (quatro) entes federativos.

A implantação imediata do processo e do procedimento administrativos eletrônicos geraria grande economia, o que dispensa questionamentos por já haver expressivos resultados em relação ao processo judicial eletrônico. Os custos de implantação do processo judicial eletrônico foram enormes, mas, ainda assim, a redução nas despesas com tramitação, nas despesas relacionadas a pessoal e materiais foi rapidamente notada, sendo que a opção pela virtualização demonstrou-se a mais acertada.

O argumento do alto custo poderia ser usado como obstáculo de implantação do processo e do procedimento administrativos eletrônicos. Todavia, o que me deixa intrigado é a não implantação quando o melhor instrumento disponível no mercado é gratuito.

Isso mesmo, gratuito. Explico.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em iniciativa memorável, criou o SEI, Sistema Eletrônico de Informação, que é considerado pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão o melhor e mais seguro software de tramitação eletrônica de processos e procedimentos administrativos do Brasil.

O SEI já foi testado e certificado de maneira exaustiva, já ganhou diversos prêmios e está sendo usado em diversos órgãos de alta hierarquia dos Poderes Públicos. O mais interessante é que o software vem sendo ofertado gratuitamente à Administração Pública direta, às autarquias e às fundações públicas.

Os membros e servidores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região entenderam que o verdadeiro papel do agente público não é somente prestar a melhor jurisdição, é também melhorar as relações sociais, permitindo que o cidadão tenha acesso a um serviço público célere e que não lhe sejam impostos gastos desnecessários, entenderam também que as boas ideias para reduzir os custos do Poder Público devem ser compartilhadas sem ônus para o receptor.

Eis as palavras da diretora da Coordenadoria de Gestão do Conhecimento do TRF4 e gestora do SEI, Patrícia Valentina Ribeiro Santanna Garcia:

“Além de processo eletrônico, o sistema possui ferramentas para administração de ouvidoria e gestão estratégica. Tudo isso permite gerenciar o fluxo de trabalho e obter informações para o embasamento das decisões dos gestores. Além disso, o SEI é acessível por dispositivos móveis, sustentável e cedido gratuitamente com todo apoio e treinamento.”

Ora, existe o instrumento, ele é ofertado gratuitamente, mas grande parte da Administração Pública não o adota. A sua adoção, argumentam alguns com certa razão, faz parte do juízo discricionário do gestor público, pois podem existir questões endógenas mais importantes sem solução que demandem a sua atenção.

Não obstante a validade do argumento, o problema de implantação pode ser rapidamente resolvido.

Falamos sempre da inflação legislativa vivida pelo Brasil, temos muitas leis e algumas são desnecessárias e/ou ineficazes, mas o uso da discricionariedade para desconsiderar as inovações tecnológicas e os interesses públicos relevantes deve ser limitado pela edição de lei.

Não há dúvida de que o Congresso Nacional, as Assembleias e Câmaras podem editar leis estabelecendo as formas e, especialmente, os prazos de implantação do processo e do procedimento administrativos eletrônicos, buscando-se, sempre que possível, a gratuidade dos programas, a fim de que haja economia de recursos públicos e rapidez na prestação de serviços aos cidadãos.

Por fim, é imperativo observar que, por tratar-se de lei relativa à efetivação de direitos fundamentais, a iniciativa de projeto de lei com o citado objetivo não é privativa do chefe do Poder Executivo, podendo caber, consequentemente, a qualquer membro do Poder Legislativo ou à iniciativa popular e que, dessa forma, as Casas Legislativas cumpririam com o seu principal papel, qual seja, efetivar os direitos fundamentais elencados na Carta Maior.

Autores

  • Brave

    é professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado da Bahia, advogado da União, ex-secretário do Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal.

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