Acusações no atacado

Delcídio diz que Marcos Valério tratava do mensalão diretamente com Lula

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15 de março de 2016, 19h29

O publicitário Marcos Valério, apontado como o operador financeiro do esquema do mensalão, tinha acesso direto ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e até o visitava na Granja do Torto em fins de semana durante o governo do petista. Quem afirma isso é o senador Delcídio do Amaral (PT-MS), em seu acordo de delação premiada firmado com a Procuradoria-Geral da República e homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki nessa segunda-feira (14/3).

Waldemir Barreto/Agência Senado
Delcídio, em grande parte de sua delação, reproduz informações publicadas pela imprensa.
Waldemir Barreto/Agência Senado

Em 2005, Lula negou conhecer o esquema que foi julgado na Ação Penal 470 e se disse “traído” por seus colegas de partido. Valério também garantiu que não lidava diretamente com o então presidente, e disse que, em sua opinião, ele não sabia do crime.

Na reta final do julgamento da AP 470 pelo Supremo Tribunal Federal, no entanto, o publicitário relatou à Procuradoria-Geral da República que Lula se beneficiou do mensalão para o pagamento de despesas pessoais e autorizou os empréstimos para a compra dos votos de parlamentares. As informações foram oferecidas em troca de benefícios penais. Mas o caso não foi para a frente, e Valério foi condenado a 37 anos de reclusão.

De acordo com Delcídio, a tentativa de delação premiada do publicitário tinha fundamento. Em 2005 e 2006, o senador foi presidente da CPI dos Correios, que investigou o esquema do mensalão. Nesse período, diz ele, Valério pediu uma conversada reservada com o senador petista. Eles se encontraram tarde da noite no apartamento de uma secretária do Senado.

Lá, Delcídio conta que ouviu do operador que sua mulher tinha tentado se matar, que seus filhos estavam fora da escola, e que queria apenas que o PT lhe pagasse o que devia, valor que chegaria a R$ 220 milhões. Se isso não fosse feito, a situação, que já era ruim, iria ficar “pior ainda”, ameaçou.

Após o presidente da CPI questionar se Valério já havia falado sobre esse assunto com alguém, o publicitário assentiu, e contou que o PT havia enviado Paulo Okamotto, atual presidente do Instituto Lula, a Belo Horizonte para tratar disso.

Segundo o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, a acusação de que Valério tratava diretamente com Lula é um absurdo. "Tanto é que o próprio Ministério Público Federal no Distrito Federal opinou pelo arquivamento do inquérito aberto em 2013 para investigar as declarações de Valério [de que Lula teria se beneficiado do mensalão e comandaria o esquema]", lembra. Martins aponta ainda que a delação não serve como prova, mas "apenas uma declaração unilateral de uma pessoa que está em situação de submissão". A defesa de Lula diz que não é possível dar credibilidade a tais informações.

A análise que tem sido feita nos bastidores é que, provavelmente no afã de comprar sua liberdade, Delcídio, em grande parte de sua delação, reproduziu supostos fatos publicados pela imprensa — ainda que parte deles possa ter sido difundida, em off, pelo próprio senador. O depoimento traz poucos fatos específicos. Em sua maioria, insinua ou faz suposições a respeito do papel de protagonistas da operação "lava jato" e do mensalão.

Quem acompanha o caso aponta como exemplo da fragilidade das afirmações de Delcídio o episódio em torno de uma anotação encontrada na casa do chefe de gabinete do senador. O caso teve enorme repercussão na imprensa. O texto, rascunho de uma nota para a imprensa, dizia que "em troca de uma emenda à Medida Provisória número 608, o BTG Pactual, proprietário da massa falida do banco Bamerindus, o qual estava interessado em utilizar os créditos fiscais de tal massa, pagou ao deputado federal Eduardo Cunha a quantia de R$ 45 milhões". A anotação afirmava ainda que "esse valor também possuía como destinatário outros parlamentares do PMDB. Depois que tudo deu certo, Milton Lyra fez um jantar pra festejar. No encontro tínhamos as seguintes pessoas: Eduardo Cunha, Milton Lira, Ricardo Fonseca e André Esteves". O fato é que a emenda nunca existiu e o jantar foi uma fantasia. Nunca aconteceu. A anotação, que serviu para centenas de notícias, sequer foi citada na denúncia contra André Esteves.

O senador também contou que Marcos Valério tinha um conhecimento profundo do funcionamento do governo, e que, na época, já sabia de um esquema de Furnas para comprar a sonda Vitória 10000, para ser operada pelo Grupo Schahin. Na visão do delator, isso mostrava que ele tinha um “trânsito violento” e era “avalizado” pelo governo. A informação não é nova. O próprio publicitário informou do fato em 2007 e a notícia repetida milhares de vezes desde então.

Para ter tanto conhecimento, o publicitário teria contato com altos dirigentes do PT, transitava junto a ministros e, em algumas situações, ficava claro que tinha acesso ao próprio presidente Lula, concluiu Delcídio do Amaral.

Algo que fortaleceu essa convicção foi uma frase que José Dirceu — que deixou a Casa Civil e a Câmara dos Deputados durante o escândalo —, conforme o senador, repetia sistematicamente: “Quebra o sigilo lá que vão ver quem passa o domingo na Granja do Torto”. Aos olhos de Delcídio, isso demonstrava que Marcos Valério frequentava a residência oficial da presidência.

Depois dessa conversa, o parlamentar de Mato Grosso do Sul pediu para encontrar Lula reservadamente. Frente ao presidente, ele disse que se encontrara com Valério e Okamotto. Em seguida, destacou que “quando se assume um compromisso, este tem que ser cumprido ou negociado”, e deixou claro que “se as coisas não andarem, o quadro que está ruim vai ficar pior ainda”.

Lula ficou “mal” com essas afirmações, disse Delcídio. Nos dias seguintes, recebeu ligações dos então ministros da Fazenda e da Justiça, respectivamente, Antônio Palocci e Márcio Thomaz Bastos, nos quais eles passaram o recado para o presidente da CPI dos Correios ficar fora do caso.

O assunto então “sumiu do radar” do senador. Segundo ele, em 2008 houve relatos de que Marcos Valério estavam recebendo valores em contas no exterior. Contudo, ele diz que não tem certeza se os R$ 220 milhões foram pagos, pois ouviu que “apenas” R$ 110 milhões tinham sido repassados ao publicitário. Delcídio ainda disse acreditar que as empreiteiras envolvidas na operação “lava jato” fizeram tais transferências.

Busca de vingança
O advogado de Paulo Okamotto, Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados, disse que Delcídio do Amaral está tentando se vingar do PT e criticou o peso dado às delações premiadas.

"A delação de Delcídio está calcada em uma tentativa de vingar-se do PT pela posição de manterem a prisão do senador decretada pelo Supremo. Quando vulgariza-se a delação premiada como grande barganha para redenção, a consequência é a mentira", afirmou.

Via assessoria de imprensa, o BTG Pactual aponta que as medidas provisórias 668 e 681 não tratam do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) "nem beneficiam a atividade específica do BTG Pactual".

Mais acusações
Lula também foi acusado por Delcídio de ordenar a ele que tentasse convencer o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró de não implicar o fazendeiro José Carlos Bumlai em acordo de delação premiada.

Além disso, o senador disse que o ex-presidente agiu na operação zelotes para evitar a convocação do casal Mauro Marcondes e Cristina Mautoni para depor. A razão seria que o fundador do PT estaria com medo de que eles revelassem repasses irregulares à empresa de seu filho e confirmassem repasses para o governo aprovar a Medida Provisória 471/2009, que beneficiou o setor automobilístico.

Delcídio ainda garantiu que Lula sabia de tudo o que se passava em seu governo, e que participou das indicações para a Petrobras de Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, Renato Duque e Jorge Zelada, posteriormente condenados na operação "lava jato".

Já Dilma Rousseff, conforme o delator, tentou por três vezes interferir na “lava jato” com a ajuda do ex-ministro da Justiça e atual advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. Em uma delas, a presidente teria tido uma reunião com Cardozo e com o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, em Portugal, para pedir uma mudança nos rumos da “lava jato”. Contudo, o encontro teria sido um fracasso — e o ministro do Supremo teria se negado a participar do esquema.

Outra ação de Dilma seria a tentativa de indicar para o Superior Tribunal de Justiça o presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Nelson Schaefer, para votar pela libertação dos acusados Marcelo Odebrecht (presidente do grupo Odebrecht) e Otávio Azevedo (ex-presidente da Andrade Gutierrez).

A terceira iniciativa citada pela revista teria sido indicar Marcelo Navarro para o Superior Tribunal de Justiça com a intenção de que aceitasse os recursos de empreiteiros presos na operação. Navarro, no entanto, deixou a relatoria dos processos da “lava jato” na corte.

Mais uma acusação direta ao governo é a de que o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, ofereceu ajuda financeira para que Delcídio não procurasse a PGR para firmar acordo de colaboração premiada. A oferta foi gravada pelo assessor do senador Eduardo Marzagão, que se encontrou três vezes com o ministro. 

Em entrevista coletiva na tarde desta terça (15/3), Mercadante garantiu que não tentou influenciar no andamento das investigações e disse que agiu por solidariedade pessoal, e não em nome do governo. Mesmo assim, Dilma repudiou essa iniciativa e deixou claro que não tem sabia dos atos do ministro.

Convocação para depor
Devido às acusações do acordo de delação, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) irá apresentar nessa quarta-feira (16/3) requerimento para que Delcídio preste depoimento ao Conselho de Ética da casa.

“A presença de Delcídio Amaral no Conselho de Ética dará ao senador a oportunidade esclarecer ao Brasil, pessoalmente, ao vivo, o conteúdo das graves acusações que faz em sua delação a figuras importantes do Palácio do Planalto e a membros destacados do próprio Congresso Nacional”, explicou Randolfe.

Se o pedido for aprovado, o petista será obrigado a comparecer à sessão, conforme o Regimento Interno do Senado. Também na quarta, os parlamentares devem decidir se abrem o procedimento de perda de mandato de Delcídio.

Rol de autoridades
Nos depoimentos da colaboração premiada, Delcídio do Amaral acusou 37 políticos de irregularidades, como ações para obstruir a Justiça, indicações de diretores de empresas estatais visando benefícios e participação em esquemas de corrupção.

Veja abaixo a lista dos acusados:

Autoridades acusadas de irregularidades pelo senador Delcídio do Amaral
Nome e partido Cargo:
Aécio Neves (PSDB) Senador (MG)
Alfredo Nascimento (PR) Ex-ministro dos Transportes
Andre Puccinelli (PMDB) Ex-governador do Mato Grosso do Sul
Antonio Carlos Magalhaes (PFL) Ex-senador (BA) (morto em 2007)
Antônio Carlos Palocci (PT) Ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil
Clésio Andrade (PMDB) Ex-senador (MG)
Dilma Rousseff (PT) Presidente da República
Edinho Silva (PT) Ministro da Secretaria de Comunicação Social
Edison Lobão (PMDB) Senador (MA) e ex-ministro de Minas e Energia
Edson Giroto (PMDB) Ex-secretário de Obras Públicas e Transportes do Mato Grosso do Sul
Eduardo Campos (PSB) Ex-governador de Pernambuco e ex-ministro de Ciência e Tecnologia (morto em 2014)
Eduardo Cunha (PMDB) Presidente da Câmara dos Deputados (RJ)
Erenice Guerra (PT) Ex-ministra da Casa Civil
Eunício Oliveira (PMDB) Senador (CE)
Francisco Falcão Presidente do Superior Tribunal de Justiça
Fernando Francisehini (SD) Deputado federal (PR)
Gim Argello (PTB) Ex-senador (DF)
Gleisi Hoffmann (PT) Senadora (PR)
Humberto Costa (PT) Senador (PE)
Jader Barbalho (PMDB) Senador (PA)
José de Filippi Júnior (PT) Ssecretário de Saúde da cidade de São Paulo
José Dirceu (PT) Ex-ministro da Casa Civil
José Eduardo Cardozo (PT) Ex-ministro da Justiça e atual advogado-geral da União
José Janene (PP) Ex-deputado federal (morto em 2010)
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) Ex-presidente da República
Marcelo Navarro Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Márcio Thomaz Bastos Ex-ministro da Justiça (morto em 2014)
Marco Maia (PT) Deputado federal (RS)
Michel Temer (PMDB) Vice-presidente da República
Pedro Malan Ex-ministro da Fazenda
Renan Calheiros (PMDB) Presidente do Senado (AL)
Rodolpho Tourinho (DEM) Ex-ministro de Minas e Energia
Romero Jucá (PMDB) Senador (RR)
Silas Rondeau (PMDB) Ex-ministro de Minas e Energia
Valdir Raupp (PMDB) Senador (RO)
Vital do Rêgo (PMDB) Ministro do Tribunal de Contas da União e ex-senador (PB)
Zeca do PT (PT) Deputado federal (MS)

Clique aqui para ler a íntegra do acordo de delação premiada.

Petição 5.952

*Texto alterado às 20h27 do dia 15 de março de 2016 para acréscimos.

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