Opinião

Pacto Global do setor imobiliário não garante redução no número de ações

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27 de maio de 2016, 7h30

Resta notório que o mercado imobiliário impulsionado pela facilidade de crédito financeiro à população, nos últimos anos, provocou o crescimento acelerado de novos empreendimentos no país, porém a crise econômica tem diminuído, cada vez mais, o poder de compra dos consumidores, motivo pelo qual os brasileiros têm postergado seu sonho de adquirir a casa própria.

Tal postura tem resultado na desistência de compra de imóveis, nesse momento, ou na própria rescisão de contratos já realizados (distrato), mesmo porque, muitos desses contratos, foram celebrados nos tempos de bonança da economia e, consequentemente, maior confiança do mercado.

Sobre o assunto, foi divulgada levantamento da agência de classificação de risco Fitch que cerca de 41% das unidades comercializadas, entre janeiro a setembro de 2015, foram devolvidas pelos compradores (distrato/rescisão). Esse número é extremamente elevado e coloca em risco, até mesmo, a viabilidade dos empreendimentos imobiliários, além de alavancar a crise do setor, mesmo porque boa parte do valor recebido pelas incorporadoras deverá ser devolvido ao comprador e a nova venda do referido imóvel, caso ocorra, provavelmente será por valor inferior ao projeto no lançamento em decorrência da desvalorização ocorrida atualmente.

Essa devolução é motivo de caloroso debate entre vendedores e compradores. Isto porque as incorporadoras defendem a aplicação da Lei de Incorporações a qual prevê que “O contrato de compra e venda de uma unidade é irrevogável e irretratável” (artigo 32, parágrafo 2º, da Lei 4.591/64) e, assim, requerem a aplicação integral das penalidades inseridas nas cláusulas contratuais celebrada entre as partes. Já os consumidores rebatem argumentando que a cláusula penal estipulada em contrato é abusiva e exigem sua redução para parâmetros mais razoáveis baseada em regra geral do Código de Defesa do Consumidor (artigo 51, inciso IV, e artigo 53).

Diante dessa controvérsia, o número de ações perante o Poder Judiciário é cada vez maior a respeito do tema. Tanto é verdade que o próprio Superior Tribunal de Justiça já se posicionou parcialmente ao editar a súmula 543, que assim dispõem: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”. Contudo, o quantum a ser devolvido continua a ser matéria discutida caso a caso.

Assim, visando diminuir essa controvérsia, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, representado por seu presidente, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, assinou, em 27 de abril de 2016, “Pacto Global” para aperfeiçoamento das relações negociais entre incorporadores e consumidores juntamente com a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça, a Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, a Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Rio de Janeiro (OAB/RJ), a Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc), a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), a Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário (Abami) e a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ).

O “Pacto Global” visa que as incorporadoras, associadas à Abrainc e à CBIC, alterem, a partir de 01/01/2017, inúmeras cláusulas contratuais, até então praticadas, e, ainda, tenta pacificar alguns pontos de extrema controvérsia nos contratos de compra e venda de imóvel na planta. Tudo isso, aparentemente, resguardado pelo respeito às normas do Código de Defesa do Consumidor, especialmente pela presença do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Ordem dos Advogados (RJ) e Ministério da Justiça.

Após análise minuciosa do documento, foi possível constatar que, realmente, houve um avanço com a finalidade de dar maior razoabilidade às cláusulas dos compromissos de compra e venda se comparado aos contratos até então firmados, bem como abordou questões que, até então, não eram discutidas, principalmente relacionadas aos custos (publicidade, impostos, jurídico, administrativo etc.) despendidos pelas incorporadores no desenvolvimento do projeto que precisavam ser levadas em consideração no momento da rescisão por culpa do comprador.

Assim, como já definido no próprio documento, a Secretaria Nacional do Consumidor terá papel crucial ao promover sua ampla divulgação junto aos membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e também aos Tribunais de Justiça, sobretudo “com o objetivo de oferecer o esclarecimento necessário sobre seus respectivos termos e condições almejando respaldo jurisprudencial aos termos do presente compromisso”.

Esse esclarecimento será essencial se observarmos que muitas das alterações realizadas não estão em sintonia com a jurisprudência majoritária praticada, atualmente, pelos Tribunais de Justiça do país e chega ainda a ser, inclusive, contrária à súmula vigente do próprio Superior Tribunal de Justiça ao possibilitar a prorrogação da devolução da quantia paga até nova venda da unidade à terceiros  no caso de rescisão.

Cumpre destacar que uma das principais alterações contratuais estipulada no acordo está ligada à rescisão e, consequente, à devolução de parcelas pagas, tendo em vista que o documento regula de forma clara, no caso de rescisão por culpa do comprador, a fixação de: “(i) multa fixa, em percentual nunca superior a 10% (dez por cento) sobre o valor do imóvel prometido comprar, ou; (ii) perda integral das arras (sinal), e de até 20% sobre os demais valores pagos pelo comprador, até então”. Cláusula essa mais benéfica ao consumidor se comparada às  anteriormente inseridas nos contratos.

Outra novidade é a fixação de multa compensatória contra as incorporadoras no caso de atraso na entrega da obra a partir do prazo de carência (0,25% ao mês sobre o valor adimplido) até a expedição do “habite-se” (2% uma única vez mais 1% ao mês, ambos sem a base de cálculo definida no “Pacto”), além da inserção de informação mais claras a respeito: das taxas de comissão de corretagem (objeto de discussão a respeito da sua validade e legitimidade em recurso repetitivo pendente de análise perante o Superior Tribunal de Justiça); dos materiais publicitários (meramente ilustrativos); da possibilidade de antecipação o vencimento das parcelas no caso de entrega antes do prazo convencionado; entre outras.

Ora, não podemos esquecer que o fato dos compradores assinarem um contrato com novas regras não os impedem de rediscuti-las perante o Pode Judiciário sob o manto do Código de Defesa do Consumidor, mesmo porque muitas das novas regras não se aproximam do entendimento judicial atual e, assim, o simples fato de altera-las não resulta automaticamente na sua legalidade.

Além disso, não há qualquer comprometimento ou vinculação por parte do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para editar súmulas ou acolher a legalidade das cláusulas sugeridas no referido documento, mesmo porque para que tal ato ocorre-se necessário seria o cumprimento dos requisitos exigidos pelo Regimento Interno do próprio tribunal e Código de Processo Civil.

A grande dúvida que paira a respeito do “Pacto Global” é se os compradores entenderão que as alterações são suficientes para trazerem maior razoabilidade para os problemas enfrentados entre eles e as incorporadoras ao ponto de não procurarem o Poder Judiciário e, caso isso aconteça, se a jurisprudência irá alterar seu posicionamento consubstanciado no novo cenário econômico e no risco de inviabilidade de empreendimentos já vendidos, que, diga-se de passagem, poderá, inclusive, prejudicar outros compradores de boa-fé. Caso nenhuma dessas circunstâncias se concretize, a única saída às incorporadoras será aumentar o lobby junto ao Poder Legislativo com a finalidade de alterar a Lei de Incorporações como é o caso do Projeto de Lei 774, como sugerido no próprio Pacto Global.

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