Segunda Leitura

Pesquisa mostra o ensino de direitos humanos nas academias da PM

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

1 de maio de 2016, 8h00

Spacca
A proteção dos direitos humanos faz parte das preocupações de todos no mundo contemporâneo. Impulsionado pela “Declaração Universal dos Direitos do Homem” em 1948, o tema vem evoluindo, dividido em gerações, começando pela liberdade e terminando no direito a um meio ambiente sadio.

No Brasil, a preocupação com os Direitos Humanos veio com a Constituição de 1988 e a volta à plena democracia. Visando a uma política pública nacional, foi criada a Secretaria dos Direitos da Cidadania, em 1997. Em 2003, ela passou por nova transformação, convertendo-se na Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH)[1].

Com relação ao ensino jurídico, ainda que a matéria Direitos Humanos não costume fazer parte da grade curricular, o interesse por ela vem aumentando gradativamente, sendo comuns as  monografias nos cursos de graduação em Direito, dissertações nos cursos de mestrado  e teses nos de doutorado. Na PUCPR, em 2016, foi implantado o “Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos e Políticas Públicas – PPGDH”.  Livros e artigos sobre o tema há algum tempo abastecem os leitores interessados e nos concursos públicos para as carreiras jurídicas a matéria vem crescendo em importância.

Mas é na atividade policial que ela se mostra cada vez mais discutida. E dentro dos órgãos da Segurança Pública previstos no Brasil (Constituição, artigo 144), a Polícia Militar é a que é mais frequentemente colocada sob análise. A razão é muito simples: a PM é o órgão que trata diretamente com as múltiplas ocorrências, desde uma chamada para uma singela ocorrência policial até a proteção da ordem pública nas mobilizações que reúnem milhares de pessoas. Óbvio que é na PM que a possibilidade de embate é maior.

Se o policiamento é necessário e os confrontos são cada vez mais comuns, com tendência a agravarem-se, é possível partir da conclusão de que a capacitação adequada é imprescindível. Mas não é algo simples capacitar um contingente que, segundo a Revista Exame, era em 2010 de 404.954 policiais[2]. É difícil e isso exige, inclusive, preparo psicológico para enfrentar as situações difíceis a que são submetidos.

Pensando na complexidade e alcance do problema, propus a alunos do curso de graduação em Direito  da PUC/PR, na matéria especial e optativa “Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública”, que promovessem uma pesquisa nas Academias de Polícia Militar e Centros de Formação de Praças da Polícia Militar dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal. Ao invés de fazerem um artigo final a ser avaliado, fariam um levantamento desses centros de formação, oferecendo à sociedade uma visão do ensino da matéria nos órgãos que estão mais próximos do combate na linha de frente.

A colheita de dados estendeu-se de 1º de novembro de 2015 a 28 de fevereiro de 2016, tendo sido feita através de consulta na internet, mensagens eletrônicas e telefonemas. Ela, evidentemente, não teve qualquer viés ideológico, nem  o objetivo de enaltecer ou prejudicar a imagem das 27 Polícias Militares. Foi simples análise de dados, com o escopo de colaborar para o aperfeiçoamento das referidas instituições de ensino, pois, a partir de uma investigação científica isenta, torna-se possível alterar práticas, melhorar o sistema.

Assim posta a questão, vejamos algumas conclusões e os resultados[3].

Examinando os elementos constantes é possível, de forma genérica, afirmar que das 27 Polícias Militares, 17 têm sites específicos para as sua Academias, destes 8 são bons e 9 são deficientes. Há 5 PMs que não tem  possuem site e 3 que divulgam informações através do Facebook.  Em dois estados os órgãos de formação têm outras denominações.

Com relação aos cursos de formação, os Oficiais fazem seus estudos nas  Academias de Polícia, onde elas estão instaladas, e os Praças, ou seja, os Soldados, Cabos, 3º Sargentos, 2º Sargentos, 1º Sargentos e Sub Tenentes, estudam em Centros de Formação. No entanto, há Polícias Militares que optaram por formalizar acordos com Universidades Públicas e estas é que ministram os cursos, dando-lhes o título de Bacharelado em Segurança Pública ou algo semelhante.

O currículo dos cursos de formação e, consequentemente, a apuração das matérias dadas, dificilmente é exibido. Muitos sites não possuem qualquer dado a respeito. Muitas vezes as informações estão fora da Polícia Militar, mas sim em alguma Secretaria de Estado.

Boa parte das informações foi obtida por vias indiretas, ou seja, editais de concurso de ingresso ou de contratação de professores. Outras foram conseguidas através de mensagens eletrônicas ou telefonemas, porém há certa resistência no atendimento, o que se revela por simples falta de resposta. Há também unidades que condicionam as informações a requerimento formal em papel, o que, evidentemente, burocratiza e dificulta a investigação.

Regra geral, são dadas 30 a 60  horas-aula de Direitos Humanos nos cursos de formação de Oficiais das Academias de Polícia Militar e de 12 a 20 horas-aula nos Centros de Formação de Praças. Contudo, esta informação é baseada apenas nos que as disponibilizam, portanto, sem rigor científico.

Algumas Academias têm especificidades interessantes. Por exemplo, os Estados do Ceará e Pará possuem uma Academia única que forma, juntos, os policiais civis e os militares, atenuando a disputa por vezes existente nas duas corporações. A rivalidade entre as duas grandes Polícias Estaduais é, sabidamente, uma das grandes dificuldades do Sistema de Segurança Púbica nacional.

A PM do Rio Grande do Sul exige curso de Direito para os seus Oficiais, iniciativa que gera grande polêmica nas Academias de Polícia. A Bahia, que há alguns anos teve problemas de rebelião dos policiais militares, apresenta site transparente e que revela a preocupação com Direitos Humanos, matéria que ocupa 60 horas-aula no curso de formação de Oficiais.

Há grande diferença entre os cursos e as próprias PMs, por força do tamanho, população e economia dos Estados. Assim, a PM de São Paulo tem escolas diferentes para os Praças, uma para Soldados e outra para Sargentos, além do que estimula o estudo acadêmico, através da oferta aos seus Oficiais de Programas de Mestrado e Doutorado Profissional em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública. Na outra ponta, o pouco populoso Estado de Roraima não exibe em seu site dados sobre os cursos de formação, não sendo possível saber se a matéria Direitos Humanos é oferecida.

Resumindo, o ensino de Direitos Humanos faz parte dos cursos de formação de Oficiais e Praças da Polícia Militar dos Estados e do Distrito Federal, porém o acesso a informações gerais e aos currículos dos cursos revela-se, na maioria dos casos, deficiente.

Em outras palavras, o direito de acesso à informação, previsto no inciso XXXIII do art. 5º, da Constituição Federal e na Lei nº 12.527, de 18/11/2011, não vem sendo atendido da forma desejável, pois boa parte dos sites não oferece informações claras e transparentes. É preciso aprimorar  as informações e isto não depende de verbas elevadas, mas apenas de vontade política dos que têm poder de mando.


[1] http://www.sdh.gov.br/, acesso 27/4/2016.
[2] http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/policial-militar-traz-seguranca-o-tamanho-da-pm-nos-estados, acesso 25/4/2016.
[3] www.ibrajus.org.br, acesso 26/4/2016.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente eleito da "International Association for Courts Administration - IACA", com sede em Louisville (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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