Academia de Polícia

Novas questões sobre a participação do advogado na investigação

Autor

  • Rodrigo Carneiro Gomes

    é delegado da Polícia Federal mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília especialista em segurança pública e defesa social e professor da Academia Nacional de Polícia. Foi assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça e da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal.

1 de março de 2016, 10h19

Spacca
Na última coluna por mim publicada tratei de uma importante parte da Lei 13.245/2016, a respeito do exame da investigação pelo advogado em qualquer instituição[1], qual seja, a nova redação dada ao artigo 7º, inciso XIV da Lei 8.906/1994, pela Lei 13.245/2016. Seguindo idêntica sistemática, se disporá sobre a nova redação dos demais dispositivos, seus reflexos e situações concretas.

Redação anterior: XXI – Novo inciso incluído pela Lei 13.245/2016.

Nova redação: São direitos do advogado: "XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos;"

Reflexos: Gera nulidade absoluta a oitiva do investigado se não for garantido ao advogado constituído o direito de assistir ao seu cliente. Não apenas cabe ao advogado assistir ao seu cliente, mas também a lei o reconhece como detentor da prerrogativa de apresentar razões e quesitos à autoridade investigante.

Situação 1: Há nulidade da investigação por não haver advogado constituído?
A Lei 13.245/2016 é expressa na prescrição do direito do advogado: “assistir a seus clientes investigados”. Pressupõe, portanto, que houve regular constituição de defesa pelo investigado, previa ou simultaneamente ao ato de investigação a ser praticado. Não há previsão do acompanhamento do advogado nas diligências em curso, conforme exceção legal prevista no artigo 7º, parágrafo 11 da Lei 8.906/1994. Outro ponto é que os atos de instrução da investigação descritos pela lei como de participação obrigatória do advogado constituído – o que se infere da menção legal à "nulidade absoluta" – são o interrogatório e depoimento do seu cliente. Conclui-se que não há nulidade se o ato de investigação é praticado sem a presença de advogado, por ausência de sua constituição e nem há obrigação do órgão investigante comunicar a existência de procedimento investigativo a possíveis investigados ou à Defensoria Pública. A lei não prescreveu que a falta de defesa gera nulidade no inquérito policial ou em outra investigação, mas sim a ausência do advogado (constituído) do cliente para os atos que relaciona (interrogatório e depoimento, quando figure como investigado).

O ônus de constituir defesa, seja advogado ou Defensor Público, incumbe ao investigado, ressalvadas as hipóteses dos artigos 289, § 4º e 306, º 1º do CPP, ambos incluídos pela Lei 12.403/2011.

Situação 2: No ato do interrogatório ou oitiva,  o investigado indica o nome do seu advogado.
O ato deve ser suspenso e remarcado intimando-se o patrono indicado pelo investigado. Comparecendo o investigado, esse deverá ser cientificado, desde já, da nova data, lavrando-se termo.

Situação 3: Em que extensão uma investigação pode ser declarada nula por falta de atuação da defesa?
Para que a investigação tenha decretada sua nulidade devem concorrer os seguintes elementos:

a) o intimado para oitiva deve figurar como investigado.
Independentemente de formal indiciamento, deverá ser analisado o quadro geral probatório disponível desde o momento da intimação até o da concretização da oitiva, ou seja, o status fático-probatório é que determinará o status jurídico de sujeito da investigação. Veja-se que a lei trata do direito de o advogado assistir ao “investigado”, não exigindo que tenha sido indiciado.

É comum, em repartições policiais, em investigação na qual ainda não esteja bem delineada a autoria delitiva, que a redução a termo da oitiva de pessoa que possa ou não ter suposto envolvimento com o crime apurado ocorra em “termo de declarações”. Esta prática se justifica para evitar que seja tomado o compromisso de dizer a verdade, por quem não tem obrigação de falá-la por ser investigado (artigo 203 do CPP combinado com artigo 343 do Código Penal). Veja-se que, quando isso ocorre, tampouco a autoridade investigante dispõe de elementos suficientes para formalizar o indiciamento. Nesta situação, em havendo advogado constituído, esse deve ser intimado para o ato, sob pena de, delineado posteriormente o envolvimento da pessoa ouvida, haver nulidade daquela oitiva com reflexo em cadeia nos atos subsequentes dele decorrentes.

Recomenda-se que nas oitivas em que subsista dúvida da qualidade de testemunha ou investigado, sempre se pergunte ao intimado se possui advogado constituído, quem é, endereço, e-mail e telefones de contato profissional, registrando-se os dados no termo de oitiva ou auto de qualificação e interrogatório. Se a resposta do intimado for no sentido de não haver advogado constituído, a negativa é registrada e prossegue-se no ato. Em havendo advogado constituído que não esteja presente, suspende-se o ato para remarcação de nova data com sua intimação, saindo o investigado intimado no próprio ato.

b) advogado pré-constituído ao ato de investigação impugnado (interrogatório ou depoimento de cliente investigado) ou no momento da sua prática, por mandato escrito ou verbal. Este elemento é essencial para que seja cabível a discussão a respeito de eventual decreto de nulidade.

c) o ato praticado é o interrogatório, o depoimento ou ato equivalente. Aqui, o ato de investigação deve imprescindir da presença física do cliente, para que seja possível a assistência do advogado constituído. A lei se limitou a garantir a presença do advogado no “respectivo interrogatório” do seu cliente investigado ou do seu “depoimento”, contudo, a lei deve ser interpretada de forma que abranja todo e qualquer tipo de oitiva do seu cliente, sob pena de frustração do objeto legal, abarcando, pois, não apenas o interrogatório e depoimento, mas qualquer tipo de oitiva feita pelo órgão de investigação, ainda que receba outras denominações como termo de declarações, termo de delação premiada, acareação e reinquirição.

Não há decreto de nulidade para os demais atos de investigação não elencados no inciso XXI, incluído pela Lei 13.245/2016 na Lei 8.906/94, pois a lei não sancionou com nulidade absoluta outros atos de polícia judiciária ou de investigação. Com ou sem a presença de advogado, constituído ou não, serão realizados a reprodução simulada da cena do crime, o reconhecimento pessoal, a colheita de material grafotécnico, observados os parâmetros legais e constitucionais, assegurado o direito do investigado de permanecer calado e os dele derivados, na forma da jurisprudência pátria.

Embora não haja prescrição legal para que a autoridade investigante intime o advogado constituído para os atos acima referidos, o cliente pode informar ao seu defensor a respeito de data e local para a prática do ato e este se fazer presente. Nesta hipótese, a presença do advogado com seus dados profissionais será consignada na peça investigativa, a qual assinará.

d) extensão da nulidade. Serão nulos os atos de investigação subsequentes que se basearem no interrogatório/oitiva do investigado sem assistência de seu advogado constituído. Se a oitiva incorrer em nulidade, deverá se averiguar se as diligências subsequentes se basearam em dados da oitiva para viabilizar novas medidas de polícias judiciária, inclusive representação judicial por medidas cautelares de mitigação de direitos fundamentais. Em caso positivo, serão nulas as provas obtidas a partir da oitiva viciada.

Se o investigado permanecer calado, ainda que seu advogado constituído não tenha sido intimado para o ato, dificilmente se conceberá nulidade de atos de investigação subsequentes, porque não se basearam em qualquer informação ou elemento de prova da oitiva, em razão do invocado direito de permanecer em silêncio. Neste caso, será de nenhuma utilidade a remarcação do ato para que ocorra na presença do advogado constituído, a não ser que a autoridade investigante creia que, comparecendo o advogado, o investigado se sinta confortável para colaborar com a investigação.

Em hipótese de decreto de nulidade do ato e outros dele advindos cabe a aplicação do artigo 157 combinado com o artigo 563 do CPP, tanto quanto ao desentranhamento da prova ilícita obtida em violação a normas constitucionais ou legais, como quanto ao seu aproveitamento quando as provas derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

e) outros apontamentos. A nulidade absoluta “subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente” pode ser suscitada pelo advogado perante a autoridade investigante e reconhecida de ofício por essa, na forma da Súmula 473 do STF “A Administração Pública pode rever de ofício os seus atos eivados com o vício de ilegalidade”.

Ao decidir a respeito da petição ou representação da defesa, a autoridade investigante deverá apreciá-la de forma motivada, de acordo com o artigo 50 da Lei 9.784/1999 (“Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos”). Como bem explicitado no seu § 1º: “A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.”

Da decisão cabe recurso administrativo na forma dos artigos 56 e seguintes da Lei 9.784/1999, sem prejuízo de impetração de habeas corpus.

Situação 4. É obrigatória a intimação do advogado e em que termos ocorrerá?
Se o advogado foi constituído pelo investigado regularmente intimado para depor ou ser interrogado, sua intimação é imprescindível para a consecução da oitiva. Não há formalidades para a intimação que poderá ser feita por meio eletrônico (e-mail, mensagem de texto, mensagem de aplicativos de telefone celular, WhatsApp), ligação telefônica, correspondência com ou sem aviso de recebimento, aerograma ou intimação pessoal.

Se a intimação não foi pessoal e o advogado não se fez presente para o ato de oitiva do seu cliente investigado, recomenda-se a suspensão da oitiva com designação de nova data, agora com intimação pessoal do advogado, saindo o investigado intimado para a oitiva subsequente.

Situação 5: O momento de o advogado apresentar razões e quesitos.
A lei não prevê a obrigatoriedade de o advogado apresentar razões e quesitos, nem que seja intimado para isso. Prevê a lei que o advogado pode, no curso da apuração, apresentar razões e quesitos, sem deixar claro se é durante a oitiva.

A redação legal não é boa, pois disciplina inúmeros assuntos complexos num único inciso. O dispositivo fala em a) assistência a seus clientes investigados; b) nulidade absoluta de interrogatório ou depoimento sem o advogado constituído; c) nulidade dos atos subsequentes ao interrogatório ou depoimento que deles decorreram ou derivaram; e d) possibilidade de apresentar razões e quesitos, no curso da respectiva apuração.

A lei não disciplinou o momento, os efeitos, a necessidade, faculdade ou obrigatoriedade da apresentação das razões e quesitos, nem as consequências do seu indeferimento.

Uma interpretação válida é que a formulação de quesitos e a apresentação de razões só possa ocorrer no ato da oitiva, pois o texto legal trata da presença do advogado constituído no interrogatório ou depoimento.

Contudo, independentemente da novel legislação, nunca houve impedimento para que o advogado apresentasse razões escritas ou verbais durante a investigação e sempre coube, no inquérito policial, ao Delegado de Polícia apreciá-las. Aliás, frise-se que o direito de petição aos poderes públicos, entenda-se Administração Pública, em geral, é assegurado constitucionalmente (artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a” da Constituição Federal de 1988).

Ainda que se considere a natureza inquisitiva do inquérito policial, não transmudada pela novel legislação, o qual é procedimento preliminar administrativo, sem contraditório, o artigo 14 do CPP já admitia o requerimento de diligências pelo ofendido, seu representante legal e pelo indiciado, que se deve entender como “investigado”.

Veja-se: “Art. 14. O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.”

Embora a redação do novo inciso XXI e sua alínea “a” da Lei 8.906/1994, acrescido pela Lei 13.245/2016, não seja clara o suficiente para dirimir todas as dúvidas, sua interpretação conjugada ao artigo 14 do CPP permite a ilação de que o advogado do investigado poderá, a qualquer tempo, apresentar razões, quesitos e requerer diligências.

A autoridade investigante apreciará o requerimento (razões, quesitos, diligências) do advogado do investigado e decidirá de forma fundamentada e sem se descuidar da necessária celeridade da investigação, da sua natureza preliminar, da pertinência e tempestividade da diligência requerida.

Por haver previsão legal de apresentação de razões, quesitos, diligências, o respectivo requerimento deverá ser juntado à investigação e apreciado na forma do artigo 50 e § 1º da Lei 9.784/99, na ausência de outro regramento sobre o tema no âmbito do Código de Processo Penal. Eventual omissão ou negativa de apreciação se sujeitam a recursos administrativos e mandado de segurança.

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    é delegado da Polícia Federal, mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília, especialista em segurança pública e defesa social e professor da Academia Nacional de Polícia. Foi assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça e da Secretaria da Segurança Pública do Distrito Federal.

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