Opinião

Ataques e ridicularizações da imprensa afrontam advocacia e OAB não reage

Autores

  • Gamil Föppel

    é advogado professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) pós doutor em Direito Penal pela USP doutor em Direito pela UFPE e membro das comissões de Reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro do Código Penal e da Lei de Execução Penal nomeado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

  • Thiago Maia de Oliveira

    é advogado pós-graduando em Ciências Criminais na Faculdade Baiana de Direito.

6 de março de 2016, 8h30

No último mês, um dos autores deste texto publicou um artigo, no bojo do qual foi feita uma análise acerca do novo texto de lei recém inserido no ordenamento jurídico pátrio, qual seja a Lei tombada sob o 13.245, publicada em 13 de janeiro de 2016.

Trata-se, como exposto, de evidente conquista de toda a sociedade brasileira, mas com enfoque especial para a classe dos advogados, cuja importância foi devidamente reconhecida, com os dispositivos legais inseridos pelo texto, malgrado se lamente pela perda da oportunidade de avançar ainda mais na matéria. Positivar garantias para os profissionais do direito nada mais é que assegurar ao cidadão a possibilidade de melhor se defender, virando a página da ditadura inquisitorial.

É de causar espanto, contudo, que menos de dez dias após a vigência da referida lei, seja veiculada a charge publicada no prestigiado jornal O Globo, no dia 19 de janeiro de 2016. A referida publicação trata-se de verdadeira afronta e instrumento público de chacota e ofensas em desfavor dos advogados. Ela mostra um cowboy entrando num saloon e as pessoas se perguntam: "É mocinho ou bandido?". Até alguém responder que é pior, trata-se de um advogado. 

Não é nenhum segredo que, atualmente, diante do cenário potencialmente inquisitivo no qual impera o Estado Democrático de Direito à Brasileira, com criações bem peculiares, como o processo penal a jato, cada vez mais os advogados de defesa vêem pairar sobre si uma aura duvidosa (e injusta, diga-se!). Aliás, cria-se um maniqueísmo diabólico: tudo aquilo que possa partir do MP (órgão digno de todo o respeito, repise-se) é reputado como certo; tudo aquilo vindo da advocacia, é censurável.

Qualquer pessoa, independentemente da acusação que lhe esteja sendo feita, tem o direito intransponível de ser assistido por um advogado, seja de ordem pública ou privada, que possa garantir tecnicamente a sua ampla defesa, que, obviamente, é um sacrossanto direito, não podendo servir de (pseudo) argumentação para qualquer tipo de expediente atentatório à dignidade da justiça.

Deve-se ter em mente, ainda, que tal defesa, a bem da verdade, serve como filtro contra arbítrios que possam ser cometidos pelo Estado (sim, o Estado não raro comete arbítrios) quando do julgamento do sujeito por determinada acusação. Como já dizia Eugênio Zaffaroni, ao direito penal é resguardada a função de limitar o poder do Estado em face do indivíduo, contendo, portanto, os excessos.

Diante desse cenário, acredita-se que a todos os advogados seja motivo de honra, de reconhecimento, estar exercendo a sua atividade no lado correto desse cenário. A busca pela efetivação das leis, ao desempenhar papel constitucionalmente previsto, é motivo de orgulho, não de chacota. Apenas os advogados sabem a luta diária para exercerem o seu trabalho, mesmo que em alguns casos, ignorantemente, tal luta seja mal vista socialmente.

Contudo, não há pelo que se abalar, afinal de contas, o exercício da advocacia não é para covardes. Aos covardes, existem instrumentos mais confortáveis de trabalho…

É de espantar, pois, que os advogados passem a ser vítimas de acusações infundadas e que determinados setores estejam compactuando com um tipo de movimento, por assim dizer, que vai de encontro ao próprio texto da Constituição da República de 1988. É mais lamentável, ainda, que, justamente a OAB, que tanto lutou pelo regime de liberdades, pelo estado democrático e de direito, tenha os seus profissionais aviltados de uma forma tão censurável. E, ainda mais lamentável, que não reaja a este tipo de ataque como deveria.

Após a institucionalização da condenação prévia, da humilhação pública e da etiquetação, passa-se, nesse momento, a atacar aqueles que desempenham seu papel técnico profissional, com respaldo no Texto Maior, justamente para assegurar o livre exercício de direitos e efetivar as garantias de todos.

Veja-se, ainda, passagem do texto publicado pelo jornalista Hélio Gurovitz em seu blog no portal G1, no dia 18 do mês corrente. Concluindo seu texto, afirma-se que: “Os advogados deveriam entender que a tolerância com a corrupção, a impunidade e nosso crônico capitalismo de compadrio (mais sobre ele clique aqui) são ameaças muito maiores ao Estado de Direito e à democracia que qualquer deslize eventual (…) algum outro juiz.”Deve-se esclarecer aos leitores que um advogado, em matéria criminal, não faz uma ode ao crime/investigado, atua, dentro da estrita técnica, de forma a resguardar os direitos de seu constituinte, para que não seja julgado sem um devido processo legal. E, sobretudo o advogado criminal, muitas vezes não compreendido, há de ser respeitado. No particular, convém trazer à colação no artigo 21 do novel código de ética da OAB:

Artigo 21. É direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado.

Não se nega que o combate a todas as mazelas descritas pelo jornalista citado é realmente de extrema importância. Deve-se, contudo, que garantias não são objeto de barganhas, nem tampouco instrumentos disponíveis para negociação.

Há de se torcer, pois, para que os advogados, levados à condição vexatória pela infeliz charge publicada em um jornal de grande circulação, não continuem mais sendo ultrajados e levados à condição de leprosos apenas e tão somente por prestar a árdua tarefa de buscar a justiça, de reagir às imputações.

A onda de ataques a advogados mais parece, a bem da verdade, uma revolta sobre o que, infelizmente, não é entendido. Para alguns, a ignorância sempre vai ser uma benção. Afinal de contas, às vezes não saber, ou até mesmo saber e fingir não saber, pode servir convenientemente para fins diversos.

Seguindo na esteira de assuntos despertados pela publicação do jornal carioca, ponto a ser destacado e que, em determinados momentos é esquecido, é que a liberdade de expressão possui limites legais, além da educação que deve ser aprendida em casa. Afinal, não há direitos absolutos (nem mesmo o direito a “relativizar absolutamente” direitos fundamentais).

A grande mídia, quando cumpre o seu papel social, sem ataques, sem desvirtuamentos, é elemento de imensa relevância na sociedade e não há que se discutir o papel de destaque exercido pelos bons profissionais, desde que imbuídos de bons propósitos, respeitando o ordenamento jurídico.

Todavia, não há que se esquecer que até mesmo para os representantes da mídia, existem limites; limites esses que devem ser respeitados, sob pena, inclusive, de o agente de informação extrapolar os limites do permitido e acabar entrado no terreno da ilicitude, inclusive criminal. Não há um mandado de impunidade para jornalistas. Profissionais que trabalham com palavra não são imunes ao código penal: advogados, promotores, jornalistas, podem, sim, responder por crimes contra a honra, havendo qualquer tipo de excesso.

Destaca-se, nesse ponto, para ilustrar, que em recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, no seio do ARE 891647, foi mantida a condenação do jornalista Paulo Henrique dos Santos pela prática de crime contra a honra. Em seu voto, o eminente ministro decano, Celso de Mello, foi certeiro ao consignar que:“Os abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento, quando praticados, legitimarão, sempre, ‘a posteriori’, a reação estatal aos excessos cometidos, expondo aqueles que o praticarem a sanções jurídicas, de caráter civil ou, até mesmo, de índole penal.

Há que se imaginar, contudo, se algum jornalista continuaria a destilar seus impropérios à advocacia caso estivesse na condição de réu ou investigado. Imagina-se se este continuaria a lançar seus impropérios através de charges em desfavor daqueles que lhe defenderiam. Certamente e seguramente que não, afinal de contas, como diria Sartre, o “inferno são os outros”. Certamente, nesse caso, não mais lhe seria conveniente atacar e, definitivamente, a necessidade jornalística de manchetes não iria buscar se sobrepor a defesa de seus direitos, que seria exercida justamente por aqueles que são tão atacados, mas que nas horas das sangrias, são os primeiros a serem chamados.

E incomoda, ainda, que a OAB, em alguns estados, como na Bahia, por exemplo, tenha se quedado inerte a tais repugnantes ofensas. Aliás, no dia que foi veiculada tal charge, a notícia de maior destaque no sítio da seccional baiana era da disponibilização dos carnes para pagamento das anuidades… Vejamos se a tal charge vai concorrer ao prêmio anual.

E, aos ignorantes, convém sempre colacionar as lições de Raul Chaves: “Advogar é combater, é lutar, é opor-se, é apaixonar-se pela paixão alheia (…) é enfim, e mais uma vez, fazer um pouco de bem silenciosamente; é penetrar na alma dos que se confiam a nós, viver suas ânsias e dores, viver suas alegrias.”

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