Paradoxo da Corte

As Arcadas de São Francisco e a Presidência da República

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17 de maio de 2016, 8h00

Após incessante luta de José Feliciano Fernandes Pinheiro — visconde de São Leopoldo — perante a Assembleia-Geral Constituinte e Legislativa do Brasil, em prol da criação de cursos superiores de ensino jurídico em São Paulo e em Olinda, foi aprovado, em 19 de agosto de 1823, um projeto a ser submetido à apreciação de nosso imperador.

Não fosse a insistência do visconde de São Leopoldo, o curso não teria sido instalado na capital de São Paulo, diante da opinião de vários políticos que criticavam a sua posição geográfica, de difícil acesso aos estudantes de outras regiões do país.

Depois de longa e incansável discussão que perdurou nada menos do que quatro anos, vencidas as dificuldades, foi, por fim, decretada a criação de dois cursos de Ciências Jurídicas e Sociais do Brasil, pelo importante Decreto de 11 de agosto de 1827, de acordo com o projeto original, vale dizer, “um na cidade de São Paulo; outro, na de Olinda”, contando com a solicitude do governo central, que atendeu, de logo, aos termos da lei, promovendo com presteza a execução da determinação imperial.

Assevera, a propósito, Almeida Nogueira (A Academia de São Paulo: tradições e reminiscências, v. 1, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1977, p. 31), que tudo isso foi possível, graças ao empenho pessoal do visconde de São Leopoldo, titular, nessa época, de alto cargo no Império, destacando-se como estadista, historiador e, desde as Cortes Gerais de Lisboa, como exímio parlamentar. 

Importa ressaltar que a ideia inicial que justificava a criação desses cursos jurídicos consistia na carência do aprendizado, no Brasil, para a formação de pessoas, que tivessem aptidão para exercer cargos públicos, nas diversas esferas exigidas em decorrência da independência do Reino de Portugal.

E, assim, norteada por esse ideário genético, não demorou muito para que, em pouco tempo, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco seguisse tal precípua vocação, voltada às causas de conotação política e aos movimentos sociais relevantes à nação.

Na verdade, em todos os episódios mais importantes da história do Brasil, a Faculdade de Direito, incorporada à Universidade de São Paulo em 1934, participou de modo fecundo, desde a Abolição e a República, passando pela Revolução Constitucionalista de 1932 e, em particular, chegando à redemocratização do país.

Notória, pois, é a importância política que as Arcadas de São Francisco conquistaram no curso de nossa história, com expressiva e determinante atuação na defesa pela democracia, especialmente nos momentos em que a força conspirou contra os direitos individuais.

Exemplo marcante desse relevante papel foi a Carta aos Brasileiros, redigida pelo saudoso professor Goffredo da Silva Telles, em 1977, e lida no famoso pátio da academia, a céu aberto. Nas palavras precisas de Celso Lafer, “a carta teve como ponto de partida a herança do que se ensina numa Faculdade de Direito. Teve como ponto de chegada anunciar a erosão do regime autoritário militar instaurado em 1964 ao catalisar no país, a consciência do imperativo do Estado de Direito”.

Vale relembrar, nesse importante período histórico do Brasil, que ao longo de seus quase dois séculos de existência, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco alcançou um de seus mais importantes objetivos, qual seja o de formar juristas, homens e mulheres, com perfil capacitado para exercerem atividade na vida pública.

Além de muitos e brilhantes juristas, advogados, juízes e promotores, tornaram-se bacharéis pelas Arcadas 54 ministros do Supremo Tribunal Federal, inúmeros ministros do Superior Tribunal de Justiça e ainda uma seleção infindável de influentes parlamentares.

Ademais, desde o fim da Monarquia e o início da República, ocasião em que os bacharéis que ali se formaram se reuniram durante a Convenção de Itu, em 1873, provocada pelo movimento republicano, encontrava-se, dentre eles, o futuro presidente da República Prudente de Moraes, formado em 1863, que governou o Brasil entre 1894 e 1898.

A partir desse momento, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, podendo ser considerada como verdadeiro celeiro de próceres, teve, como antigos alunos, mais 12 presidentes da República.

Após o governo de Prudente de Moraes, ocuparam, sucessivamente, a Presidência: Campos Salles (turma de 1863), de 1898 a 1902; Rodrigues Alves (turma de 1901), de 1902 a 1906; Afonso Pena (turma de 1870), de 1906 a 1909; Wenceslau Braz (turma de 1890), de 1914 a 1918; Delfim Moreira (turma de 1890), de 1918 a 1919; Artur Bernardes (turma de 1900), de 1922 a 1926; Washington Luiz (turma de 1891), de 1926 a 1930; Júlio Prestes (turma de 1906), eleito em 1930, não chegou a tomar posse; José Linhares (turma de 1908), de 1945 a 1946; Nereu Ramos (turma de 1909), de 1955 a 1956; e Jânio Quadros (turma de 1940), que foi presidente em 1961.

O 13º presidente da República, bacharel pelas Arcadas da turma de 1963, é Michel Temer, que já demonstrava seus dotes de orador e de hábil conciliador no exercício ativo da política estudantil.

Michel Temer teve passagem marcante durante o seu curso de Direito, não apenas pelo tirocínio inato, mas, ainda, por sua invejável trajetória acadêmica. Sofreu direta influência do saudoso professor Geraldo Ataliba Nogueira, de quem mais tarde foi assistente, na PUC-SP, na cadeira de Direito Constitucional, já demonstrando o seu pendor para o estudo do Direito Público.

Independentemente de quaisquer aspectos de índole política, é evidente que a Faculdade de Direito da USP sente-se honrada em ter mais um de seus egressos ocupando o cargo de presidente da República.

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