"Desapego à realidade"

Advogados dizem que segurança pública foi desculpa para condução coercitiva

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6 de março de 2016, 15h18

Advogados que representam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva publicaram nota neste domingo (6/3) criticando recentes declarações do Ministério Público Federal sobre a condução coercitiva do petista. No último sábado (5/3), o MPF afirmou que solicitou a medida com base na segurança pública e de todos os envolvidos.

Segundo os advogados Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins, procuradores da República agiram “com inegável desfaçatez” ao dizer que a condução à força tentou atender preocupações com segurança apontadas pelo próprio Lula em pedido de Habeas Corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça de São Paulo.

“A defesa de Lula não deu procuração ao MPF e identifica claro desapego à realidade na afirmação de que o citado Habeas Corpus teria sido impetrado com o argumento de que o agendamento da oitiva do ex-presidente poderia colocar em risco a sua segurança, a segurança pública e a de agentes públicos”, dizem Teixeira e Zanin Martins. Eles afirmam que o HC citado tentou evitar qualquer medida de força durante investigação movida pelo Ministério Público de São Paulo sobre supostas irregularidades na compra de um triplex no Guarujá.

Na avaliação dos defensores, a condução coercitiva “cerceia a liberdade de ir e vir e jamais poderia ter sido requerida ou autorizada nos termos em que se deu”. O MPF justificou ainda que esse tipo de medida não foi tomada somente contra o petista. Para os advogados, porém, “o fato de a operação ‘lava jato’ já ter emitido 117 mandados de condução coercitiva não tem o condão de legitimar a ilegalidade agora praticada contra o ex-presidente Lula, mas, ao contrário, serve de alerta para tantas outras arbitrariedades que poderão já ter sido praticadas nessa operação”.

Eles entendem ainda que procuradores anteciparam juízo de valor em declarações à imprensa, condutas que seriam vedadas por normas do Conselho Nacional do Ministério Público. A defesa ainda nega qualquer ato ilegal praticado por Lula.

Na decisão sobre a condução coercitiva, o juiz Sergio Fernando Moro disse que o ato tornaria “menores as probabilidades de que algo semelhante ocorra, já que essas manifestações não aparentam ser totalmente espontâneas”. Depois, ao perceber que o resultado foi diferente do esperado, Moro afirmou  que repudia práticas de violência, ofensas ou ameaças a partidos políticos, a instituições ou a qualquer pessoa.

Eficiência relativa
Outros advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico também criticam os argumentos para a condução coercitiva. Para o jurista e professor Lenio Luiz Streck, colunista da ConJur, a nota do Ministério Público Federal cometeu no mínimo duas falácias: a de falsa causa e conclusão irrelevante. Segundo ele, não se pode justificar o ato com o fato de que outras medidas semelhantes já foram tomadas na “lava jato”.

“O que importa é que houve uma literal violação do Código de Processo Penal. E quem deveria fiscalizar isso é quem mais defende a violação”, afirma Streck. “Pindorama ficou assim: tudo  está ideologizado, infelizmente. Quem defende garantias e cumprimento da lei é tido como a favor da impunidade; já quem defende que o fim justifica os meios, é patriota. Isso não vai dar boa coisa. Valho-me do ‘sábio’ Conselheiro Acácio, de Primo Basílio, para dizer: as consequências vêm sempre depois. O futuro cobrará isso dos juristas.”

O criminalista Rogério Taffarello diz que, “ao contrário do que alguns insinuaram, a advocacia tem há tempos se insurgido contra conduções coercitivas feitas à margem da lei, e não só no caso da ‘lava jato’. A diferença é que, desta vez, deu-se um destaque maior às objeções apontadas pelo fato de o conduzido ser o ex-presidente da República”.

Taffarello, que atua no caso, considera compreensível a preocupação dos investigadores em buscar maior eficiência por meio da utilização de conduções coercitivas. O problema, afirma, é que essa pretensão esbarra nos limites legais. “O artigo 260 do CPP é muito claro em admitir a medida somente no caso de não comparecimentos anteriores injustificados, o que não parece ter ocorrido. Qualquer outra hipótese é, portanto, ilegal.”

“Além disso, à luz das previsões do direito ao silêncio e do direito de não constituir prova contra si, previstos na Constituição e na Convenção Americana de Direitos Humanos, a própria hipótese do artigo 260 é por muitos considerada não recepcionada, na medida em que a atual ordem constitucional trata o investigado ou acusado não mais como mero objeto de prova mas como sujeito de direitos, entre os quais o de não colaborar com as investigações, se assim desejar, até porque o ônus probatório não é dele, ele é presumido inocente.”

Fábio Tofic Simantob, também defensor de réus da “lava jato”, reconhece que houve críticas muito mais veementes no ato contra Lula do que em outras situações. “Justiça seja feita, a medida é ilegal e arbitrária em todos as centenas de casos, e não só no do ex-presidente, já que sempre encetada antes de qualquer tentativa de intimação regular”, declara.

O jornalista Elio Gaspari, colunista do jornal Folha de S.Paulo, afirmou neste domingo que a condução coercitiva de Lula teve uma teatralidade desnecessária. "Lula foi presenteado com o papel de vítima, que desempenha há 40 anos com maestria", opinou.

Clique aqui para ler a nota dos advogados de Lula:

Os advogados de Luiz Inácio Lula da Silva repudiam as declarações dos Procuradores da República integrantes da força-tarefa ‘lava jato’, que, em desesperada tentativa de legitimar a arbitrária condução coercitiva do ex-presidente na sexta-feira 4/03/2016, emitiram ontem nota afirmando, com inegável desfaçatez, que a medida teve por objetivo atender a requerimento formulado pela defesa em habeas corpus impetrado perante o Tribunal de Justiça de São Paulo.
A defesa de Lula não deu procuração ao MPF e identifica claro desapego à realidade na afirmação de que o citado habeas corpus teria sido impetrado com o argumento de que o agendamento da oitiva do ex-presidente poderia colocar em risco a sua segurança, a segurança pública e a de agentes públicos.
A verdade é que aquele habeas corpus foi impetrado com o argumento principal de que a condução coercitiva do ex-presidente e de sua esposa, cogitada pelo Promotor de Justiça Cássio Roberto Conserino, do Ministério Público do Estado de São Paulo, não poderia ser admitida pois afrontaria a ordem jurídica. A Corte paulista acolheu o argumento da defesa para afastar a possibilidade da medida de força. O próprio membro do MP-SP reconheceu a ausência de amparo legal e acatou a decisão do TJ-SP.
Lula já prestou três depoimentos, dois à Polícia Federal e um ao Ministério Público Federal. Em nenhum destes houve qualquer confronto ou risco à ordem pública, porque marcados e realizados de forma adequada pelas autoridades envolvidas.
A condução coercitiva é medida que cerceia a liberdade de ir e vir e jamais poderia ter sido requerida ou autorizada nos termos em que se deu. A liberdade de locomoção é garantia fundamental, tanto que a legislação estabelece que configura abuso de autoridade qualquer ato de autoridade que possa restringi-la (Lei nº 4.898/65, art. 3º, "a").
O fato de a operação ‘lava jato’ já ter emitido 117 mandados de condução coercitiva não tem o condão de legitimar a ilegalidade agora praticada contra o ex-presidente Lula, mas, ao contrário, serve de alerta para
tantas outras arbitrariedades que poderão já ter sido praticadas nessa operação.
Não há que se cogitar em "cortina de fumaça" na presente discussão. Houve, inegavelmente, grave atentado à liberdade de locomoção de um ex-presidente da República sem qualquer base legal. A tentativa de vincular Lula a "esquema de formação de cartel e corrupção da Petrobrás" apenas atende anseio pessoal das autoridades envolvidas na operação, além de configurar infração de dever funcional, na medida em que a nota emitida pelo MPF – tal qual a entrevista coletiva concedida pelo órgão – antecipou juízo de valor, o que é vedado pelo artigo 8º da Resolução 23/2007, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O MPF aposta na força das palavras em detrimento dos fatos. Lula jamais participou ou foi beneficiado, direta ou indiretamente, de
qualquer ato ilegal.

Roberto Teixeira e Cristiano Zanin Martins

* Texto atualizado às 18h25 do dia 6/3/2016 para acréscimo de informação.

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