Opinião

Nomeação de Lula para ministério viola convenção da ONU sobre corrupção

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16 de março de 2016, 10h51

Os recentes desenvolvimentos da operação "lava jato" colocaram Lula e o Partido dos Trabalhadores (PT) em estado de alerta. Os novos fatos e as denúncias apontadas nas delações premiadas das construtoras envolvidas nos esquemas de corrupção representam possibilidade concreta de que Lula possa vir a ser, num futuro próximo, denunciado na operação e que tenha o mesmo destino dos demais envolvidos, como José Dirceu e João Vaccari Neto (tesoureiro do PT).

Neste contexto, o PT aparenta buscar alternativas para que o ex-presidente consiga se esquivar das investigações ou, pelo menos, tirar um eventual processo das mãos do juiz Sergio Moro, o qual acusam de promover uma perseguição ao partido e ao seu líder.

A mais recente dessas estratégias é a articulação para que Lula assuma um ministério no já enfraquecido governo Dilma Rousseff. Com isso, Lula seria beneficiado pelo chamado foro privilegiado e não mais poderia ser julgado por Moro, apenas pelo Supremo Tribunal Federal. Notícias recentes indicam que a presidente Dilma Rousseff colocou o governo à disposição de Lula, oferecendo a ele "a pasta que ele preferir".

O Planalto envia sinal claro para a sociedade: utilizarão todo o aparato do Estado para blindar Lula. Entretanto, a nomeação de Lula pode representar uma violação da “Convenção das Nações Unidas contra a corrupção”, da qual o Brasil é signatário.

A Convenção da ONU contra a corrupção é um símbolo, perante a comunidade internacional, da intenção de um Estado em combater as práticas de corrupção. Tem como finalidade promover e fortalecer medidas eficazes de prevenção e de combate à corrupção, estabelecendo regras gerais e princípios que os Estados membros devem observar.

Segunda a própria Controladoria-Geral da União (CGU), a Convenção da ONU “é o mais abrangente tratado internacional sobre prevenção e combate à corrupção. Ela é o maior instrumento internacional juridicamente vinculante, ou seja, que obriga os Estados Partes que a ratificaram a cumprir os seus dispositivos, sob pena de serem pressionados pela comunidade internacional. Pelo seu caráter global, a Convenção demonstra a preocupação de todos com o problema da corrupção.”

Dilma está em vias de declarar publicamente que o governo brasileiro não defende os princípios de combate à corrupção, exatamente o contrário do que pretende a Convenção, ironicamente promulgada pelo então presidente Lula no Decreto 5.687 de 31 de janeiro de 2006.  

Lula é acusado de obter vantagens financeiras ilícitas e indevidas, estando em curso uma investigação pelo Ministério Público Federal, além de denúncia-crime pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP). O impacto das apurações da "lava jato" para o ex-presidente preocupa à cúpula do PT e a Dilma Rousseff, uma vez que representa probabilidade considerável de o ex-presidente ter sua prisão preventiva decretada.

A possível nomeação de Lula para um ministério ganhou força na semana de 7 de março, quando o ex-presidente foi conduzido coercitivamente a prestar depoimento, conforme determinado pelo juiz Sergio Moro e foi intensificada com a denúncia feita pelo MP-SP, que solicitou sua prisão preventiva.

Conforme divulgado na mídia, membros do governo e do PT discutem publicamente a estratégia, incluindo o [residente do PT, Rui Falcão, e o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini. O Estado de S. Paulo noticiou em 11 de março que o ex-presidente estaria analisando com cautela a oferta da presidente Dilma para que ocupasse a pasta de algum Ministério.

A estratégia por trás da nomeação de Lula a um ministério aparenta ser motivada pela concessão ao ex-presidente dos benefícios de foro privilegiado, prerrogativas do cargo de ministro, conforme estabelecido na Constituição Federal. Se for nomeado ministro de Estado, as atuais acusações a Lula, averiguadas pelo juiz Sergio Moro, seriam julgadas diretamente pelo STF.

Nesse contexto, a Convenção da ONU diz que a aplicação de prerrogativas jurisdicionais de funcionários, como o foro privilegiado de ministros de Estado, deve ser sopesada com a possibilidade de se proceder à investigação efetiva e a sentença apropriada. Em seu Artigo 30, inciso 2º a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção estabelece que “cada Estado Parte adotará as medidas que sejam necessárias para estabelecer ou manter, em conformidade com seu ordenamento jurídico e seus princípios constitucionais, um equilíbrio apropriado entre quaisquer imunidades ou prerrogativas jurisdicionais outorgadas a seus funcionários públicos para o cumprimento de suas funções e a possibilidade, se necessário, de proceder efetivamente à investigação, ao indiciamento e à sentença dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção”.

A princípio, nada na Convenção impede que determinados cargos de governo tenham acesso a prerrogativas jurisdicionais, como aquelas concedidas à ministros de Estado. No entanto, o uso dessas prerrogativas deve ter como papel proteger o cargo e as funções de Estado, mas nunca o indivíduo que eventualmente as exerça.

A nomeação de um ministro de Estado com a principal finalidade de conceder acesso a foro privilegiado é justamente o tipo de conduta que a Convenção da ONU tenta coibir.

Considerando que o artigo 30, inciso 2º da Convenção determina que o Estado Parte deve adotar medidas para assegurar um equilíbrio entre prerrogativas jurisdicionais outorgadas a funcionários públicos e a possibilidade de se proceder ao indiciamento, investigação e sentença dos delitos, a eventual nomeação de Lula violaria frontalmente a Convenção. Ao passo que, ao conceder privilégios em decorrência da mudança de foro, a nomeação funcionaria como um freio à investigação atualmente conduzida em Curitiba e São Paulo, ao mesmo tempo violaria o princípio do juiz natural da causa, ao possibilitar ao acusado eleger sua jurisdição.

Não obstante, ressalta-se que todo ato administrativo, aí incluída a nomeação de um ministro de Estado, deve ser pautada pelos princípios que regem esta área do Direito, principalmente a moralidade e eficiência (artigo 37 da Constituição Federal).

Neste sentido, ainda que o cargo de ministro de Estado seja um cargo de confiança, a nomeação afrontaria o princípio da eficiência, uma vez que a presidente ofereceu a Lula a escolha de qualquer ministério, não necessariamente levando em conta a adequação das qualidades do candidato ao cargo, além de tratar-se de conduta moralmente reprovável.

Ao utilizar-se da nomeação para cargo de ministro de Estado para deliberadamente eleger foro específico, o ex-presidente Lula e Dilma afrontam não apenas os princípios constitucionais da moralidade e eficiência, alterando o juiz natural da causa, como declaram de peito aberto perante a comunidade internacional não ser intenção do governo brasileiro respeitar os preceitos internacionais de combate à corrupção, dos quais somos signatários. A cada medida do governo com o objetivo de utilizar a máquina pública para favorecer um indivíduo e interferir no combate à corrupção, o Brasil dá um passo em direção ao autoritarismo estatal do qual os brasileiros gostariam de se ver livres.


https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5687.htm

http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/03/11/ideia-de-ocupar-ministerio-comeca-a-agradar-lula.htm

http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/03/1748740-lula-diz-que-dilma-ofereceu-ministerio-a-ele.shtml

http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ideia-de-ocupar-ministerio-comeca-a-agradar-a-lula,10000020655

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