Opinião

Permuta entre magistrados de tribunais de Justiça é uma consequência natural

Autor

14 de maio de 2016, 7h37

Não há como negar. Em tempos de redes sociais, WhatsApp, Telegram e tantas outras ferramentas digitais, o mundo se transformou em uma aldeia global, como preconizava Marshall McLuhan na década de 1960, ao desenvolver a teoria da abolição das distâncias e do tempo em decorrência da velocidade do processo de comunicação, nos conduzindo a superar as barreiras culturais, étnicas, geográficas e sociais.

Se tal conceito é verdadeiro em escala global, o que não dizer no âmbito do país. Se antes a interação se limitava aos que residiam em nosso espaço geográfico ou com quem tínhamos algum tipo de afinidade, hoje uma rápida olhada, por exemplo, “nos amigos do Facebook” ou “nos seguidores do Twitter”, demonstra que o cidadão médio passou a interagir com pessoas de todos os recantos do mundo, colhendo informações em tempo real.

Sem dúvida, esse fenômeno trouxe reflexos nos mais diversos segmentos, e a magistratura estadual não ficou de fora desse contexto. Não raro, os inscritos nos concursos públicos para ingresso na carreira são, em sua maioria, oriundos de outros estados, em razão da facilidade de informação a respeito desses certames. Passou a ser comum encontrar-se entre os aprovados pessoas com diferentes origens e sotaques.

Essa é uma realidade, diga-se de passagem, positiva, na medida em que contribuiu para arejar as mentes e os corações da então ensimesmada “Justiça dos estados”, retirando-lhe um quê de provincianismo. Todavia, o efeito colateral desse fenômeno tem se traduzido pela constante exigência, sobretudo dos magistrados mais novos, de se dar efetividade, em caráter amplo, ao que assentou o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Adin 3367-1, ou seja, de que a magistratura é nacional.

Naquela decisão, o relator da ação que contestava a constitucionalidade do Conselho Nacional de Justiça, ministro Cezar Peluso, assinalou “que o Poder Judiciário tem caráter nacional, não existindo, senão por metáforas e metonímias, ‘Judiciários estaduais’ ao lado de um ‘Judiciário federal’”, para acrescentar que “negar a unicidade do Poder Judiciário importaria desconhecer o unitário tratamento orgânico que, em termos gerais, lhe dá a Constituição da República”.

Transcorridos 11 anos dessa histórica decisão, o CNJ, a partir da sua instalação, tem posto em prática esse conceito de magistratura nacional, por vezes, sem mesmo observar as peculiaridades locais, o que causa, em determinadas questões, vide as audiências de custódia, embaraços para sua concretude.

Seguindo essa esteira, e ouvindo os reclames da magistratura estadual, que embora tenha as mesmas obrigações e restrições da trabalhista e federal, porém sem o mesmo direito à mobilidade, a Associação dos Magistrados Brasileiros formulou, ao CNJ, um pedido de providências no sentido de que seja autorizada a permuta entre juízes vinculados a diferentes tribunais de Justiça.

Sim, há essa demanda, e não é apenas dos juízes que prestaram concurso fora de seus estados de origem, afinal, a vida não é estática. Mesmo aqueles que escolheram o seu próprio estado para ingressar na magistratura podem ter razões de natureza afetiva, familiar ou de outra índole para almejar uma maior mobilidade, sem que isso represente um recomeço de vida.

O inciso VIII-A do artigo 93 da Constituição Federal, aliado à decisão do STF reconhecendo o caráter nacional da magistratura, dá suporte à pretensão da AMB, mormente porque a estrutura federativa, nos termos do assentado pela corte suprema, restringe-se aos poderes Executivo e Legislativo, o que dá ao Judiciário um caráter singular.

As aparentes dificuldades para a regulamentação da permuta de magistrados vinculados a tribunais de Justiça diversos são facilmente superáveis.

A compensação previdenciária, a fixação de requisitos específicos para concorrer a permuta interestadual, a adequação das carreiras dos estados a que se encontram vinculados os permutantes, a atenção ao interesse público, conferindo aos tribunais de Justiça envolvidos no processo à última palavra, são aspectos, entre outros, que podem e devem ser regulamentados pelo CNJ, de modo a garantir efetividade ao conceito de magistratura nacional também no campo da mobilidade geográfica.

Talvez, para quem ainda está arraigado a conceitos pré-concebidos, a regulamentação da permuta entre magistrados de estados distintos possa parecer uma ousadia. Para esses, é bom lembrar Fernando Pessoa: “Tudo é ousado para quem nada se atreve”.

Autores

  • Brave

    é juiz de Direito da 6ª Vara Cível de São Luís (MA), coordenador da Justiça estadual da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e presidente da Associação dos Magistrados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!