Opinião

Lições que podem ser extraídas da operação "lava jato"

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3 de maio de 2016, 7h27

A operação "lava jato" trouxe consigo os bons ventos da mudança. A corrupção vem amargando duros golpes. Amainou-se a sensação de impunidade. As investigações são assunto do dia em todos os segmentos da sociedade. A cada delação, a cada eclosão de novas fases da apuração, aguça-se a curiosidade em torno da extensão dos crimes descobertos e seus autores.

As condenações vêm surgindo. A população quer ver gente na cadeia! Este parece ser o único o resultado esperado. Contudo, é para isso apenas que serve um processo criminal?

Consigne-se que a pena não tem natureza meramente retributiva: vingança ante o mal causado pelo autor de uma infração penal. Sua finalidade é essencialmente preventiva: visa a retirar o agente do meio social para que não volte a delinquir (prevenção especial), bem como presta-se à intimidação geral, impedindo que outros intentem delinquir (prevenção geral).

Além disso, o Processo Penal, observado o princípio constitucional do devido processo legal, tem a finalidade precípua de tornar efetiva a aplicação da pena correspondente ao delito praticado. Serve, como fim mediato, para garantir a paz social e indicar pedagogicamente caminhos para o aperfeiçoamento da ordem jurídica. Ao fim e ao cabo de um processo, algo útil deve ser extraído.

Aristóteles dizia que a ignorância tem duas faces: a ignorância de negação e a ignorância de disposição. A primeira trata da ausência completa de conhecimento acerca de um fato; a segunda cuida da falsa percepção da realidade. Muito além da "lava jato", para quem não sabia ou apenas desconfiava, métodos corrosivos da República foram postas à mostra. Motivos agora não faltam para exigir que algo seja feito.

É verdade, nunca se combateu tanto a corrupção. Porém, é perceptível faltar algo para debelar sua pertinácia. O processo criminal, por mais eficiente, não basta para acabar com a criminalidade. Eficiência não é o mesmo que eficácia. Aquela é o fazer bem feito; esta, o fazer aquilo que deve ser feito. E qual seria a lição de casa que estamos deixando de fazer? Reforma política é a resposta.

Cumpre destacar que importantes ações penais contra a corrupção foram deflagradas nos últimos anos, sendo o maior exemplo disso o processo do “mensalão”, que culminou com condenações e prisões de personagens do alto empresariado e da fina flor da política brasileira. Contudo, todos sabem que em pleno curso desse processo, práticas ilícitas continuaram em marcha, conforme revelou o “petrolão”.

Urge aproveitar a oportunidade desvelada pela "lava jato" para concretizar o sopro das boas novas. Um olhar atento para o processo — que não deve ser um fim em si mesmo — acentua o lado obscuro e nefasto do atual sistema de governo, a forma pouco republicana de exercício do poder e a facilidade de capturá-lo em proveito de alguns. Viu-se que a corrupção, quando atacada, não cede: metamorfoseia-se!

A forma como se dá a relação entre o Executivo e o Legislativo no exercício de suas funções, pautada pelo modelo presidencialista adotado, merece reflexões, quiçá com vistas a um semiparlamentarismo, como defendem renomados juristas. Deve-se superar o esgotamento do atual sistema eleitoral proporcional. A reforma política impõe mudanças estruturais no foro privilegiado para julgamento de autoridades. O financiamento de campanha constitui outro fator de inadiáveis alterações legislativas.

Manter coesa a sociedade e reunificá-la em torno de uma agenda programática de efetivo combate à criminalidade (e impunidade) constituem fatores de legitimação do Poder. Boas lições devem ser apreendidas e implementadas.

Tirar do baú a reforma política, sem incorrer em inconstitucionalidades, consubstancia importante ponte a ser construída para a boa interlocução entre governantes e governados na busca da normalidade democrática.

Também seria a melhor maneira de coroar de sucesso todo o esforço empregado pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pela Justiça  Federal à frente da operação "lava jato", cujo mérito ultrapassa em muito os limites da responsabilização criminal, postulando imediatas mudanças para o eficaz exercício da cidadania.

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  • Brave

    é juiz federal em São Paulo, mestre em Ciências Jurídico-criminais, especialista em Direito Penal e professor de Direito Constitucional.

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