Rumos perigosos

Advogados, juízes e defensores protestam no RJ contra violações na "lava jato"

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18 de março de 2016, 18h30

Após a divulgação de escutas telefônicas envolvendo advogados que atuam na “lava jato” e de manifestações país a fora em apoio às decisões do juiz Sergio Moro, responsável pela operação, advogados decidiram se mobilizar em um ato a favor do devido processo legal e do Estado Democrático de Direito. O protesto aconteceu nesta sexta-feira (18/3) no Rio de Janeiro e chamou a atenção por ter contado com a participação de juízes que também não concordam com o rumo das investigações.

André Tredinnick, coordenador no Rio de Janeiro da Associação Juízes para a Democracia, recebeu aplausos efusivos da plateia que lotou o auditório da Ordem dos Advogados do Brasil, onde aconteceu a manifestação, ao criticar o viés autoritário que, na avaliação dele, tomou conta da “lava jato”.

“Não acredito que um juiz possa mudar a história do país, que um juiz possa acabar com a corrupção. Isso não existe. Já vimos esses discursos na história várias vezes, pessoas que foram eleitas dizendo que iriam acabar com a corrupção e deu no que deu. Esse é um papel até que um político pode tentar desempenhar, jamais um juiz de Direito”, afirmou.

André Castro, defensor público-geral do Rio de Janeiro, também fez críticas à operação. Ele classificou como “dramática” a instalação de “um juízo universal para o combate à corrupção no governo federal que mais se aproxima a um juízo de exceção do que às regras do devido processo legal”.

Castro lembrou que a “precarização do Estado Democrático de Direito repercute de maneira mais violenta sobre a população mais vulnerável”, por isso é dever da Defensoria Pública, que tem o compromisso com a defesa dos mais pobres, “estar presente as mobilizações do Estado Democrático de Direito e do devido processo legal”.

“Cenas bizarras estão sendo testemunhadas por todos nós nesse momento, a começar, para nosso espanto, pela precarização da presunção de inocência, conforme recente decisão do Supremo Tribunal Federal. Decisão essa que vem em um contexto dramático de precarização de todo o devido processo legal. E agora temos escutas telefônicas não apenas contra investigados, mas também seus familiares e, ainda pior, contra advogados que defendem esses acusados. Essa é uma relação onde a paridade de armas acabou por completo e onde a acusação sabe exatamente o que o investigado conversa com o seu advogado e o que os defensores conversam entre si”, criticou.

O presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros, Técio Lins e Silva, lamentou a ofensa ao princípio do juiz natural que ele considera haver na operação. “Pouca gente sabe que este juiz [Moro] é um monocausa. Há uma portaria no Tribunal Regional Federal da 4ª Região que estabelece que ele está fora da distribuição, porque ele está incumbido exclusivamente deste processo [‘lava jato’]. Este juiz tem apenas esse processo e com o beneplácito de toda a Justiça”, afirmou.

Lenio Streck, procurador aposentado do Ministério Público do Rio Grande do Sul, destacou que os métodos adotados na operação são próprios do estado de exceção. “O estrago político feito pelo Judiciário, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público não atinge apenas os advogados e a OAB, que, silente, corre o risco de repetir o fiasco de 1964. Não é possível que não aprendamos com a história. Fora da Constituição não podemos progredir. Hoje a atitude mais revolucionária é ser conservador”, ressaltou.  

Marcello Augusto Lima de Oliveira, presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro, disse que o momento é de preocupação. “Esse é um movimento de pessoas que, no passado, defenderam a liberdade de expressão e hoje continuam fazendo essa defesa por estarem conscientes do momento que estamos vivendo e por sempre terem rechaçado o arbítrio do Estado”, destacou.

Defesa das prerrogativas
Vice-presidente da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Ronaldo Cramer criticou a intercepção telefônica de advogados do escritório Teixeira, Martins e Advogados, do qual faz parte o advogado Roberto Teixeira, que defende o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O fato foi noticiado com exclusividade pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Cramer disse que a OAB-RJ tem recebido notícias de que outros advogados também teriam sido grampeados na “lava jato”. Ele afirmou que entidade vai apurar as denúncias e, se for o caso, defender as prerrogativas dos profissionais nos fóruns competentes.

“Não sabemos se foi apenas esse escritório, pois o ex-presidente não é o único investigado nessa operação. Já soubemos de outros casos, mas ainda não estão confirmados. Vamos apurar e se for constatada a violação de prorrogativas vamos levar isso ao Conselho Nacional de Justiça e aos foros competentes. Insisto: as prerrogativas não são da advocacia, mas do cidadão. Para ter o seu direito defendido, o cidadão precisa de um advogado livre para exercer a sua profissão”, disse à reportagem.

Também em entrevista à ConJur, o coordenador da Associação Juízes para a Democracia lamentou os rumos da maior operação de combate à corrupção no país. “Vimos isso em 1964: a classe média vai às ruas, contra supostas medidas populares de um regime, há a ruptura total das instituições e se instala o estado de exceção. Vimos isso e não aprendemos nada. Pois agora, ao invés de utilizarmos os militares, estamos utilizando o aparato estatal já posto. Quando se persegue um fim, não há processo democrático nem devido processo legal. E que se persegue aqui é a deposição de um governo. Não defendemos governo nenhum, mas o Estado Democrático de Direito. E alternância do poder se dá mediante as urnas”, defendeu André Tredinnick

Clique aqui para ler o manifesto aprovado pelos advogados. 

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