Show da acusação

Condução de Lula para depor foi ilegal e espetacularizada, dizem advogados

Autores

4 de março de 2016, 12h41

A operação "lava jato", que investiga um esquema de corrupção na Petrobras, chegou ao ex-presidente Lula e a seu instituto. Porém, apesar da aparente boa intenção dos investigadores de combater a corrupção, o modus operandi foi mais uma vez criticado por advogados. A transformação de cada fase em um espetáculo midiático e o desrespeito às normas penais foram ressaltados por advogados que atuam na "lava jato" consultados pela revista Consultor Jurídico

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira entende que houve ilegalidade na condução coercitiva do ex-presidente Lula. O criminalista explica que a medida, segundo a lei, só pode ocorrer após o descumprimento de uma primeira intimação de forma injustificada — o que não ocorreu no caso de Lula.

O advogado Fernando Fernandes reforça esse entendimento: “Não existe previsão legal para a condução coercitiva sem prévia intimação e não comparecimento injustificado”. Fernandes criticou ainda os rumos da “lava jato”. “Esta operação já passou da ilegalidade. Conduzida por um juiz incompetente, extrapolou em uma campanha política conduzida por procuradores federais e pela Polícia Federal com claros objetivos eleitorais.”

Sistemática perversa
Fábio Tofic Simantob
avalia que foi criada uma sistemática perversa e perniciosa na "lava jato". Em sua opinião, esse método começa com o vazamento seletivo, como que preparando a opinião pública, para uma medida drástica. E, quando essa medida vem, todos a aceitam sem questionar. Segundo Tofic, mesmo depois da medida drástica, continua a divulgação seletiva de fatos para a imprensa, muitas vezes distorcidos, com o objetivo de demonizar o investigado na opinião pública.

"Assim, se consegue legitimar toda medida de restrição de direito na opinião pública. A pirotecnia é instrumento para efetivação de medidas ilegais. É utilizada para medidas que não conseguiriam, por si só, serem mantidas à luz do Direito e da Constituição. Não é uma consequência, é um meio", explica.

O criminalista lembra que essa sistemática tem afetado até mesmo os juízes. "É cada vez mais comum os tribunais utilizarem a opinião pública para justificar suas decisões. Inclusive os tribunais superiores", conclui.

De acordo com o especialista Arnaldo Malheiros Filho, existe na operação uma pirotecnia para desqualificar a pessoa investigada, promovendo uma espécie de humilhação. "Isso afeta a defesa. As diligências feitas com circunspecção poderiam ser mais eficientes", diz

Nessa mesma linha de raciocínio, o advogado Rodrigo Brocchi opinou que “a exploração midiática das operações” traz prejuízos ao direito constitucional da ampla defesa por estimular um pré-julgamento por parte da opinião pública.

Para o especialista em Direito Penal Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, a condução coercitiva do ex-presidente não precisaria ter ocorrido e demonstra a busca dos investigadores pelos holofotes da imprensa. “Acho, infelizmente, que a condução coercitiva foi desnecessária. Isso vem dentro desse modus operandi de espetacularização do processo. O ex-presidente Lula tem um grande advogado constituído, poderiam ter entrado em contato com ele, mas a opção é a espetacularização”, afirma.

Na visão de Kakay, a exposição atrapalha a defesa. “Essas coletivas [dada à imprensa por procuradores e agentes da PF, em Curitiba, após a deflagração da operação] só levam a um pré-julgamento da pessoa, desnecessário e ilegal. A defesa não tem o mesmo espaço para mostrar seus argumentos. O que acontece nessas coletivas é um pré-julgamento. A investigação é bem-vinda, mas a espetacularização é um desserviço”, argumenta.

O professor Universidade Federal de Minas Gerais Thomas Bustamante também questiona a necessidade da espetacularização: "Há mesmo razão para adotarmos como regra a midiatização e a condenação antecipada com propósitos nitidamente políticos e vitaminada por interesses econômicos? Será que poderemos ter, algum dia, um governo estável e um país próspero, se esse tipo de forma de oposição política for generalizada?".

Para Bustamante, seria prudente, em nome do Estado de Direito, evitar o vazamento de colaborações premiadas antes de elas serem confirmadas por evidências. "Não seria melhor, até mesmo para preservar a idoneidade das investigações, primeiro coletar as provas e depois fazer o que em linguagem policial se chama de “escracho”? Fica a reflexão".

Fortalecimento dos juízes
Para a Associação dos Magistrados Brasileiros, a Justiça tem demonstrado eficiência e independência diante do alcance das investigações, da gravidade dos atos de corrupção e das pressões políticas enfrentadas. Segundo nota, assinada pelo presidente da AMB, João Ricardo Costa, "a firme atuação do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça tem sido exemplo de independência e seriedade, correspondendo aos anseios da sociedade e aos valores republicanos dispostos na Constituição da República".

Para a entidade, o papel desempenhado pelos juízes nessas investigações representa o exercício da jurisdição na plenitude das prerrogativas constitucionais da magistratura, expressando toda a importância de termos um Judiciário forte e independente, desde o primeiro grau até as cortes superiores.

"A AMB defende a investigação e a punição dos atos de corrupção, atendendo ao princípio de que todos são iguais perante à lei e têm o direito à ampla defesa e ao contraditório. Qualquer movimento contrário representará um retrocesso ao Estado Democrático de Direito e ao que o povo brasileiro espera das instituições", conclui a nota.

*Notícia alterada às 17h do dia 4/3 para acréscimos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!