Vício inerente

Pedido de prisão do MP afeta mais a ordem pública do que comentários de Lula

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11 de março de 2016, 19h47

O Ministério Público de São Paulo invocou a garantia da ordem pública para pedir a prisão preventiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, ao requisitar essa medida às vésperas de diversos protestos pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff que estavam marcados há meses, os promotores arriscam mais a paz social do que o petista o faz com suas críticas às investigações e discursos inflamando seguidores dele a protestar.

Essa é a opinião de diversos especialistas ouvidos pela ConJur. Para o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, a medida fortalece Lula e eleva a temperatura dos protestos. “Claro que [o pedido de prisão preventiva] colabora para se ter o acirramento de ânimos, porque Lula acaba se colocando como vítima. Com a condução coercitiva, Lula ressurgiu em termos políticos. Ele estava em banho-maria, e agora está a todo vapor”.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Está na hora de atuarmos com serenidade e temperança, diz ministro.
Fellipe Sampaio/SCO/STF

Na visão de Marco Aurélio, as opiniões do ex-presidente e sua influência política não são motivos suficientes para pedir o encarceramento provisório dele. O ministro também criticou a escalada de acusações à qual o Brasil vem assistindo e a ânsia social por punições. “Está na hora de atuarmos com serenidade e temperança, e tirarmos o pé do acelerador”.

O advogado Lenio Streck, professor de Processo Penal e ex-procurador de Justiça – que já atacou o requerimento do MP-SP –, afirmou que o ato dos promotores Cássio Conserino, Fernando Henrique Araújo e José Carlos Blat é contraditório, e questionou as motivações deles.   

“Podemos tirar boas lições do episódio. E entender que o pedido de prisão preventiva muito mais incentiva o ódio do que aquilo que o ex-presidente falou. Não esqueçamos que ele reagiu a uma ilegalidade cometida contra ele, a condução coercitiva. O pedido de prisão preventiva foi um tiro no pé. Ou não. É tão absurdo o pedido de prisão que não é desarrazoado pensar que o simples pedido, feito assim, açodadamente, já cumpriu o seu objetivo. É esperar para ver”, avaliou.

Nessa mesma linha, o professor de Direito Processual Penal da PUC-RS Aury Lopes Jr. — que teve trechos de seu livro usados de forma errada pelo MP-SP na petição — destacou que os promotores não avaliaram bem os possíveis efeitos da solicitação de prisão de Lula: “Não vou vincular a atuação deles a um estímulo para a manifestação, mas um pedido feito sem fundamento vai gerar um tumulto, considerando que Lula é um líder político”.

É “evidente” que uma eventual detenção do ex-presidente “causaria maior revolta e manifestações de seus simpatizantes do que a mera existência do processo”, garante o criminalista Rodrigo Dall' Acqua, também ressaltando que a liberdade de expressão “jamais” pode ser fundamento para a prisão.  

Por sua vez, o professor de Processo Penal da USP Gustavo Henrique Badaró criticou o uso amplo da expressão “ordem pública” para fundamentar detenções. “Há posicionamentos, justamente por essa excessiva largueza da expressão, no sentido de que a ordem pública poderia ser considerada como 'clamor público', 'sentimento de segurança pública', 'exemplaridade da Justiça' ou ainda 'correto funcionamento do poder Judiciário'", explica. Ele afirma que todos os exemplos apontados não trazem necessidade de prisão como medida cautelar, mas são usados antecipar a pena.

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"Não temos mais espaço para xerifes no Brasil", afirma Leonardo Sica.
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Mudança de paradigma
A operação “lava jato” e as investigações contra Lula estão mudando o funcionamento da Justiça no Brasil, alegam o presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), Leonardo Sica, e o criminalista Fabrício Oliveira Campos.  Este esclarece que “já viu muita coisa na vida”, mas “essa é a primeira vez que vejo um pedido de prisão preventiva pela ordem pública ameaçar a ordem pública”. Segundo ele, nessa situação, em que posições extremadas dos dois lados formam um caldeirão de pólvora, a última prova para [garantir] a estabilidade e ordem pública é um pedido de prisão preventiva”.

Já Sica declarou que o MP-SP “jogou lenha na fogueira” ao levar a público o requerimento de detenção provisória do petista, algo que, geralmente, apenas o juiz tem conhecimento. Com isso, os promotores também impuseram uma pressão excessiva à juíza Maria Priscila Ernandes Veiga Oliveira, da 4ª Vara Criminal de São Paulo, que decidirá se aceita ou rejeita a solicitação.

Tal conduta reflete a excessiva atenção que a Justiça brasileira vem dando à voz das ruas, argumentou o presidente da Aasp. Um reflexo disso, apontou, é a transformação de membros do MP em “xerifes”, algo que pode ser exemplificado por Conserino, Araújo e Blat terem pedido para fazerem pessoalmente a prisão de Lula, função esta que é natural da polícia.

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