Prejuízo à sociedade

Decisão de bloquear WhatsApp é abusiva e desproporcional, dizem advogados

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2 de maio de 2016, 18h06

A ordem de um juiz de Lagarto (SE) para que as operadoras de telefonia fixa e móvel bloqueiem o aplicativo de troca de mensagens WhatsApp por 72 horas a partir das 14h desta segunda-feira (2/5) é abusiva e desproporcional, opinam especialistas. A decisão ocorreu no mesmo processo que levou o vice-presidente do Facebook na América Latina, o argentino Diego Dzoran, à prisão no dia 1º de março, por a empresa ter descumprido ordem judicial de quebrar o sigilo de conversas no WhatsApp entre suspeitos de tráfico de drogas.

Para o criminalista Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados, a medida prejudica usuários do aplicativo e o ambiente de negócios do país. "Nenhum juiz tem o poder de impedir a comunicação de milhares de pessoas que não estão sob sua jurisdição, já que não somos réus no processo que preside. O máximo que poderia era arbitrar multa financeira que pode ser revisada pelas instâncias judiciais. É mais um ato em que o judiciário brasileiro expõe a insegurança jurídica nacional, que é hostil ao empresariado, ao mercado e aos direitos individuais. O FBI moveu todos os esforços para a Apple quebrar a criptografia do iPhone e não se viu o CEO da empresa ser preso por causa disso", afirmou.

Além de abusiva, a medida mancha a imagem do Judiciário em um momento que este Poder busca se aproximar da população, avalia Fábio Martins Di Jorge, do Peixoto & Cury Advogados. “No momento em que vemos com satisfação o Judiciário se apresentando pelas redes sociais, no momento da implementação integral do processo judicial eletrônico, no momento em que juízes fazem acordo e intimações das partes pelo sistema do WhatsApp, enfim, quando sedimentado o princípio da publicidade entre nós, deparamos, infelizmente, com mais uma decisão que viola liberdades individuais e lutas sociais duramente conquistadas. São 100 milhões de usuários prejudicados, negócios e a comunicação de todo o país poderão ser paralisados”.

De acordo com o criminalista Filipe Fialdini, o juiz sergipano poderia ter imposto multa ao Facebook em vez de bloquear o WhatsApp, o que seria mais eficaz e geraria menos danos. “Entendo que a decisão é equivocada, pois prejudica principalmente a população do país inteiro, que utiliza do aplicativo. Parece-me que a aplicação da multa seria mais adequada, pois atinge apenas o alvo”, opina.

Alexandre Zavaglia Coelho, diretor executivo do IDP São Paulo e especialista em tecnologia e inovação, aponta que a decisão demonstra o desconhecimento do juiz de Lagarto (SE) sobre o funcionamento do aplicativo. “Obrigar o WhatsApp a manter o conteúdo de mensagens e gravações seria o mesmo que obrigar as empresas telefônicas a manter conversas gravadas o tempo todo. É inviável operacionalmente e, ao mesmo tempo, pode violar o direito à privacidade”.

O bloqueio do WhatsApp não prejudica apenas cidadãos comuns, mas também as comunicações entre funcionários da Justiça, destaca o criminalista Daniel Bialski, sócio do escritório Bialski Advogados Associados. “Esses sistemas servem inclusive para comunicações quase que oficiais, já que a Justiça usa o WhatsApp para comunicar atos, audiências, formalizar acordo etc. Há, inclusive, na Justiça Federal – 7ª Vara Criminal Federal de São Paulo — portaria que possibilita e regulamenta (portaria 12/15 do Juiz Federal Ali Mazloum) a comunicação de atos processuais pelas vias digitais modernas. Desta maneira, efetivamente, há flagrante ofensa ao direito líquido e certo de todos, e espero que as cortes possam reverter essa arbitrariedade e se possa ser apurado, pelo órgão correcional próprio, a motivação, a correção e a coerência de nova decisão arbitrária, proferida pelo mesmo juiz que antes viu reformada similar decisão”.

O coordenador da pós-graduação em Direito Penal Econômico do Instituto de Direito Público de São Paulo, Fernando Castelo Branco, também acredita que a decisão tem grandes chances de ser reformada em segunda instância, pois prejudica um “bem coletivo bem maior” do que aquele que ela busca proteger. Contudo, o especialista ressalta que “ordem judicial se cumpre, sob pena de se incorrer no crime de desobediência”.

Na visão de Maristela Basso, advogada associada do Nelson Wilians e Advogados Associados e professora da Faculdade de Direito da USP, a decisão decorre de uma rixa entre o WhatsApp e o juiz sergipano que acaba afetando a sociedade.  “Continua a queda de braço entre o WhatsApp e o juiz de Lagarto. Este que, em vez de fazer Justiça e resolver o caso, prefere retaliar a empresa e prejudicar a todos. O WhatsApp, por seu turno, não entrega as informações que deveria por força de lei, criptografadas ou não.”

Por outro lado, a especialista em Direito Digital Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita, do SLM Advogados, defendeu a decisão do juiz sergipano, destacando que ela respeitou as regras do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014).

“Analisando superficialmente, sem a análise do processo judicial, acreditamos na legalidade da medida judicial, vez que cabe a União, Estados e Distrito Federal o estabelecimento de mecanismos de governança multiparticipativa, colaborativa e democrática, nos termos do artigo 24 da Lei 12.965/2014. A ausência de colaboração não apenas infringe o Marco Civil da Internet como também atenta a dignidade da Justiça e das decisões proferidas judicialmente dentro do território nacional”.

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