Opinião

As causas de sucesso da operação "lava jato"

Autor

  • Alberto Zacharias Toron

    é advogado criminalista mestre e doutor em Direito Penal pela USP ex-diretor do Conselho Federal da OAB; ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (95/96); membro fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e professor de Processo Penal da Faap.

23 de junho de 2016, 10h22

*Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta quinta-feira (23/6).

"Mas antes de aplicar o tormento, a Inquisição deixava os réus apavorados, por meio de admoestações verdadeiramente sinistras. (…) Escusar-se-ia o Santo Ofício de aplicá-lo [os tormentos] caso Manoel confessasse 'inteiramente a verdade de suas culpas', pelo que o admoestavam… (Trecho do livro Traição, de Ronaldo Vainfas)

Ganhou enorme destaque o fato de que o Supremo Tribunal Federal reexaminará a decisão que autoriza prisões após o julgamento da apelação pelos tribunais. O colunista da Folha Hélio Schwartsman, em opinião compartilhada por muitos, escreveu em 18 de junho o texto Lava Jato ameaçada.

O autor argumenta que, admitida a prisão apenas após o trânsito em julgado, como o Supremo vinha decidindo há pelo menos uma década, perderia a "lava jato", pois o estreitamento dos limites temporais para a prisão "deu enorme impulso às delações premiadas". "Sem essa perspectiva de desfecho rápido, aumenta a tentação dos envolvidos de manter a boca fechada", escreveu.

Sem entrar em questões constitucionais, essenciais para a justa compreensão da controvérsia, o equívoco do articulista é gritante.

Todos os que fizeram delação premiada até 2015, e não foram poucos, tinham a perspectiva, em tese, de recorrer "ao infinito" em liberdade. Os fatos são públicos: empresários como Ricardo Pessoa (UTC) e Léo Pinheiro (OAS) já estavam em liberdade quando se deram os procedimentos para a delação premiada. Sérgio Machado e seu filho nunca ficaram presos.

Portanto, o êxito da "lava jato" não se deveu à recentíssima decisão do STF. Ao lado de uma criteriosa investigação conduzida por procuradores da República e a Polícia Federal, a operação contou com muitas prisões preventivas decretadas contra empresários e a vexatória exposição deles nos deslocamentos à Justiça Federal.

Com prisões preventivas que se perpetuavam e delações de gerentes e diretores da Petrobras divulgadas, quando conveniente e pontualmente, aos quatro cantos, a perspectiva de condenação era alta, ainda mais se considerado o perfil do juiz da causa.

Daí para os empresários "se sensibilizarem" para a denominada delação premiada, que passou a ser uma verdadeira estratégia de defesa, não demorou. O sucesso da "lava jato" tem a ver com a conjugação destes fatores e, francamente, não com a decisão do STF.

Ocorre lembrar que, numa democracia comprometida com a presunção de inocência e o respeito à dignidade humana, o Estado não pode tudo em nome do sucesso investigativo. Disse-o, por todos, o próprio STF, ao qualificar a prática de prender preventivamente para "extrair do preso uma colaboração premiada, que, segundo a lei, deve ser voluntária" como ato "atentatório aos mais fundamentais direitos consagrados na Constituição, medida medievalesca que cobriria de vergonha qualquer sociedade civilizada".

Para concluir com a epígrafe, "Manoel não resistiu a essa pedagogia do terror e, a exemplo de muitos outros réus da Inquisição, pediu para confessar. Vergou-se ao Santo ofício…". É para isso que querem prender antes do trânsito em julgado da condenação?

Autores

  • é advogado criminalista, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais e membro fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

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