Mercado jurídico

Advocacia a preços módicos chega ao Walmart dos EUA

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23 de junho de 2016, 13h49

Possível lista de compras para uma ida a um Walmart dos EUA: verduras, leite, peixe, camiseta, cuecas, televisão, videogame, foto, oftalmologista, cabeleireiro, Imposto de Renda, advogado. A advocacia relaxou seus padrões por um minuto, e a última notícia é a de que diversos escritórios já se instalaram nas lojas do Walmart nos EUA. Um tem até “loja” no nome: The Law Store.

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A ideia surgiu no Canadá, em 2014, e passou quase despercebida pela fronteira com o país vizinho. E, basicamente, segue o mesmo modelo de negócios do Walmart, a maior rede varejista do mundo: vende de tudo, a preços baixos, para um público de menor renda. Por isso, atende a uma grande camada da população financeiramente incapaz de fazer compras em lojas mais sofisticadas.

O advogado Evan Kaine, que já tem “lojas” de advocacia em três Walmarts de Atlanta (Geórgia), a Kaine Law, explicou ao jornal da ABA (American Bar Association) que a instalação de escritórios de advocacia no Walmart preenche uma lacuna no mercado. Existem os escritórios de advocacia tradicional, e os sites que vendem formulários de petições online, como o LegalZoom (ver na ConJur, aqui e aqui).

Os serviços jurídicos prestados por empresas como a LegalZoom são baratos, porque a assistência jurídica é mínima, se existe alguma. O freguês compra um formulário, preenche, protocola em um tribunal e seja o que Deus quiser.

Uma grande parte a população, a que frequenta o Walmart e lojas do gênero, não tem dinheiro para contratar um advogado — e nem coragem de bater na porta de um escritório. No entanto, todo mundo vai ao Walmart, que hoje faz o mesmo papel das antigas praças públicas, disse ao jornal o COO (chief operating officer) da The Law Store, Kurt Benecke. E ninguém tem medo de entrar na loja de advocacia, como não tem de entrar no salão de cabeleireiro ou na loja do oftalmologista do Walmart.

É uma espécie de advocacia para os não endinheirados. Porém, há uma “pegadinha”. A atividade principal, tanto da Kaine Law quanto da The Law Store, é mover ações de indenização por lesões corporais provocadas por acidentes de automóveis, erros médicos, acidentes de trabalho, arbitrariedade policial, danos a propriedades, mordidas de cachorro etc.

Como nesses casos os advogados trabalham por “honorários de contingência” — isto é, trabalham por um percentual da indenização (a fatia do leão), se ganharem a causa —, não é preciso ser endinheirado para mover uma ação indenizatória. É a grande indústria da indenização nos EUA, que só tem como concorrente a indústria de ações coletivas contra corporações.

Via de regra, advogados especializados em acidentes de carros mantêm relacionamentos com profissionais da saúde, especialmente ortopedistas, fisioterapeutas, psicólogos/psiquiatras (danos emocionais), para os quais encaminham clientes — e os quais encaminham clientes para os advogados. E todos juntos contribuem para aumentar o valor da indenização.

Evan Kaine se apresenta como advogado especializado em lesões corporais. Ele disse ao jornal da ABA que sua missão é atender as pessoas que não podem pagar um advogado — o que significa, segundo as estatísticas, 80% da população americana.

Seu escritório é full service, isto é, como o Walmart, “vende de tudo”. Na verdade, porém, ele só atende 20% das pessoas que o procuram no Walmart. As demais, ele encaminha para advogados de sua rede, que podem trabalhar por preços acessíveis. Sua parcela de clientes é, provavelmente, a que busca ações indenizatórias.

“Tudo se resume em oferecer um serviço à comunidade. Temos de minimizar o estigma de que advogados são muitos caros”, ele declarou ao jornal.

A The Law Store também é um escritório full service, mas no sentido mais estrito da expressão: faz de tudo e não repassa trabalho para ninguém. A loja está aberta para quem tem problemas jurídicos relacionados a lesões corporais, indenização por acidente ou doença no trabalho, morte que gera responsabilidade civil (wrongful death), testamentos, procurações, delitos de trânsito, proteção aos idosos, previdência social, Direito de Família, Direito Imobiliário, falência, imigração, pequenas empresas e o que vier.

O site do escritório anuncia “outros serviços”, tais como aplicações para empréstimo, revisão de documentos, um seguro-advocacia para pessoas, chamado MyLawPro Plus, que inclui um check-up jurídico anual, e um seguro-advocacia para empresas, chamado MyLawPro Business ADvantage, que também oferece um check-up anual.

A diretora de Relações Públicas da The Law Store, Katrina Richards, disse ao jornal da ABA que o escritório oferece aos clientes “um cardápio de serviços, por honorários fixos; nada de cobrança por hora”. Explicou que o escritório tem um portal do cliente na internet, no qual ele pode rastrear seu caso. O portal também traz formulários que o cliente pode preencher em casa e submetê-los eletronicamente ao escritório.

“Estamos desenvolvendo uma plataforma que possibilitará maior automação de nossos serviços, disse Benecke. “Assim, podemos ser mais eficientes e amigáveis aos usuários. Além disso, a automação reduz nossas despesas, uma economia que podemos repassar a nossos clientes”, afirmou.

A maioria dos advogados americanos condena essas práticas. E define algumas delas como comoditização da advocacia. Especialmente, há um desgosto tradicional com o comportamento dos advogados especializados em indenização por lesão corporal, que fazem anúncios “gritados” (como os dos vendedores de carros) na televisão e no rádio.

Esses foram apelidados pela classe de “perseguidores de ambulâncias”, pelo fato de alguns escritórios colocarem alguém estacionado perto do prédio do corpo de bombeiros, de onde saem as ambulâncias para socorrer feridos em acidente de trânsito. O costume é seguir a ambulância, chegar ao acidente e entregar cartões de visita do escritório aos acidentados.

A American Bar Association faz pouco para impedir quaisquer dessas práticas. Praticamente se limita a formar comissões de ética, que publica recomendações. Porém, as decisões sobre tais práticas recaem, no final das contas, no tribunal superior de cada estado, que, por uma razão ou outra, não as condenam. Os processos contra a LegalZoom, por exemplo, foram movidos por grupos de advogados em cada estado. Em vão.

*Nota: por que se escreve Wal-Mart e Walmart? A própria empresa explicou em um press release. A denominação social da empresa é Wal-Mart Stores, Inc. A marca registrada da empresa é Walmart. E Walmart é o nome que deve ser usado, a não ser em documentos oficiais.

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