Conduta atípica

Fingir ser policial para aplicar golpe não é crime de falsa identidade

Autor

8 de maio de 2016, 7h55

Quem se passa por policial não comete crime, uma vez que a conduta é diferente da de se atribuir falsa identidade — como tipifica o artigo 307 do Código Penal. Por isso, a Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul aceitou recurso de um homem denunciado e condenado por se fazer passar por policial federal na comarca de Lagoa Vermelha (RS)

A denúncia oferecida pelo Ministério Público diz que o homem se apresentou como policial federal perante dois idosos, pedindo dinheiro emprestado. Um dos homens, desconfiado, negou. Mas o segundo, por achar que se tratava de filho de um antigo amigo, foi com ele até o banco para sacar dinheiro.

O "empréstimo" só não se consumou porque o vigia do banco desconfiou do nervosismo da vítima no caixa eletrônico. Percebendo que o objetivo da abordagem era tirar proveito do cliente, o vigia chamou a polícia, que prendeu o golpista no momento em  que aguardava no carro do idoso. 

O juiz Gerson Lira, da 3ª Vara Judicial de Lagoa Vermelha, julgou procedente a denúncia do MP, por entender que restaram comprovadas a materialidade e a autoria dos fatos delitivos, descritos no artigo 307 do Código Penal. "Não há motivos para desacreditar na palavra das vítimas, idosas, que asseguraram que o acusado se fez passar por policial federal para convencê-las a lhe emprestar dinheiro", escreveu na sentença.

Para o julgador, a falsa identidade, para ser tipificada, deve conter a vontade livre e consciente de se atribuir outra identidade. Por isso, no caso concreto, entendeu estar presente o dolo direto de enganar. Ele condenou o réu a oito meses de prisão, pena substituída pelo pagamento de dois salários mínimos em favor de entidade beneficente indicada pelo Juízo da Execução Penal.

Falsa atribuição
Ao analisar o recurso do homem, o juiz Luís Gustavo Zanella Piccinin, relator na Turma Recursal Criminal, se convenceu de que era caso de absolvição, porque os fatos narrados nos autos não constituem infração penal, como prevê o artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Para ele, identidade é desígnio e atributo pessoal de nome e apelidos que integram o direito fundamental de personalidade, e  não a qualificação "policial federal".

No caso, ele entendeu que o denunciado se valeu de falsa atribuição de identidade funcional para ludibriar e tirar vantagem das vítimas. ‘‘Falsa identidade, para ocorrer, e assim deve ser descrito na denúncia, significa que alguém há de se fazer passar por outrem, de modo idôneo e levando a crer que a vítima mediata ache que a pessoa se passa por outrem. Não caracteriza o crime, por ausente elementar do tipo, quando não se trata de identidade falsa, mas sim de mero designativo de cargo de agente de polícia federal", explicou em seu voto.

Piccinin afirmou que o dolo não é o de assumir identidade alheia, mas o de causar prejuízo mediante identificação como agente da lei. Assim, apesar da mudança de tipificação, apontou não ser possível corrigi-la no recurso, até porque isso não foi pedido pela acusação.

Clique aqui para ler a sentença.
Clique aqui para ler o acórdão.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!