Novos tempos

Eleição nos EUA põe pesquisas em xeque e vê acirramento ideológico

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10 de março de 2016, 11h37

Um dos fenômenos mais interessantes das eleições presidenciais deste ano, nos EUA, é a derrocada das pesquisas eleitorais. A famosa declaração de que “a pesquisa tem uma margem de erro de 2 pontos percentuais para cima ou para baixo” foi para o brejo.

Os institutos de pesquisa estão errando bem mais que isso e, nas pesquisas de Michigan, erraram vergonhosamente. Previram uma vitória de Hillary Clinton sobre Bernie Sanders de 21,4 pontos. Mas Bernie Sanders ganhou as primárias de Michigan com 2 pontos de vantagem.

Os jornalistas dos grandes jornais que se fiaram nas pesquisas, para anunciar que Hillary Clinton iria ganhar as primárias do Partido Democrata em Michigan, passaram boa parte da noite tentando descobrir a razão da falha e escrevendo e-mails para os leitores. Nos e-mails, eles esclareceram: a “culpa” é de Sanders. “Culpa”, no bom sentido.

O fato é que as propostas de Sanders, 74 anos, comoveram o eleitorado mais jovem que, normalmente, é constituído por eleitores “independentes” — isto é, não são filiados nem ao Partido Democrata, nem ao Partido Republicano. Nos Estados Unidos, 42% dos eleitores são “independentes”, 29% são “democratas”, 26% são “republicanos” e 3% são filiados a pequenos partidos. Os “independentes” podem decidir qualquer eleição. Mas não têm o hábito de votar.

Porém, nessas eleições de 2016, eles estão comparecendo em massa às urnas das eleições primárias, em que os candidatos dos partidos democratas e republicano serão escolhidos, para disputar as eleições presidenciais em novembro. A corrida às urnas têm, na verdade, dois responsáveis: o socialista-democrata Bernie Sanders e o bilionário-republicano Donald Trump. Os dois estão movendo montanhas.

As pesquisas eleitorais falharam porque, como é de costume, elas são feitas por telefone — mais precisamente, por telefone de linha fixa. Acontece que o grande eleitorado de Sanders, os eleitores jovens, não tem telefones fixos. Eles têm celulares – ou, mais precisamente, smartphones. Assim, eles não foram ouvidos nas pesquisas que antecederam as primárias.

No entanto, as pesquisas de boca de urna, em Michigan, esclareceram a disparidade: 87% dos eleitores na faixa etária de 18 a 24 anos e 81% dos eleitores na faixa etária de 18 a 29 anos, entre os que compareceram às urnas do Partido Democrata, declararam que votaram em Sanders. A maioria era de eleitores “independentes” e não tinha telefones fixos. Assim, não foram ouvidos nas pesquisas pré-primárias.

Pragmatismo
As mensagens de Sanders, nos debates entre ele e Hillary Clinton, nos anúncios na TV e em qualquer oportunidade, são ideológicas, mas têm um alto conteúdo de praticidade. Na verdade, algumas delas soam como música no ouvido do eleitorado jovem. Por exemplo, Sanders promete universidade gratuita e pré-universidade (college) gratuita para todos os estudantes que não possam pagar os custos.

O custo da educação universitária é, provavelmente, o problema que mais aflige o eleitorado jovem nos EUA. Um estudante, ao se formar, pode ter uma dívida de US$ 80 mil a US$ 150 mil. E, em épocas que a economia não vai tão bem, não encontram emprego. Normalmente, têm de buscar emprego no McDonald’s, com gostam de dizer, ou qualquer subemprego, para pagar a dívida. Mais de 4 milhões de bacharéis têm “dívida educacional” nos EUA, diz Hillary Clinton.

Outra mensagem, que toca eleitores de todas as idades é a de que, se eleito, ele vai instituir a medicina gratuita para todos que não podem pagar seguro-saúde privado, a famosa “Socialized Medicine” adotada no Canadá, Suécia, Noruega e outros países. Nos EUA, antes do Obamacare (o seguro-saúde dos pobres) cerca de 33 milhões de pessoas não tinham seguro-saúde. Segundo uma reportagem do New York Times, cerca de 3 mil pessoas morriam a cada duas semanas, por não ter seguro-saúde.

Lado esquerdo
Sanders promete fazer as empresas que especulam em Wall Street pagar impostos, para financiar esses programas. E promete adotar medidas de protecionismo aos Estados Unidos, para que os empregos deslocados para países orientais voltem para o país — uma promessa que os demais candidatos também estão fazendo.

Em consequência, a campanha de Sanders vem ganhando tração. Até agora, foram feitas primárias em 22 dos 50 estados americanos. Hillary Clinton ganhou 12, Sanders ganhou 9. Hillary já tem 1.223 delegados para a Convenção do Partido que irá oficializar a candidatura democrata. Sanders tem 574 delegados. Mas serão 4.765 delegados, de forma que ainda faltam 2.968 delegados a serem nomeados nas primárias restantes.

Sanders não é necessariamente um socialista. Ele mesmo se define como socialista-democrata, que se inspira no socialismo sueco. Os saudosistas da doutrina de Marx afirmam, categoricamente, que ele não é um socialista, porque, não irá, por exemplo, acabar com o capitalismo e entregar todas as empresas aos trabalhadores. Dizem que ele pode ser definido como um social-democrata, que vai apenas amenizar o capitalismo, se eleito.

Lado direito
O candidato republicano Donald Trump também está atraindo muitos “independentes” às urnas, mas por outras razões — entre elas, a guerra aos imigrantes ilegais e aos muçulmanos. Sua campanha ganhou grande tração, logo nos primeiros dias, quando ele anunciou que, se eleito, iria construir um muro em toda a fronteira do México com os EUA, para impedir que os estupradores e traficantes mexicanos entrem no país.

Declarou, várias vezes, que irá obrigar o governo do México a pagar pela construção do muro, que foi apelidado de “The Trump Wall” (o muro de Trump). Isso levou a assembleia da Cidade do México a proibir a entrada de Trump no México, uma medida que se pretende tornar nacional.

Trump também prometeu deportar os 11 milhões de imigrantes ilegais que estão no país e triplicar o número de policiais na fronteira. Propôs ainda proibir a entrada de muçulmanos no país, temporariamente — isto é, até que as autoridades americanas consigam descobrir uma maneira de impedir a entrada de terroristas no país. Em um debate, defendeu a ideia de que toda a família de um terrorista deve ser eliminada.

Trump atrai a porção “cowboy” da população americana. Declarou que vai reinstituir mecanismos de tortura como o “waterboarding” (afogamento simulado) para combater o terrorismo, jurou que vai anular o acordo como Irã e nunca vai chamar seu “Supremo Líder” de “Supremo Líder” e que irá pagar um lanche no McDonald's para o presidente da China, em vez de um jantar presidencial.

Tais mensagens repercutiram muito bem entre o grande número de americanos que odeia imigrantes ou que podem ser definidos como “xenófobos” – embora o país tenha sido formado por imigrantes. Repercutiu um pouco demais: David Duke, ex “Grand Wizard” (grande mago) da Ku Klux Klan, declarou o apoio da organização à candidatura de Donald Trump. Foi comentado que membros do movimento da “supremacia branca” também declararam seu apoio a ele.

Nas primárias do Partido Republicano até agora, Trump ganhou 15 estados, o senador Ted Cruz ganhou 7 e o senador Marco Rubio ganhou 2. Trump já garantiu 458 delegados, Cruz 359 e Rubio 151. O partido terá 2.472 delegados na convenção, de forma que ainda faltam 1.435 a serem nomeados.

Fogo amigo
Trump ganhou uma fatia considerável dos eleitores republicanos e independentes, mas nunca obteve o apoio do Partido Republicano. Os dirigentes republicanos vêm destacando medalhões do partido, como o ex-candidato à Presidência Mitt Romney, para fazer pronunciamentos detratando Trump. E elaborando táticas para dar o golpe na convenção do partido, caso Trump ganhe as primárias.

Um problema é que o segundo colocado nas primárias, Ted Cruz, é um extrema direita, radical demais para ser absorvido por um grande número de republicanos. Cruz tem propostas que, no mínimo, chamam a atenção do eleitorado.

Ele quer, por exemplo, tornar a Suprema Corte a mais conservadora de todos os tempos, que vote de acordo com todas as suas convicções religiosas. E acabar como IRS, a receita federal dos EUA, colocando em seu lugar um imposto sobre circulação de mercadorias de 23% — hoje, é de 6,5% a 7%, variando de estado para estado. Acabar com o IRS significa acabar com o Imposto de Renda. Hoje, as classes menos favorecidas recebem um bom dinheiro, como retorno do imposto de renda, quando sua renda é muito baixa.

O candidato favorito do partido é o senador Marco Rubio. No entanto, Rubio só conseguiu ganhar, até agora, ganhar em Minnesota e em Porto Rico. Só garantiu 151 delegados. Foi examinado também o lançamento de uma candidatura independente, como de Mitt Romney e do empresário e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg, embora nenhum dos dois confirme.

Em qualquer caso, haveria um racha no Partido Republicano e a vitória seria colocada no colo de Hillary Clinton que, como se acredita, será, no final das contas, a candidata do Partido Democrata — uma presidenciável aceitável porque ela representa o “establishment” e está disposta a formar um governo de consenso.

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