Protagonismo do STF, a mídia e o
cotidiano da população brasileira
21 de maio de 2016, 8h00
Um amigo nos contou que, faz algum tempo, ao chegar no prédio em que reside, o porteiro anunciou, demonstrando estar sempre conectado, que o Teori ainda não tinha acabado de dar seu voto e perguntou: “É verdade que até a ordem de votação do impeachment vai ter que ser decidida pelo Supremo?”.
Isso revela um fato curioso. As pessoas passaram a conhecer não apenas as instituições (com destaque para os holofotes direcionados ao Poder Judiciário), mas também seus membros. Qual a função do Senado no processo de impeachment? Quem é(ra) o vice-presidente da República? Quem manobra a Câmara? A distribuição de determinada ação no STF será por conexão? O que pensa o ministro Marco Aurélio?
Se hoje as pessoas não sabem mais a escalação da seleção brasileira (sem adentrar, aqui, nas razões para tanto), o mesmo não ocorre com a composição de nossa Suprema Corte. Todos conhecem os atuais ministros pelo nome. Tal fenômeno, além de inédito, não resulta, porém, da tomada de consciência do povo brasileiro. Tampouco se deve à defesa da democracia, ao exercício da cidadania e dos direitos políticos. Na verdade, esse “interesse” decorre da obscena exibição — sempre em nome da transparência — dos julgamentos da Suprema Corte. E a mídia sabe explorar isso.
As sessões de julgamento do Plenário são seguidas nos mais diversos veículos de comunicação, seja pelo rádio ou televisão, seja pelo YouTube ou mesmo o Twitter. Isso para não falar dos incontáveis pronunciamentos dos ministros, sobre fatos e processos, de sua e de outras jurisdições, em jornais, entrevistas, eventos, shoppings centers…
Na verdade, a publicidade e divulgação do trabalho exercido pelo Supremo Tribunal Federal por meio de canais diretos de comunicação se transformaram, rapidamente, num impeditivo para diálogos espontâneos e sinceros. As questões examinadas precisam ser previamente maquiadas, uma vez que restarão, para sempre, na internet. Assim, os argumentos não podem mais ser construídos dialética e coletivamente. Eles devem ser exibidos de modo espetacular. Os votos vêm prontos para que possam ser lidos. E são longos. Observa-se que são, cautelosamente, preparados.
Rubens Casara aponta, a partir de Guy Debord, que estamos diante do processo do espetáculo. Talvez o deslocamento do centro democrático, do Legislativo para o Judiciário — movimento que exige uma postura dos julgadores diversa da incorporação do papel de salvadores — dialogue com o júbilo de ver-e-ser-visto. O gozo escópico da ostentação de ser e estar no centro do poder é o paroxismo da democracia.
Seguindo a metáfora futebolística, na atual escalação do Supremo Tribunal Federal podemos, quem sabe, arriscar quem joga pelo lado Direito e quem atua pelo lado Esquerdo. Embora o meio campo, a meia cancha, esteja sobrecarregada, tudo indica que o time do Supremo não dispõe de um goleador, um verdadeiro matador, e tampouco de um goleiro definido. Tal metáfora, no fundo, mostra o respeito que temos para com os jogadores que se transformaram em estrelas nacionais. E a torcida, composta por centenas de milhões de brasileiros, tem seus jogadores prediletos: uns valorizam aquele jogador que mantém a regularidade do desempenho; outros, preferem o performático; outros, ainda, o técnico.
O problema da fama é que ela precisa ser constantemente sustentada, e as carreiras são potencializadas e hipervalorizadas. No entanto, o comum é que, cedo ou tarde, chegue-se ao ostracismo. Há exemplos bem recentes. A questão é que uma única partida — no caso, uma única decisão — fora da curva, um simples 7 x 1, pode causar um estrago enorme na sustentação imaginária de uma coletividade que deveria acreditar em instituições, e não em artilheiros. Esse é o ponto.
PS: Caro leitor, se você ficou em dúvida acerca da onipresença do STF no cotidiano brasileiro, tente lembrar o nome dos jogadores da última escalação da seleção brasileira e os nomes dos ministros que compõem nossa Suprema Corte. Qual a lista mais completa?
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