Opinião

Nova lei de empresa júnior não contraria regulamentação profissional

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5 de maio de 2016, 17h46

A sanção presidencial da Lei 13.267/2016, que regula a criação e a organização das empresas juniores, é produto da crescente influência destas entidades e da repercussão que estão promovendo no mercado e na sociedade.

Conforme a definição engendrada na Lei, caracteriza-se empresa júnior enquanto “(…) associação civil gerida por estudantes matriculados em cursos de graduação de instituições de ensino superior, com o propósito de realizar projetos e serviços que contribuam para o desenvolvimento acadêmico e profissional dos associados (…)”1, de forma a reconhecer a prática já estabelecida por mais de 417 entidades vinculadas a instituições de ensino em todo Brasil, tanto públicas como privadas2.

Dentro desta nova norma, sobressai-se o dispositivo do parágrafo 2º de seu artigo 4º, o qual traz previsão para que as empresas juniores ofereçam e executem seus serviços de forma onerosa independente da autorização do conselho de fiscalização de classe da área de atuação profissional, conquanto que o desenvolvimento de suas atividades seja acompanhado pelos docentes da universidade ou por profissionais habilitados no campo.

Em um primeiro momento, poderia ser suscitado que esta norma iria de encontro ao interesse público defendido pelo sistema de regulamentação profissional. Tal interesse é suportado na Constituição Federal, artigo 5.º, inciso XIII, o qual vincula o exercício de profissão às disposições legais específicas visando possibilitar a restrição da liberdade de trabalho, ofício e profissão quando em face de um interesse público predominante que deve ser substancialmente protegido3. Isto também se reflete em sua qualidade de bem jurídico protegido pelo artigo 47 da Lei de Contravenções Penais, que tipifica a conduta de exercício ilegal de profissão.

No entanto, para compreender a natureza desta normativa é preciso ser observado o tipo de serviço que é efetivamente prestado por estas entidades. Assim, é preciso remeter ao conceito basilar de empresa júnior, o qual foi positivado nesta mesma normativa – conforme exposto acima – tendo sido originalmente elaborado pela Essec – L’École Supérieure des Sciences Economiques et Commerciales de Paris, em 1967, onde houve a criação da primeira empresa júnior sob essa nomenclatura, a Essec Conseil.

Segundo este conceito, o propósito destas instituições é, de fato, o de desenvolver projetos que estejam vinculados à capacitação acadêmico-profissional dos estudantes associados. O foco, portanto, não seria promover atividades profissionais propriamente ditas, mas sim os serviços acadêmicos vinculados à área, organizados de forma a proporcionar aos estudantes a capacitação em ferramentas de gestão e administração que lhes faltam na formação universitária. Não haveria, portanto, que se falar em dano pois a natureza da prestação realizada pela empresa júnior é diversa daquela realizada pelo profissional comum, tendo cunho meramente acadêmico.

Esta distinção é especialmente problemática quando se trata de empresa júnior vinculada a curso de graduação de direito. A utilização do termo empresa já é estranha ao mundo jurídico visto que, segundo a teoria dos elementos da empresa adotada no Código Civil de 2002 em seu artigo 996, parágrafo único, a atividade propriamente intelectual, ainda que assistida, não constituiria a categoria empresaria4. Neste mesmo sentido, estabelece o Enunciado 193 da III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho Federal de Justiça, que “o exercício de atividade de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa”.

Como poderia, portanto, haver uma empresa destinada a produção intelectual no ramo jurídico, desenvolvida com propósitos acadêmicos? Para responder a tal, há de se traçar um paralelo entre a atividade advocatícia e a manutenção administrativa de um escritório e seus processos organizacionais, a qual em sua natureza pode ser comparada à atividade de outra empresa qualquer. A empresa júnior de Direito é perfeitamente congruente, portando, desde que se atenha às atividades que pode desenvolver, convergindo para o desenvolvimento destas capacidades gerenciais.

A Ordem dos Advogados do Brasil vem reconhecendo esta situação há algum tempo, tendo se pronunciado a respeito em diversas ocasiões, como pode ser observado no excerto da secional de São Paulo:

“EMPRESA JÚNIOR DE CONSULTORIA – ENTIDADES CIVIS INSTITUÍDAS POR ACADÊMICOS – FUNCIONAMENTO JUNTO A FACULDADE DE DIREITO
A lei não veda a fundação de entidades civis para o exercício de atividades com fins educativos e de aperfeiçoamento do futuro bacharel. As finalidades estatutárias descritas não se confundem com assistência judiciária gratuita, ou prática de estagiários em escritórios de advocacia. Não obstante, devem constar dos estatutos sociais proibições de exercício de quaisquer atividades próprias da advocacia (postulação em juízo, consultoria, assessoria e direção jurídicas – artigo 1º, I e II, do EAOAB), incluindo assistência judiciária gratuita ou demais atos que impliquem captação de clientela e causas, bem como deve constar, explicitamente, no título da empresa e nos artigos do estatuto a expressão "assessoria acadêmica". Encaminhamento ao Presidente do TED com sugestão para eventuais providências das Comissões de Estágio e Exame de Ordem e Prerrogativas do Advogado. (Proc. E-2.264/00 – v.u. em 14/12/00 do parecer e ementa do rel. Dr. Carlos Aurélio Mota de Souza – rev. dr. Licínio dos Santos Silva Filho – presidente dr. Robison Baroni.)

Não deixa aqui de constar que o que se oferece por meio da empresa júnior é, portanto, não uma atividade de cunho advocatício. Os serviços eventualmente prestados a terceiros não se qualificam enquanto assessoria jurídica e sim uma assessoria de natureza acadêmica, ao passo em que os conhecimentos de gestão administrativa são desenvolvidos internamente à instituição.

O mesmo pode ser observado quanto às empresa júniores de outros setores, que não devem encontrar restrições junto aos órgãos fiscalizadores de suas áreas de atuação em face do propósito didático destas e, agora, em face da nova legislação.

Há de ser reconhecido, portanto, o espaço destas instituições de capacitação profissional no âmbito do mercado, sendo o marco legislativo para a regulamentação das empresas juniores um incremento à qualidade do sistema educacional universitário brasileiro, o qual ainda é muito aquém do nível de qualidade que poderia atingir, porém este é um passo a mais na direção deste potencial.

Notas

1 Previsão do artigo 2º da Lei 13.267/2016

2 Segundo censo realizado pela Confederação Brasileira das Empresas Juniores – Brasil Júnior no ano de 2014.

3 Tal sentido e abrangência foi afirmado pelo STF no julgamento da Rp. 930 (RTJ 88/760) em relação à locução “condições de capacidade” contida no parágrafo 23 do artigo 153 da CF de 1967 e reafirmado pelo Plenário da Suprema Corte na atual redação do artigo 5º, XIII, da CF (RE 591.511, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 13/11/2009), com a expressa ressalva de que “as restrições legais à liberdade de exercício profissional somente podem ser levadas a efeito no tocante às qualificações profissionais”

4 Conforme Alfredo de Assis Gonçalves Neto (Direito de Empresa. RT, 2010, p. 74)

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