Forçado e degradante

Compete à Justiça do Trabalho julgar exploração sexual infantil

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25 de maio de 2016, 11h42

A atividade sexual explorada comercialmente por terceiros, mediante remuneração, caracteriza relação de trabalho. Seguindo esse entendimento, a 1ª Turma do Tribunal do Superior do Trabalho negou o recurso de um grupo condenado por exploração sexual comercial de trabalho infantil. 

O relator, ministro Hugo Carlos Scheuermann, refutou a alegação do grupo de que a Justiça do Trabalho não seria competente para julgar o caso, por se tratar de relação de consumo."Lamento muito ter de relatar um processo dessa natureza, onde se vê a repugnante exploração sexual de crianças e adolescentes, mas é dever de ofício", afirmou o relator na sessão de julgamento.

Em ação civil pública, o MPT denunciou 13 pessoas que integrariam uma rede organizada de exploração sexual infanto-juvenil de meninas de 13 a 17 anos. A rede, baseada na cidade de Sapé (PB), envolvia ainda "uma horda de clientes, aliciadores e instrumentadores" e atraía pessoas de outras cidades próximas, com a conivência de motéis da região O grupo era formado de microempresários, políticos, advogados e policiais  O caso foi objeto também de processo penal deflagrado pelo Ministério Público Estadual.

Na Justiça do Trabalho, o MPT sustentou que a exploração sexual de crianças e adolescentes é conduta tipificada pela Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, como forma de trabalho infantil desumana e cruel, com sérios gravames não só em relação às vítimas diretas, mas à sociedade de um modo geral. Ressaltou o impacto coletivo e a natureza transindividual do dano. No mérito, pedia a condenação solidária de todos os citados no valor de R$ 1,5 milhão.

O juízo da 1ª Vara do Trabalho de Santa Rita (PB) afastou por duas vezes a competência da Justiça do Trabalho, e determinou a remessa dos autos para uma das Varas Cíveis da Comarca de Sapé. A sentença identificava a existência de relação de trabalho apenas entre a aliciadora e as meninas exploradas, mas não em relação aos clientes que solicitavam seus serviços. "Essa relação, embora de objeto ilícito, por se tratar de prostituição de menores, não é uma relação de trabalho, mas de consumo", afirmou.

O Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB), ao julgar recurso do MPT, rechaçou a tese de que se tratava de relações de consumo, "mas típicas e ilícitas formas de exploração do trabalho sexual infantil da mulher, em condições análogas às de escravas".

Ao reconhecer a competência da Justiça do Trabalho, a corte regional destacou que o Ministério do Trabalho incluiu a atividade de prestação de serviços sexuais no catálogo Classificação Brasileiro de Ocupações (código 5198-05), reconhecendo-a, portanto, como trabalho. "Os litígios dela decorrentes, notadamente aqueles que envolvem a exploração do trabalho sexual infantil, por óbvio, atraem a competência da Justiça do Trabalho", afirma o acórdão.

O TRT-13 fundamentou a decisão ainda na Convenção 182 da OIT, ratificada pelo Brasil pelo Decreto 3.597/2000. "A legislação brasileira, ao incorporar a Resolução da OIT, indica como de ‘trabalho', e não como de ‘consumo', a exploração da prostituição infantil, o que já atrai a competência da Justiça do Trabalho, senão pelo inciso I, mas também pelo inciso IX do artigo 114 da Constituição da República", assinalou.

A condenação baseou-se ainda em depoimentos que revelaram que os réus poderiam procurar as garotas e pagar-lhes diretamente o preço acertado pelo serviço sexual prestado. "Levando-se em consideração a gravidade dos fatos praticados, a idade dos explorados, a modalidade da exploração, e o indubitável abalo moral e da honra das menores exploradas, fixo a indenização no valor de R$ 500 mil em desfavor dos réus, de forma solidária, a ser paga em favor do Fundo Municipal da Infância e da Juventude de Sapé", concluiu o TRT-18.

No recurso ao TST, os condenados insistiram na incompetência da Justiça do Trabalho. Afirmaram que "nem de longe se visualiza qualquer relação de trabalho", e que as relações mercantis de cunho sexual "encontram-se bem mais próximas das relações de consumo".

O ministro Hugo Scheuermann, porém, rechaçou a argumentação. Ele destacou que a Convenção 182 da OIT, que conceitua a utilização, o recrutamento ou a oferta de crianças para a prostituição como uma das piores formas de trabalho infantil (artigo 3º, alínea "b"), tem status de norma supralegal, de hierarquia superior, inclusive, ao Código de Defesa do Consumidor.

Scheuermann citou diversas definições doutrinárias no sentido de que a atividade sexual explorada comercialmente por terceiros, mediante remuneração, caracteriza relação de trabalho — "trabalho forçado, diante do vício de consentimento, ilícito e degradante, mas trabalho", acrescentou. Para o relator, "não há como considerar a exploração sexual de crianças e adolescentes como uma relação de consumo, sob pena de afronta a princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana".

O ministro registrou ainda que a ilicitude do objeto impede o reconhecimento de vínculo de emprego. Como exemplo, cita diversas decisões do TST relativas à prestação de serviços para o jogo do bicho, objeto da Orientação Jurisprudencial 199 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST.

A decisão foi unânime na 1ª Turma. O presidente do colegiado, ministro Walmir Oliveira da Costa, chamou atenção para a gravidade dos fatos. "Não existe relação de consumo, é uma relação de trabalho promíscua, penalmente punível, vedada tanto pela Constituição quanto pelo Código Penal", afirmou.

O desembargador Marcelo Lamego Pertence parabenizou o MPT pela iniciativa e manifestou surpresa "pela resistência da primeira instância em reconhecer a competência da Justiça do Trabalho, acolhendo a tese da relação de consumo". Após a publicação do acórdão, houve oposição de embargos declaratórios, ainda não examinados pela 1ª Turma. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

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