Outros focos

Novo ministro diz que não é papel da AGU defender tese de golpe

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14 de maio de 2016, 12h07

O novo ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Fábio Medina Osório, afirma que será analisado oficialmente o posicionamento da instituição diante do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Em entrevista ao jornal Correio Braziliense, publicada neste sábado (14/5), ele diz que prefere se manifestar apenas com a conclusão dessa análise, mas adianta que um advogado-geral da União “jamais poderia sustentar uma tese de golpe de Estado em curso no nosso país”, sem citar o nome do antecessor.

A atuação do ex-ministro José Eduardo Cardozo na defesa de Dilma foi criticada internamente, inclusive por associações de classe. Segundo ele, caberia à AGU defender chefes do Executivo e outros servidores públicos por exercício do cargo. Para Osório, “a AGU só pode atuar quando haja um ato impugnado revestido de interesse público”.

Jorge Pinheiro/Divulgação
Segundo Medina Osório, anterior AGU deixou de acompanhar outros processos por foco na defesa de Dilma Rousseff.
Jorge Pinheiro/Divulgação

Na entrevista, o ministro diz que dará ênfase à prevenção de ilícitos no setor público, para evitar ações judiciais, e que planeja acompanhar de perto discussões caras ao governo que tramitam no Supremo Tribunal Federal , como a forma de recálculo da dívida dos estados e municípios. Promete ainda valorizar as carreiras que compõem a AGU.

Medina Osório foi promotor de Justiça e secretário adjunto de Justiça e Segurança do governo do Rio Grande do Sul. ­É doutor em Direito Administrativo pela Universidade Complutense de Madri e mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 

Leia trecho da entrevista:

Correio Braziliense – Quais são os principais desafios que o senhor vai enfrentar na AGU?
Fábio Medina Osório –
A AGU já teve grandes estadistas. Eu me limito a citar dois ministros que marcaram muito profundamente esta instituição: Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Eles deram uma feição institucional para a Advocacia-Geral da União, profundamente sólida. A AGU precisa hoje, após alguns percalços, que estão talvez marcando mais recentemente a sua história, se caracterizar por uma autoestima dos seus membros, das pessoas integrantes das suas carreiras, valorização dessas pessoas, estímulo. São integrantes extremamente qualificados do ponto de vista pessoal, profissional, intelectual. E, ao mesmo tempo, é necessário tratar as carreiras integrantes da AGU como uma autêntica advocacia de Estado. Vincular cada vez mais a uma advocacia de interesse público. Deve haver a valorização das carreiras. O maior prestígio possível.

Correio Braziliense – Em Brasília, quando se fala em valorização de carreiras, automaticamente se pensa em aumento de salário, que acabou de ser aprovado. Como o senhor vai lidar com isso?
Fábio Medina Osório –
A valorização de profissionais é uma pauta muito mais complexa do que mero aumento salário. Eu, que já integrei o Ministério Público por mais de 14 anos, sei que passa por uma agenda mais sofisticada que salário. Passa por meritocracia, valorização, prestígio, motivação, por ideias. Estrutura de trabalho, atribuições, respaldo, conjunto de fatores que transcendem completamente a questão salarial. […]

Correio Braziliense – O senhor fala em advocacia de estado. O que difere uma atuação de uma defesa de estado de uma defesa do governo?
Fábio Medina Osório –
Eu falo em defesa de estado porque nós temos que ter sempre a noção — e isso tem sido enfatizado pelo presidente Michel Temer — de que os governos são todos passageiros, e essas carreiras permanentes são de estado e, portanto, todo governo, ao formular políticas públicas, acaba formulando também políticas que merecem sempre uma perspectiva de continuidade administrativa. É inaceitável que o governo que se instale nesse país promova o desmonte da máquina pública.

Correio Braziliense – Havia algumas críticas de que o ex-ministro agia como um advogado de governo fazendo a defesa de Dilma. Como fica isso agora?
Fábio Medina Osório –
Esse é um tema que será oficialmente analisado pela AGU. E, portanto, nós não nos pronunciaremos ainda formalmente sobre o assunto, que poderá ter desdobramentos. Teremos de formalizar um posicionamento sobre este tema, ou seja, sobre qual é o reflexo jurídico da atuação anterior da AGU nesses processos, a jurisdicidade dessa atuação, e a posição da AGU nesses processos.

Desde logo, nós temos uma perspectiva de que a AGU só pode atuar quando haja um ato impugnado revestido de interesse público. Nesses casos também, ela defende o agente político. Se houver no ato impugnado o interesse público poderá defender também o agente político eventualmente envolvido no processo.

Correio Braziliense – Em relação a um dos processos no Supremo, o que trata da dívida dos estados. Tem alguma ação que o senhor vai apresentar?
Fábio Medina Osório –
A AGU vai acompanhar muito de perto, até porque o anterior AGU não pôde acompanhar esse processo porque estava envolvido na defesa pessoal da presidente da República no processo de impeachment.

Correio Braziliense – O senhor entende, então, que a defesa foi pessoal. Entende que houve um desvio na conduta do AGU nesse sentido?
Fábio Medina Osório –
Posso adiantar que, do ponto de vista jurídico, havia e houve fundadas dúvidas sobre os limites, tanto que associações de classe suscitaram uma perplexidade. Agora, para analisar com maior profundidade, tem que se analisar os atos praticados, e quais foram as teses levantadas. Porque não podemos esquecer que a AGU também tem um compromisso ético com o tipo de tese que ela sustenta em juízo. Ela não pode afrontar os poderes de Estado. Um advogado-geral da União, por exemplo, jamais poderia sustentar uma tese de golpe de Estado em curso no nosso país. Isso sim seria algo completamente inapropriado.

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