Opinião

Números do Infopen mostram a falência do sistema penitenciário brasileiro

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28 de maio de 2016, 9h00

No último dia 26 de abril, foi divulgado o novo relatório de Informações Penitenciárias (Infopen), cujos dados remontam à situação do sistema carcerário em dezembro de 2014. De acordo com o relatório, algumas (óbvias) verdades acabaram restando devidamente comprovadas.

Em primeiro lugar, ao revelar que a nossa população carcerária já ultrapassou a incrível marca dos 600 mil presos, o Infopen coloca o Brasil no (nada lisonjeiro) quarto lugar do planeta, no número absoluto de reclusos. Nesse ponto, é bom dizer que os presos que cumprem pena em regime aberto ou domiciliar não foram incluídos naquele cálculo, pois, do contrário, o Brasil passaria ao terceiro posto.

Segundo o estudo, a nossa população carcerária é composta por 94% de homens, mais da metade (55,07%) tem até 29 anos de idade e, ainda, 61,67% é de negros/pardos, com baixa ou nenhuma escolaridade. Não bastasse o elevadíssimo número de encarcerados, há que se lamentar, e muito, o fato de que 40% do total (quase 250 mil) é de presos provisórios, ou seja, pessoas que se encontram cerceadas em sua liberdade sem sequer terem sido julgadas.

Tal dado, de um lado, revela uma evidente desordem na aplicação da lei penal – já que, segundo o nosso sistema processual, a regra é que a pessoa responda ao processo em liberdade –, e, de outro, também deixa à calva a face maquiavélica e arbitrária do Estado, pois, segundo estudos realizados pelo Ipea, 37% dos presos que responderam presos ao processo não foram, ao final, condenados ao cumprimento de penas privativas de liberdade.

Ou seja, o que se quer aqui deixar claro é que, daqueles 250 mil presos provisórios que vivem o calvário e as agruras do cárcere, mais de 90 mil deles não precisariam estar ali, pois, quando forem efetivamente condenados, serão apenados com sanções diversas da prisão. Já por este enfoque, logo se pode perceber que o gerenciamento do nosso sistema carcerário deixa muito a desejar.

Realmente, se levarmos em conta os números relacionados ao crônico problema da superlotação dos presídios, logo se perceberá que a prisão desordenada de pessoas — o que ocorre atualmente —, está longe de conferir uma sensação de segurança à sociedade. Pelo contrário. Só serve para agravar, ainda mais, os índices da violência que tanto assustam o cidadão.

De fato, de acordo com o Infopen, o número de vagas no sistema carcerário não acompanhou o aumento de 267% da população carcerária, ocorrido nos últimos 14 anos – em 2000, o Brasil tinha “apenas” 232.755 presos. Hoje, o sistema penitenciário possui pouco mais de 372 mil vagas, ou seja, levando-se em conta que temos mais de 620 mil presos, o déficit de vagas no sistema carcerário é de 248 mil.

Por conta disso, não é preciso ir muito longe para se concluir que, salvo honrosas e poucas exceções, as condições das nossas cadeias são as piores possíveis, podendo ser chamadas, sem dúvida, de verdadeiras masmorras medievais. Diante desse quadro, é evidente que a ideia de ressocialização – que deveria ser a pedra fundamental de todo sistema penitenciário – torna-se uma delirante utopia. Afinal, se o preso é tratado como “bicho”, não se pode esperar que ele saia da cadeia melhor do que quando entrou.

Até bem por isso, lamentavelmente, é que as cadeias tornaram-se um campo fértil para o desenvolvimento de organizações criminosas, afinal, os grandes líderes daquelas organizações, ao protegerem os seus “associados” e ao pregarem o respeito ao preso, acabam preenchendo uma lacuna deixada pelo Estado. Da forma como está a situação hoje em dia, é inquestionável que a permanência do preso no sistema carcerário mais serve para fomentar a criminalidade do que para recuperá-lo para o retorno ao convívio social.

Tanto isso é verdade que, mesmo tendo uma população carcerária tão elevada, a sensação de insegurança dos cidadãos e os índices de criminalidade não diminuíram. Muito pelo contrário!

Induvidosamente, no que concerne ao trato da segurança pública, o Estado se limita a “enxugar gelo”, pois, ao mesmo tempo em que prende um sem número de cidadãos – muitos dos quais não precisariam ser presos –, desordenadamente e sem muito critério, enfrenta sérios problemas tanto para diminuir os altíssimos índices de reincidência quanto para combater a ação desenfreada dos grupos criminosos organizados. É, decididamente, uma luta inglória.

Diante desse quadro, os mais céticos poderiam até afirmar que vivemos uma realidade insolúvel. Ledo engano. Há, sim, solução, porém, não é a prisão desordenada ou o endurecimento das leis penais que irá resolver o problema. O próprio relatório Infopen já revela onde, de fato, está a solução para um efetivo combate à criminalidade no Brasil.

Sem qualquer discussão, a palavra-chave para uma mudança radical dessa nossa triste realidade é “educação”. Com efeito, segundo o levantamento realizado pelo Infopen, 75% dos presos são pessoas analfabetas, alfabetizadas informalmente ou que estudaram até o ensino fundamental completo.

Ou seja, a escolaridade de uma sociedade é forte fator protetivo e preventivo contra a criminalidade. Realmente, não se pode falar em mera “coincidência” o fato de que a imensa maioria dos presos teve pouco, ou nenhum, acesso à educação.

O relatório Infopen, além de mostrar a atual situação do nosso (falido) sistema carcerário, também pode ser compreendido como um importante documento, agora colocado à disposição das autoridades e dos gestores públicos, para guiar as políticas estatais de combate ao crime e à violência.

Não precisamos da “tolerância zero”, como pregam alguns, já que a prisão, por si só, não resolverá os nossos problemas. Faz-se necessária, sim, a “educação total”, ou seja, a adoção de políticas públicas eficientes, que promovam fortes investimentos no sistema educacional do País, tudo para que a educação seja acessível a todos os cidadãos, em todos os níveis sociais.

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