Opinião

Amanhecer com Michel Temer promete horizontes já vistos

Autor

  • Raquel Elita Alves Preto

    é PhD doutora em Direito pelo Departamento de Direito Econômico e Financeiro da Faculdade de Direito da USP presidente da Comissão de Estudos de Tributação e Finanças Públicas do Iasp conselheira da ABDF e membro do Cedau.

13 de maio de 2016, 17h29

Com o afastamento de Dilma Rousseff e a consequente assunção da Presidência da República por Michel Temer, ainda que interinamente, neste primeiro momento, mas já quase definitivamente por força dos indicadores contextuais políticos que ficaram evidenciados ao longo das últimas semanas e horas, a sociedade civil brasileira passa a ter muitas expectativas com relação ao futuro da nação; enormes expectativas, aliás. E é natural que as tenhamos, haja vista o excruciante período de incertezas políticas e governamentais ao qual temos sido todos submetidos ao longo do último ano e meio e, especialmente, nos últimos meses. E fato é que caímos e estamos dentro de um enorme e profundo precipício macroeconômico, financeiro, estrutural e social. Resta agora saber se o novo presidente terá capacidade para nos tirar desse precipício em que acabamos mergulhando, e, se conseguindo, em que medida conseguirá fazê-lo.

Evidentemente, numa primeira abordagem analítica, não será racionalmente possível esperar de um governo Temer exatamente o mesmo que se poderia esperar de um governo que tivesse um mandato inteiro pela frente, temporalmente falando. Porém, por outro lado, é possível esperar, sim, que o experiente político Michel Temer consiga compensar a quantidade mais limitada de tempo disponível que terá para governar o país com o tamanho não pequeno de sua capacidade de articulação política, já comprovada ao longo de muitos anos de vida pública — três décadas e meia.

Se concordamos ou gostamos de seu perfil de atuação política ou não, isso perde relevo neste exato momento, porque agora o que realmente interessa ao Brasil é a sua capacidade de governar, de agir em concreto. E mesmo considerando que no Brasil contemporâneo, para que alguém governe, é preciso que ele tenha também capacidade de movimentação nos corredores políticos do Legislativo federal brasileiro. Ocorre que, de fato, isso não deve ser dificuldade para o experiente político Temer, haja vista seu sucesso e desenvoltura seguidamente comprovados ao longo dos anos, inclusive em períodos histórico-políticos anteriores, como, por exemplo, durante o governo FHC.

Feitas essas observações preliminares, pragmaticamente, o mais fundamental e estratégico para a sociedade brasileira neste momento é que tenha o presidente em exercício capacidade de governar com qualidade, pautado por muita responsabilidade fiscal, imbuído de profundo espírito republicano, mas também com sensibilidade democrática, que, de tal sorte, haja apaziguamento social mínimo, combinado com contexto estrutural e conjuntural mais positivos e adequados, pois apenas com a conjugação desses aspectos seremos capazes de iniciar a longa escalada em direção à saída do precipício em que caímos.

E fato é que, para que seja razoavelmente bem-sucedido, o novo presidente da República precisará ser capaz de fazer escolhas estratégicas mínimas quanto a assuntos maximamente fundamentais.

Sem dúvida, tratar dos aspectos financeiros do Estado, enfrentar com vigor a questão orçamentária em todas as suas dimensões será crucial. Portanto, reduzir o absurdo número de cargos comissionados hoje existentes na estrutura governamental federal ou, ainda, reduzir drasticamente as chamadas "despesas discricionárias" — hoje representando aproximadamente 10% do orçamento público — serão assuntos incontornáveis, especialmente porque a sociedade civil não suportará nem tolerará qualquer aumento de carga tributária.

Aliás, uma redução corajosa de carga tributária, conjugada com igualmente corajosa e frontal redução de gastos públicos, poderia ser uma daquelas medidas heroicas, e quase dramáticas, que situações igualmente dramáticas exigem. Uma medida dessa envergadura poderia ser aquele agente catalisador que viria dar um choque contundente de gestão em favor da reversão do cenário macroeconômico brasileiro de recessão e desemprego. Há precedentes mundiais favoráveis para uma medida heroica e corajosa nessa direção.

Porém, decisões mais heterodoxas, que efetivamente rompam com parâmetros mais tradicionais, assim como seria a escolha de nomes mais técnicos e menos políticos para encabeçar ministérios, infelizmente não parece ser a tendência do novo governo Temer. Há já nestas poucas horas de exercício do cargo diversos sinais indicadores que revelam a tendência às escolhas mais tradicionais.

Prova disso, por exemplo, pode ser vista na absurda e inaceitável ausência de mulheres dentro do grupo estrategicamente escolhido para trabalhar com o novo presidente em prol do país. Um descalabro completo em termos de falha sistêmica e histórica no quesito da representatividade democrática, haja vista que apesar de sermos maioria populacional, 51,5% de mulheres no Brasil, simplesmente não estamos na equipe que colaborará com a reconstrução do país.

Essa tendência à reiteração de comportamentos tradicionais e esgotados, do ponto de vista de efetivas transformações qualitativas para o país, fica infelizmente evidente, portanto. E por decorrência, o amanhecer com Temer promete horizontes já vistos dantes, não tão interessantes para a resolução estrutural de problemas estratégicos fundamentais da nação, que requerem mais ousadia, como é o caso da essencial reforma política e partidária que o Brasil tanto precisa, ou ainda da efetivação de políticas públicas de maior envergadura estratégica para o médio e longo prazos da nação, como seria o caso da construção de uma política pública educacional transformadora.

Entretanto, apesar de um cenário potencialmente não tão favorável para os não tão novos amanheceres com Temer que se descortinam, há forma de provocarmos rupturas comportamentais mais estratégicas no governo que se inicia.

É a sociedade civil mobilizada de forma racional, realista, constante e maciça, a ponto de sermos capazes de forçar a concretização de exigências frontais e absolutamente claras quanto a um acervo importante de atos governamentais estratégicos, que seriam capazes de mitigar as perdas incomensuráveis que o país já teve e que possam pavimentar um futuro de qualidade.

Somente a sociedade civil exigente, fiscalizadora e em constante movimentação será capaz de provocar a quebra de comportamentos políticos e governamentais mais tradicionais, pouco criativos e não comprometidos com o futuro mais ampliado da nação brasileira. Temos que provocar melhores e mais interessantes amanheceres.

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    é PhD, doutora em Direito pelo Departamento de Direito Econômico e Financeiro da Faculdade de Direito da USP, presidente da Comissão de Estudos de Tributação e Finanças Públicas do Iasp, conselheira da ABDF e membro do Cedau.

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