Ação abusiva

PF contrariou até ordem de Sergio Moro ao conduzir Lula coercitivamente

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4 de março de 2016, 18h21

Ao conduzir coercitivamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento sem tê-lo intimado antes, a Polícia Federal violou o Código de Processo Penal e o próprio mandado no qual o juiz federal Sergio Fernando Moro autorizou a ação.

Instituto Lula
Despacho determinava que Lula só poderia ser levado coercitivamente se tivesse se recusado a prestar depoimento.
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O artigo 218 do CPP estabelece que o juiz só poderá requisitar a apresentação forçada da testemunha caso ela, tendo sido regularmente intimada, deixe de comparecer sem motivo justificado. No despacho desta segunda-feira (29/2) no qual autorizou a medida contra Lula, Moro ressaltou, em letras maiúsculas, que o “mandado SÓ DEVE SER UTILIZADO E CUMPRIDO, caso o ex-presidente, convidado a acompanhar a autoridade policial para depoimento, recuse-se a fazê-lo”.

O petista e seu advogado Cristiano Zanin Martins, no entanto, afirmam que não houve convite antes de a polícia bater à porta da casa do ex-presidente, na manhã desta sexta-feira (4/3). Eles garantem que os policiais deram início imediato à condução coercitiva. Lula disse que "jamais se recusaria a prestar depoimento” e que, se Sergio Moro e o Ministério Público quisessem ouvi-lo, bastava tê-lo enviado um ofício, sem necessidade de levá-lo forçadamente.  

O advogado dele também criticou a ação dos policiais e apontou que ela desrespeitou a lei ao não intimá-lo previamente. “Existem regras claras e estabelecidas na legislação para aplicação da condução coercitiva e nada disso se verifica no caso concreto”, disse. Para o criminalista, “houve violação da própria legislação ordinária” em todo o procedimento, além de terem sido feridos os princípios da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal.

O argumento de Lula e Zanin Martins é respaldado por diversos especialistas. O ex-presidente da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil Antonio Cláudio Mariz de Oliveira e o especialista em Direito Penal Fernando Fernandes avaliam que o ex-presidente não descumpriu uma intimação de forma injustificada e, por isso, não poderia ser levado à força para depor.

Na visão do criminalista Daniel Bialski, sócio do Bialski Advogados Associados, a condução coercitiva é uma exceção. “E não se pode usar a exceção sem justa causa, o que me parece não ter ocorrido.”

Filipe Fialdini, do Fialdini Advogados, vai além e chama a medida contra Lula de “sequestro”. “O sequestro do ex-presidente foi um ato ilegal, desprovido de embasamento legal. A lei é clara: ninguém pode ser constrangido a fazer qualquer coisa, senão em virtude de lei. E não há lei que autorize o sequestro de suspeitos”, alegou.

Embora afirme que, em tese, um investigado só pode se levado de forma forçada se descumprir intimação, a advogada Sylvia Urquiza, do escritório Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, destaca que esse tipo de ação vem sendo usado com frequência por magistrados – inclusive por Moro.

“O entendimento atual da Justiça é de que ela pode ser decretada por ordem judicial como medida alternativa à prisão preventiva. Os garantistas do Direito Penal, no entanto, entendem que esse tipo de condução seria uma suposta prisão ilegítima (‘prisão para averiguação’). Mas a condução vem sendo determinada pelo juiz Sergio Moro desde fevereiro de 2014 e nenhuma das cortes superiores se opôs. Pelo contrário”, lembrou.

Esse entendimento, no entanto, não encontra respaldo na mais alta corte do país. O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, declarou à Folha de S.Paulo não ter entendido a atitude tomada pela polícia. "Só se conduz coercitivamente, ou, como se dizia antigamente, debaixo de vara, o cidadão de resiste e não comparece para depor. E o Lula não foi intimado."

Procurada pela revista Consultor Jurídico, a PF não havia se manifestado até o fechamento desta reportagem.

Sem espetacularização
A condução coercitiva de Lula não foi o único ato da PF que descumpriu ordem de Sergio Moro. Na decisão em que autorizou a medida caso o petista negasse o convite para depor, o juiz também deixou claro que a PF não deveria tornar a ação um espetáculo.

“Consigne-se no mandado que NÃO deve ser utilizada algema e NÃO deve, em hipótese alguma, ser filmado ou, tanto quanto possível, permitida a filmagem do deslocamento do ex-presidente para a colheita do depoimento”, ordenou Moro no despacho.

Favores "sub-reptícios"
Em outra decisão, de 24 de fevereiro, o juiz da “lava jato” autorizou busca e apreensão em diversos endereços ligados ao fundador do PT – como o Instituto Lula, o triplex em Guarujá e o sítio em Atibaia – por entender que os valores e favores de empreiteiras ao ex-presidente podem, em princípio, “configurar crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro no contexto do esquema criminoso que vitimou a Petrobras”.

Com relação aos R$ 30 milhões que Lula recebeu de Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e UTC entre 2011 e 2014 — sendo R$ 20 milhões em doações ao instituto e R$ 10 milhões por palestras —, Sergio Moro reconheceu que não se pode assumir que esses valores são ilícitos, mas que a prática “gera dúvidas sobre a generosidade das aludidas empresas e autoriza pelo menos o aprofundamento das investigações”.

O juiz também criticou os favores que o MPF aponta que o ex-presidente recebeu de empreiteiras, classificando-os de “subreptícios”. Ele enxergou indícios que Lula recebeu da OAS a reforma do apartamento e o armazenamento de seus bens, e da OAS e da Odebrecht, ganhou o sítio em Atibaia. Ainda sobre sítio , Moro opinou que há provas de que o petista seja o real dono do local.

“As provas, em cognição sumária, são no sentido de que Luiz Inácio Lula da Silva é o real proprietário do sítio em Atibaia e que este sofreu reformas significativas, de valor expressivo, ainda que sem dimensionamento do valor total, por ação de José Carlos Bumlai e da Odebrecht, além da OAS ter providenciado a aquisição e a instalação da cozinha no local”, ressaltou.

Embora reconheça que o ex-metalúrgico merece “todo o respeito, em virtude da dignidade do cargo que ocupou”, o juiz federal afirmou que “isso não significa que está imune à investigação”, uma vez que há justificativas para tanto.

No despacho, Sergio Moro ainda negou pedidos de prisão temporária do presidente do Instituto Lula, Paulo Tarciso Okamoto, do tesoureiro da campanha da presidente Dilma Rousseff em 2010, José de Filippi Júnior, e do executivo da OAS Paulo Roberto Valente Gordilho. Todos eles receberam ordem de condução coercitiva, entretanto.

Clique aqui para ler o despacho de condução coercitiva de Lula.
Clique aqui para ler o despacho de busca e apreensão de imóveis relacionados a Lula.
Processos 5007401-06.2016.4.04.7000 e 5006617-29.2016.4.04.7000

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