Opinião

Críticas à saída temporária de Richthofen demonstram desconhecimento da LEP

Autor

  • Lucas Neuhauser Magalhães

    é delegado de Polícia Civil em Santa Catarina ex-delegado de Polícia Civil em São Paulo bacharel em Direito e especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

9 de maio de 2016, 11h43

I – Introdução
Na semana passada fomos bombardeados por alguns meios de comunicação com manchetes noticiando que Suzane Von Richthofen, condenada pelo homicídio qualificado de seus pais, ocorrido em 2002, seria agraciada com o “indulto de Dia das Mães”, o que gerou imediato inconformismo por parte da população, notadamente nas redes sociais.

Para dissertarmos um pouco sobre o assunto, primeiramente é necessário esclarecer as diferenças entre os institutos jurídicos “indulto” e “saída temporária”.

II – Indulto x saída temporária
Como veremos a seguir, indulto e saída temporária são institutos que em muito pouco se assemelham, mas são constantemente confundidos pela mídia e pela população leiga.

II "a" – Indulto
O indulto é previsto na legislação pátria no artigo 84, XII, da Constituição Federal, e no artigo 107, II, do Código Penal, e tem natureza jurídica de forma de extinção da punibilidade. Trata-se de um benefício coletivo, sem destinatário certo, que não depende de provocação do interessado e é concedido ou delegado pelo presidente da República através de um decreto presidencial, atingindo os efeitos penais da condenação criminal.

De acordo com Rogério Sanches Cunha, o indulto pode ser:

 – pleno (quando extingue totalmente a pena) ou parcial (quando concede apenas diminuição da pena ou sua comutação);

– incondicionado (quando a lei não impõe qualquer requisito para a sua concessão) ou condicionado (quando a lei impõe alguma condição – ex: bom comportamento carcerário).

Como vimos, o indulto é um ato administrativo discricionário oriundo do chefe do Poder Executivo que tem o potencial de extinguir a punibilidade de uma coletividade de indivíduos que se encontram em situação assemelhada no cumprimento da pena.  Por costume, temos no Brasil a decretação de um indulto por ano, sempre próximo às festividades natalinas, e por isso mesmo apelidado no meio jurídico (e carcerário) de “indulto de Natal”. Em 2015 o indulto foi expedido através do Decreto 8.615/2015.

Podemos observar que se trata da possibilidade de extinção (indulto pleno) ou redução (indulto parcial ou comutação) de pena condicionada a determinadas condições, por exemplo, o cumprimento parcial da pena (em razão de política criminal e necessidade de redução do número de encarcerados) ou por acometimento de problemas graves de saúde (indulto humanitário). Em outras palavras, o indulto perdoa e extingue a pena, total ou parcialmente.

Brevemente esclarecido o instituto do indulto, passemos a uma resumida análise da saída temporária.

II "b" – Saída temporária
A saída temporária é um benefício previsto nos artigos 122 e seguintes da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) que pode ser deferido aos presos que cumprem pena em regime semiaberto, desde que verificado (i) comportamento adequado, (ii) cumprimento mínimo de um sexto da pena, se o condenado for primário, e um quarto, se reincidente;  e (iii)  compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Tal benesse é uma autorização, como o próprio nome diz, para saída temporária do estabelecimento prisional sem vigilância direta, a fim de possibilitar ao preso a visita a familiares, a frequência a curso profissionalizante ou educacional e a participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Como vimos, o indulto não se confunde com a saída temporária, sendo incorreto, portanto, nos referirmos a “indulto de dia das mães”, “indulto de páscoa”, entre outros, já que o decreto que concede o indulto é publicado há anos às vésperas das comemorações natalinas.

A saída temporária é, acima de tudo, um voto de confiança no reeducando que até então vem cumprindo regularmente sua reprimenda, possibilitando ao juízo da execução responsável pela fiscalização da pena constatar a possibilidade daquele preso em retornar futuramente ao convívio social, seja através da progressão ao regime aberto ou da concessão de livramento condicional. Em última análise, a saída temporária é instituto hábil a checar de forma progressiva as condições para a harmônica integração social do condenado, objetivo principal da execução penal conforme insculpido no artigo 1º da Lei de Execução Penal.

Cada preso tem direito de usufruir até cinco saídas temporárias por ano. As datas para a fruição deste benefício não são fixadas pela legislação, cabendo a cada juízo corregedor dos presídios fixar quando toda a coletividade de presos sub sua jurisdição será agraciada com a saída temporária. Assim, tornou-se costume conceder tal benesse em determinadas datas comemorativas. Em São Paulo, por exemplo, as saídas costumam ser realizadas nas seguintes datas: (i) Natal/Ano-Novo; (ii) Páscoa; (iii) Dia das Mães; (iv) Dia dos Pais; (v) Dia de Finados ou Dia das Crianças.

Cumpre verificar que todos os presos que atendam aos requisitos legais e recebam a autorização devem sair e retornar nos mesmos dias e horários, facilitando a logística e fiscalização por parte dos estabelecimentos prisionais. Seria muito dificultoso conceder a saída temporária em períodos diferentes aos presos, já que resultaria em um grande “entra e sai” de reeducandos durante todo o ano no sistema carcerário.

III – Conclusão

Causou perplexidade e estranheza ao público a concessão de saída temporária de dia das mães à Suzane von Richthofen, já que a mesma cumpre pena de 39 anos de prisão justamente pela morte de seus pais, em 2002.

No entanto, como pudemos observar acima, trata-se de uma infeliz coincidência que dá ares de ironia à decisão judicial oriunda da Vara de Execuções Criminais de Taubaté. A saída temporária é instrumento importante na árdua tarefa do Poder Judiciário de verificar a viabilidade de devolver ao seio social pessoas condenadas por crimes não raras vezes marcados por violência e crueldade, como é o presente caso, sendo a possibilidade de devolver o indivíduo ao convívio familiar finalidade meramente secundária deste instituto.

Como expusemos acima, as datas escolhidas para as saídas temporárias são variáveis de comarca para comarca e visam tão somente facilitar a logística de movimentação e fiscalização da massa carcerária. Portanto, caso determinado juiz opte por realizar uma saída temporária, por exemplo, na Páscoa, todos os presos que cumprirem os requisitos legais para a obtenção deste benefício deverão ser agraciados, eis que se trata de direito público subjetivo dos apenados, sejam eles católicos, muçulmanos, umbandistas, ateus, ou de outras religiões. Da mesma forma funciona a saída temporária do Dia das Mães, devendo ser beneficiados todos os presos que cumpram os requisitos legais para tanto, sejam eles órfãos, tenham a mãe viva, morta ou até mesmo no caso de estarem cumprindo pena pela morte da própria mãe.

Portanto, não deve causar qualquer tipo de constrangimento o deferimento de saída temporária de dia das mães para a condenada em comento, vez que atendidos os requisitos legais para tanto.

Autores

  • Brave

    é bacharel em Direito e especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e aprovado nos concursos de delegado de Polícia Civil de São Paulo e de Santa Catarina.

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