Formalidade x realidade

Juridicamente, possibilidade de impeachment de Temer ainda é incógnita

Autor

10 de maio de 2016, 9h11

O vice-presidente Michel Temer (PMDB) é alvo de um pedido de impeachment na Câmara dos Deputados, que teve seu andamento ordenado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio em abril. No entanto, advogados ouvidos pela ConJur divergem se tal processo teria continuidade caso a presidente Dilma Rousseff (PT) seja  deposta pelo Senado e Temer assuma o comando do país.

Reprodução
Reprodução

Esse pedido de impeachment do peemedebista — há outros, como os movidos pelo ex-ministro da Educação Cid Gomes (PDT) e pelo deputado federal Cabo Daciolo (PTdoB-RJ) — é de autoria do advogado mineiro Mariel Márley Marra. Na peça, ele alega que o vice-presidente cometeu uma das condutas que embasam o processo contra Dilma: ter assinado quatro decretos de abertura de crédito suplementar sem autorização do Congresso, que movimentaram, entre 2014 e 2015, R$ 10,2 bilhões (no total, ele assinou sete decretos, que liberaram R$ 10,8 bilhões). De acordo com Marra, tais atos configuram crime de responsabilidade por violação da Lei Orçamentária Anual de 2015 (Lei 13.115/2015) e da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/2000).

No entanto, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), negou o pedido por considerá-lo genérico, e por entender que Temer não tem responsabilidade por atos da gestão Dilma. O advogado então impetrou mandado de segurança contra essa decisão no STF, e Marco Aurélio concedeu liminar determinando que fosse instaurada comissão especial na Câmara para examinar o requerimento. Segundo o ministro, se um pedido de impeachment atende às formalidades legais, o presidente da Câmara deve dar seguimento à denúncia, sem analisar se a autoridade acusada cometeu ou não crime de responsabilidade.

A Constituição Federal, em seu artigo 79, estabelece que o vice substituirá o presidente em caso de impedimento ou assumirá o cargo em definitivo em caso de vacância – causado por renúncia, impeachment, cassação do mandato ou morte. Ainda que não haja previsão constitucional, como aponta a professora de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Ana Paula de Barcellos, é costume que o comando do país seja atribuído ao vice enquanto o titular está em viagem no exterior – mesmo que as tecnologias modernas permitam que ele continue gerenciando o Brasil à distância.   

Nesse período, ele tem autonomia formal para praticar todos os atos de competência da presidência da República, como demitir e nomear ministros e servidores, sancionar leis e assinar decretos. Na prática, porém, os vices apenas tomam medidas previamente determinadas pelo presidente, explica o cientista político Rubens Figueiredo, diretor do Cepac – Pesquisa e Comunicação.

O professor da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro Sergio Praça tem visão semelhante, e, por isso, afirma que Dilma também tem responsabilidade pelos decretos de abertura de crédito suplementar assinados por Temer. “Não como se ele [Michel Temer] tivesse pensado: ‘Deixa a Dilma viajar que eu vou assinar uns decretos’. Ele não fez nada contra a orientação dela”, aponta.

Mas isso não exime o vice-presidente dos atos que pratica na ausência do titular, avalia o cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais Fábio Wanderley Reis. “Não tem cabimento uma interpretação que transforme o vice-presidente, no exercício do cargo de presidente, em mero preposto do presidente temporariamente ausente, em vez de seu substituto pleno, e, portanto, responsável por seus atos”.

Impeachment de vice
Independentemente dos atos do vice durante a ausência do presidente serem praticados seguindo ordens superiores ou por vontade própria, ele pode cometer crime de responsabilidade e, com isso, sofrer impeachment, segundo a maioria dos especialistas ouvidos pela ConJur.

Mesmo que a Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/1950) não inclua o cargo no rol dos passíveis de responsabilização — a saber, presidente, ministros de Estado e do STF e procurador-geral da República —, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 52, I, estabelece a possibilidade. E isso é admitido pelo próprio Michel Temer em seu livro mais famoso, Elementos de Direito Constitucional (Malheiros).

O especialista em Direito Eleitoral Anderson Pomini, do Nelson Wilians e Advogados Associados, inclusive, ressalta ser comum que câmaras municipais cassem, de uma vez só, prefeito e vice por crime de responsabilidade ou quebra de decoro.

Já o professor de Direito Eleitoral da Universidade Presbiteriana Mackenzie Alberto Luis Mendonça Rollo entende que o vice não pode sofrer impeachment. Isso porque os artigos 85 e 85 da Carta Magna só tratam de delitos do presidente e do processo contra ele, e a Lei dos Crimes de Responsabilidade não cita o cargo. “Não se pode aplicar o artigo 52 da Constituição e as condutas da Lei 1.079/1950 por semelhança”, argumenta.

Procedimento contra Temer
Mesmo que o vice possa cair pela prática de crime de responsabilidade, não há consenso se o pedido de impeachment de Michel Temer em curso na Câmara continuaria a tramitar — com a chance de, eventualmente, tirá-lo do cargo — caso Dilma seja deposta e ele assuma a presidência.

Na visão do jurista Lenio Streck, Temer pode, sim, ser responsabilizado por atentar contra a Lei Orçamentária Anual de 2015 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, pois “será presidente com todos os poderes, como o era quando substituiu Dilma durante viagens ou férias da titular”.

Essa também é a interpretação do advogado especialista em Direito Eleitoral Renato Ribeiro de Almeida. A seu ver, o líder do PMDB pode vir a ser julgado pelo Senado, porque os delitos a ele atribuídos são decorrentes de sua atividade como presidente da República.

Diferentemente deles, Rollo, pensa que, ao assumir a presidência, Temer deixa de responder por atos praticados anteriormente. O fundamento dele está no artigo 86, parágrafo 4º, da Constituição, que determina que o presidente não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.  

Ana Paula de Barcellos, por sua vez, destaca que Temer pode argumentar que a assinatura dos decretos autorizando a abertura de crédito suplementar foi um ato meramente burocrático, seguindo ordens de Dilma, o que inviabilizaria o prosseguimento de seu impeachment. Entretanto, ela não acredita que essa alegação, por si só, impeça a análise do pedido pela Câmara ou o julgamento dele pelo Senado.

No fundo, porém, o que vai determinar a continuidade ou não do processo contra Michel Temer será o tamanho de sua base de apoio parlamentar, uma vez que o impeachment tem natureza jurídica e política, recorda Sergio Praça. Conforme sua análise, é improvável que o peemedebista venha a cair, já que deverá ter mais suporte do que Dilma (que, hoje, tem pelo menos 71,5% da Câmara contra ela). Mas o cientista político não descarta essa hipótese, especialmente se o atual vice for envolvido na operação “lava jato”.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!