Privacidade em xeque

Para Suprema Corte dos EUA, dano por dado falso na internet tem ser provado

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18 de maio de 2016, 13h04

Para ter legitimidade para mover uma ação de indenização contra uma empresa com relatórios de crédito online a interessados, não basta ao autor alegar que esta companhia violou a lei ao divulgar informações incorretas sobre ele. O autor da ação precisa provar que sofreu um “dano de fato” (injury in fact). Isto é: uma “invasão de um interesse legalmente protegido, que gerou um dano concreto e particularizado, real ou iminente, em oposição a conjectural ou hipotético”.

Em decisão publicada nesta segunda-feira (16/5), a Suprema Corte dos EUA reenviou o processo ao tribunal de recursos, que examinou o caso apenas sob o aspecto da particularização. Mas se omitiu na questão de o dano ser concreto ou não. O tribunal de recursos havia decidido em favor do demandante. Em primeiro grau, o juiz decidiu em favor da empresa.

A ação foi movida pelo americano Thomas Robins, com pretensão de transformá-la em ação coletiva, contra a Spokeo, que se define como um “mecanismo de busca de pessoas”. Qualquer um — não só instituições de crédito ou empregadores — pode entrar no site e escrever um nome, número de telefone ou um endereço de e-mail, para receber um relatório sobre o indivíduo “investigado”.

Segundo a decisão da Suprema Corte, em voto escrito pelo ministro Samuel Alito, alguém, não identificado nos autos, pesquisou o nome de Thomas Robins. O resultado da pesquisa foi o de que Robins é casado, tem filhos, cerca de 50 anos, é empregado, relativamente influente e tem formação universitária. Nada disso é verdade, declarou Robins na ação indenizatória que moveu contra a Spokeo.

A ação se justificaria, de acordo com a lei “Fair Credit Reporting Act (FCRA)” de 1970. A lei exige, entre outras coisas, que as agências de relatório de crédito (ou de consumidores) “sigam procedimentos razoáveis para assegurar o máximo possível de precisão das informações”. Prevê também que a agência que provoque “danos reais” (actual damages) ou “danos previstos em lei” (statutory damages) pague uma indenização de US$ 100 a US$ 1 mil por violação. A Spokeo certamente violou as regras e causou “danos previstos em lei”, diz o ministro.

Dano concreto
No entanto, segundo a decisão, Robins não tem legitimidade para processar a empresa. Primeiramente, porque a constatação de que houve “danos previstos em lei” não é suficiente para determinar que houve “dano de fato”. É preciso provar que também dano concreto (a “concretude” do dano), uma exigência da Constituição do país. E o tribunal de recursos deixou de examinar essa questão primordial.

Em segundo lugar, o autor não cumpriu as condições que estabelecem a legitimidade. O demandante deve provar que: 1) sofreu um dano de fato; 2) que o dano é razoavelmente rastreável para se chegar à má conduta da empresa demandada; e 3) que o dano será provavelmente reparado por uma decisão judicial favorável. Como o encargo de estabelecer esses elementos pertence ao demandante, ele tem de “demonstrar os fatos claramente”, em relação a cada um deles.

O voto esclareceu ainda que o qualificativo “concreto” do dano não é, necessariamente, sinônimo de “tangível”. “Apesar de danos tangíveis serem, provavelmente, mais fácil de reconhecer, nós confirmamos em muitos de nossos casos anteriores que danos intangíveis podem ser 'concretos'”, de alguma forma.

O caso despertou muito interesse na comunidade empresarial, especialmente entre as firmas de tecnologia, como Facebook, Twitter e outras que operam mídias sociais, em que informações incorretas podem gerar pedidos de indenização por danos.

Privacidade em xeque
A Spokeo funciona com uma busca em uma ampla variedade de bancos de dados, reúne e fornece ao pesquisador informações de todos os tipos, incluindo as pessoais, como endereço, número de telefone, estado civil, idade aproximada, ocupação, hobbies, finanças, hábitos de compra, preferências musicais etc.

A Spokeo anuncia seus serviços a uma grande variedade de usuários, como instituições de crédito, lojas, empregadores que querem pesquisar o passado de candidatos a emprego (sempre com o grande problema de que o direito ao esquecimento não funciona), pais que querem investigar o namorado da filha e quem quiser bisbilhotar a vida alheia — tudo sem que o pesquisador tenha de se identificar. Boa parte das informações são gratuitas.

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