Estado da Economia

Economicidade, eficiência e o sistema tributário brasileiro

Autor

  • José Maria Arruda de Andrade

    é professor associado de Direito Econômico e Economia Política da Universidade de São Paulo (USP) livre-docente e doutor pela mesma instituição professor do programa master de pós-graduação em Finanças e Economia da Escola de Economia de São Paulo Fundação Getulio Vargas (FGV EESP) foi secretário-adjunto da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda e pesquisador visitante no Instituto Max-Planck de Inovação e Concorrência em Munique (Alemanha).

13 de março de 2016, 10h31

Spacca
Muitos são os enfoques possíveis quando se quer analisar as características de um dado sistema tributário, tais como o da grandeza da imposição tributária (carga tributária sobre o patrimônio, renda e produção), o da forma como cada disponibilidade econômica é tributada e até mesmo as garantias asseguradas aos contribuintes no procedimento de imposição de tributos.

Gostaríamos de chamar atenção no texto de hoje para aspectos como o da certeza, transparência, simplicidade e modicidade na relação tributária. Esses aspectos costumam ser unidos em torno da expressão praticabilidade em matéria tributária[1].

Em uma primeira aproximação, a praticabilidade em matéria tributária pode ser relacionada (i) à eficiência, eficácia, celeridade e economicidade na implementação e arrecadação dos tributos e (ii) a tornar o ordenamento exequível e aplicável, sobretudo por meio de técnicas de tributação e arrecadação que envolvem, muitas vezes, ficções, presunções, bases presumidas, simplificação de cálculos.

Esse conjunto de técnicas (ii) permite e viabiliza a arrecadação de tributos por meio da simplificação de apuração e fiscalização, já que dispensa a autoridade administrativa do levantamento individualizado e real de cada base tributária ou de cada operação de uma cadeia.

Alguns exemplos significativos dessas técnicas podem ser mencionados, como a da base de cálculo de impostos sobre situação jurídica (ser proprietário de imóvel urbano, veículo automotor ou propriedade rural, IPTU, IPVA, ITR, respectivamente). Do mesmo modo, a tributação para assegurar a viabilidade da arrecadação nas cadeias comerciais ou produtivas costuma se valer deste expediente. Assim, temos a praticabilidade quando não é possível antecipar o valor exato da tributação da última operação da cadeia comercial/produtiva, o que acontece na substituição tributária para frente do ICMS.

O uso dessas técnicas sempre representa potencial tensão com algumas garantias dos contribuintes asseguradas em nossa Constituição, como: legalidade tributária; legalidade como determinabilidade de sentido; capacidade contributiva e até a igualdade.

Por outro lado, as técnicas simplificadoras de apuração impedem um elevado custo administrativo (ou do próprio contribuinte) de arrecadação. Imagine-se a dificuldade de apurar o valor efetivo de cada imóvel urbano para fins de IPTU. Mais prático acaba sendo o uso de uma tabela de valores por metro quadrado e por região, ainda que as situações concretas representem uma variação do padrão adotado.

A discussão sobre a criação de um sistema tributário ideal e justo é antiga e mereceu a atenção de muitos pensadores, incluindo aqueles que são considerados os fundadores da Economia Política clássica. No livro V, capítulo II, parte segunda do Da Riqueza das Nações[2], Adam Smith, por exemplo, trata das quatro máximas da tributação (princípios da tributação ideal).

Lá estão:

  • Igualdade e equidade, que consiste na qualidade de uma tributação em que cada súdito contribui proporcionalmente ao seu rendimento (renda, salário e lucros). Aqui temos a ideia de tributação proporcional à capacidade de contribuição e custo/benefício (entre pagamento e atuação do Estado);
  • Certeza da imposição: o sistema deve possuir regras claras e transparentes sobre a forma de apuração e o momento de recolher os tributos. Tributos complexos gerariam custos e dariam margem para o arbítrio;
  • Conveniência de pagamento: deve ser recolhido no momento e de modo mais convenientes para o contribuinte;
  • Economia no recolhimento e fiscalização: o tributo deve ser planejado de forma a retirar e conservar fora do bolso das pessoas o mínimo possível além da soma que ele destina aos cofres públicos.

Essas quatro máximas estão longe de serem observadas na apuração dos nossos tributos mais complexos, mas deve-se registrar, já aqui, que tampouco poderiam ser localizadas na época dos economistas clássicos e em tantos sistemas tributários de lugares e épocas diferentes.

O jurista Klaus Tipke[3], retomando a tradição dos economistas clássicos e financistas, trata de quatro exigências básicas de racionalidade econômica e de Estado de Direito para um bom sistema tributário:

  • Justiça (incluindo eficiência econômica)
  • Produtividade (incluindo flexibilidade)
  • Imperceptibilidade (incluindo comodidade)
  • Praticabilidade (incluindo certeza, transparência, simplicidade e modicidade).

Assim, quando atendem à praticabilidade, os tributos são vantajosos tanto para o Estado quanto para o cidadão porque os tipos legais são simples e compreensíveis, há um ônus da carga transparente e os custos de cobrança fiscal são insignificantes.

Sem dúvida, a praticabilidade, a partir da perspectiva do Estado, faz-se presente na redução de custo e na eficiência de arrecadação com as técnicas de concentração tributária (no produtor ou a ele equiparado), na substituição tributação por retenção na fonte, na substituição tributária para trás nas cadeias de comércio, na substituição tributária para frente (com bases presumidas) e nas plantas de valores médios de diversos tributos.

Também se beneficia o cidadão contribuinte com alguns expedientes de praticabilidade, como o de regimes simplificados de tributação (Simples Nacional, apuração por Lucro Presumido, declarações simplificadas como a do Imposto de Renda da Pessoa Física com desconto simplificado).

Porém, e a dinâmica da relação Estado-contribuinte? Haveria espaço para melhorias?

Ainda que a maior parte dos tributos tenham sua apuração e arrecadação marcada pela simplificação, os tributos complexos (PIS e Cofins não cumulativo, IRPJ lucro real, operações interestaduais de ICMS) não representam um percentual relevante de arrecadação bruta dos governos?

Ainda que um número não elevado de contribuintes esteja nessa situação, os gastos com fiscalização, arrecadação e os custos de conformidade desses grandes contribuintes não mobilizam enormes e vultuosos recursos?

Esses valores não contrariam fortemente a ideia de modicidade de recursos entre a apuração e o repasse ao governo?

Esses custos concentrados nas despesas de poucos contribuintes não acabam sendo repassados nos preços de todos os consumidores, tornando o sistema desnecessariamente ineficiente e, em um círculo vicioso, devolvendo à população brasileira (que em sua maioria apura de forma simples) os custos da complexidade?

A praticabilidade em matéria tributária permite analisar o sistema tributário a partir dessa perspectiva, a de crítica por melhores tributos (crítica da elaboração de legislação), seja na perspectiva jurídica, seja na econômica.

Em nosso próximo texto trataremos desse tema a partir de alguns exemplos relacionados a tributos complexos.


[1] Ver TIPKE, Klaus. Steuerrecht (begr. Klaus Tipke; fortgef. Joachin Lang), 16ª ed., Köln: O. Schmidt, 1998, pp.199-204. Trad. Brasileira: Direito Tributário. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2008, pp. 391-400.
[2] SMITH, Adam. A Riqueza das Nações: investigação sobre sua natureza e suas causas, vol. II. São Paulo: Nova Cultural, 1996, pp. 282-284. 
[3] TIPKE, Klaus. Op. cit., p. 200. Trad. bras. pp. 393-394.

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    é Professor Associado de Direito Econômico e Economia Política da USP, livre-docente em Direito Econômico e doutor em Direito Econômico e Tributário pela USP. Foi pesquisador visitante no Instituto Max-Planck de Inovação e Concorrência em Munique, Alemanha.

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