Opinião

CSLL e IRPJ no contexto dos tratados internacionais

Autor

  • Glauco Octaviano Guerra

    é auditor fiscal da Receita Federal. Mestrando em Direito Tributário na FGV Direito SP e membro do Núcleo de Direito Tributário Aplicado da mesma instituição.

12 de maio de 2016, 7h17

No âmbito dos tratados internacionais para evitar a dupla tributação, tem sido objeto de discussão a ampliação interpretativa dos efeitos fiscais adstritos ao IRPJ à apuração da CSLL. Considerando o fato dos tratados se reportarem somente ao IRPJ, mas que, dada a similaridade de apuração com a CSLL e das características entre estes tributos, discute-se a possibilidade de estender tais efeitos à referida contribuição, especialmente acerca da dedução dos recolhimentos realizados por empresas nacionais em países signatários, o que vem sendo motivo de controvérsia entre os contribuintes e o fisco.

Houve três momentos distintos na formalização e interpretação destes tratados, a saber: primeiramente, antes da criação da CSLL (instituída pela Lei 7.689/1988, em 16/12/1988); um segundo momento, com a coexistência das duas espécies tributárias, onde ora havia a menção expressa à CSLL no texto dos tratados, ora se tratava somente do IRPJ; e, recentemente, com o advento do artigo 11 da Lei 13.202/2015, que estendeu os efeitos interpretativos do IRPJ à CSLL nos acordos e convenções internacionais.

A previsão contida no artigo 11 da Lei 13.202/2015 — conversão da Medida Provisória 685/2015 —, estabelece, para efeito de interpretação dos acordos e convenções internacionais celebrados pelo Brasil com vistas a evitar dupla tributação da renda, a inclusão da contribuição social sobre o lucro líquido na mesma situação jurídica do IRPJ.

No que tange aos efeitos prospectivos do referido dispositivo, parece não haver qualquer discussão acerca da aplicabilidade à CSLL para autorizar as deduções de valores pagos no exterior. No entanto, a discussão ganha relevo sobre a possibilidade de atingir fatos geradores já ocorridos, ou seja, os efeitos retroativos aptos a beneficiarem empresas nacionais (e estrangeiras com negócios no Brasil) que eventualmente tenham realizado pagamentos desta espécie tributária em países signatários.

Primeiramente, impende destacar que o dispositivo não estava previsto na Medida Provisória 685/2015 — diploma que instituía o Programa de Redução de Litígios Tributários (Prolerit) -— sendo incluído quando da conversão pelo Congresso Nacional na Lei 13.202/2015. Registre-se, neste passo, que a exposição de motivos da MP, ante a ausência deste artigo, não faz qualquer menção ao caráter teleológico de tal previsão, especialmente acerca da intenção do legislador em relação aos efeitos retroativos às obrigações tributárias dos contribuintes beneficiários da dedutibilidade, ainda que esta intenção apresente efeitos modificativos e não interpretativos.

Com efeito, a questão submetida à apreciação é a seguinte: o dispositivo em exame, não obstante a denominação formal interpretativa, materialmente cria ou modifica situações jurídicas já consolidadas pela norma de incidência anterior a sua vigência? A depender desta resposta, qual o tratamento que o fisco deve empreender na análise da apuração da CSLL que tenha, ao abrigo de acordos e convenções bilaterais desta natureza, utilizado o aludido benefício?

A questão não é de fácil compreensão. Em face da complexidade do assunto, cabem algumas reflexões iniciais. Em primeiro lugar, o artigo 106, inciso I, do CTN expressamente estabelece o efeito fiscal para atingir fatos pretéritos, em qualquer caso, desde que a espécie legislativa seja expressamente interpretativa. A dúvida é se o dispositivo que cria o benefício se enquadra nesta moldura.

Releva destacar que antes da vigência do dispositivo legal, a RFB já havia se pronunciado sobre a impossibilidade de utilização das deduções de recolhimentos CSLL no exterior, por analogia aos termos dos tratados que se reportassem somente ao IRPJ. A Nota Técnica COSIT 41/2011 expediu orientação no sentido de que os tratados internacionais para evitar a dupla tributação deveriam conter previsão expressa, em seu texto, para serem aplicados à CSLL. Ocorre que, mesmo no âmbito da Fazenda, a questão na se apresentava como pacífica, pois havia dentro do contencioso, notadamente no Carf, decisões extremamente conflitantes sobre a amplitude dos efeitos dos tratados.

O Brasil, na condição de signatário de diversos acordos bilaterais com esta finalidade — por exemplo, com países do Brics (China e Índia) e da América do Sul (Chile e Peru) —, em alguns deles aportou literalmente a previsão do alcance dos procedimentos para evitar a dupla tributação à CSLL. No entanto, as empresas brasileiras, com sede em países cuja a existência dos indigitados acordos sem a contrapartida literal para a mencionada contribuição, passaram a utilizar o benefício aplicando uma interpretação por analogia e em respeito o princípio da isonomia, fato que motivou uma série de lançamentos de ofício.

Neste mister, não obstante a natureza de cada tributo, aduzida a partir de uma visão tradicional da doutrina, entendiam que tais espécies eram extremamente semelhantes, haja vista a identidade de apuração e a incidência sobre o lucro, a sistemática de deduções praticamente a mesma, bem como, a despeito da formal destinação dos recursos para a contribuição, a desvinculação de tais receitas derivadas, de maneira que o produto da arrecadação de ambos era utilizado pelo Tesouro para o cumprimento de todas as obrigações referentes às despesas orçamentárias em geral.

Pois bem, diante de entendimentos divergentes da RFB e das empresas, a correta leitura do artigo 11 da Lei 13.202/2015 ganha fundamental importância para dirimir o contencioso passível ainda de decisão definitiva. Em que pese não haver qualquer menção na exposição de motivos da norma, o dispositivo teve sua motivação explicitada no Parecer da Câmara Federal 90/2015, no qual se consignou expressamente que a inclusão do dispositivo visa sobretudo evitar que os países signatários imputem ao Brasil o descumprimento dos tratados ao cobrar a contribuição social de empresas estrangeiras que auferirem lucros no território nacional.

Destacou-se ainda que a inadequação da cobrança da CSLL poderia ficar evidente nos casos de exigência do tributo mesmo antes da vigência da MPV 22/88, posteriormente convertida na Lei 7.689/88, diploma que instituiu a multicitada contribuição social.

Portanto, o objetivo teleológico da norma visa, de um lado, impedir que o Brasil seja acusado de descumprir tratados internacionais, e de outro, evitar que haja uma interpretação restritiva na interpretação dos acordos já vigentes, especialmente aqueles anteriores à própria criação da contribuição.

Como se denota, o critério teleológico aponta categoricamente para a extensão dos efeitos do dispositivo, de molde a se interpretar situações pretéritas de maneira análoga entre IRPJ e CSLL

No entanto, há um caso na jurisprudência que parece guardar certa semelhança com a questão e que merece uma análise mais detida. No passado, o artigo 3º da Lei Complementar 118/2005(com a disposição contida na segunda parte do seu artigo 4º) pretendia modificar o alcance do artigo 168, I, do CTN, notadamente o prazo a ser considerado para repetição do indébito tributário. Buscava o legislador, a pretexto da expressão “para efeito de interpretação”, modificar o prazo prescricional antes consignado pela tese assim denominada “cinco mais cinco anos”, ou seja, tratava-se de impingir aos contribuintes a restrição pela metade do prazo prescricional para o pedido, contando-se somente cinco anos do pagamento indevido.

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 566.621, da relatoria do ministro Luiz Fux, firmou o entendimento de que a Lei inovou no plano normativo, modificando situação jurídica anteriormente definida pela norma então vigente e já sedimentada no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (que havia consolidado o entendimento do “cinco mais cinco”). Tratando-se de preceito normativo modificativo, e não simplesmente interpretativo, o artigo 3º da LC 118/2005 só podia ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que viessem a ocorrer a partir de sua vigência.

Entretanto, embora pareça haver uma singularidade no que tange à identidade jurisprudencial dos fins interpretativos aduzidos no diploma em análise, em verdade, a situação se apresentava substancialmente diversa, na medida que se buscava estabelecer uma restrição ao prazo antes definido na norma tributária e pacificamente sedimentado na jurisprudência, ou seja, tinha o objetivo maior de proporcionar segurança jurídica aos contribuintes e à Fazenda.

Com efeito, considera-se a comparação entre os dois casos, não obstante a aparente semelhança, materialmente equivocada, já que a não tributação da CSLL, em primeiro lugar, não é contemplada com uma jurisprudência pacífica, o que se comprova inclusive quando do exame das diferentes decisões no âmbito do Carf; e, em segundo plano, por não haver antinomia com norma anteriormente existente, haja vista se tratar de eventual lacuna a ser preenchida mediante a regra interpretativa aportada pelo legislador na Lei 13.202/2015. Importa destacar que a retroatividade da não tributação da CSLL seguramente trará mais segurança jurídica às relações já consolidadas no tempo, permitindo com isso uma fluidez dos acordos pelos países contratantes.

Portanto, ainda que haja divergências sobre o tema, forçoso concluir que, com vistas a interpretar os tratados dos quais o Brasil é parte signatária, tendo como objetivo evitar a dupla tributação, ainda que anteriores ao dispositivo legal ora estudado, deve haver escorreita equiparação no tratamento da apuração fiscal adstrita ao IRPJ e à CSLL.

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