Opinião

Acessibilidade como condição: vagas reservadas e a decisão do TST

Autores

  • Luiz Alberto David Araujo

    é mestre doutor e livre-docente em Direito Constitucional professor titular de Direito Constitucional da PUC-SP membro do grupo técnico que discute projeto do Estatuto da Pessoa com Deficiência e membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional.

  • Adriana Romeiro de Almeida Prado

    é arquiteta urbanista mestre em gerontologia e especialista em acessibilidade. Coordena a Comissão de Acessibilidade à Edificações e Meio do Comitê Brasileiro de Acessibilidade da ABNT. Professora convidada nos cursos de pós-graduação do Gerontologia Ensino Einstein da Universidade Federal de São Paulo e do Instituto Sedes Sapientiae.

22 de junho de 2016, 6h06

Este pequeno escrito é uma colaboração para o tema apresentado pelos ilustres Maurício de Figueiredo Corrêa da Veiga e Luciano Andrade Pinheiro em artigo publicado pela ConJur no dia 6 de junho, sob o título TST pacifica questão do preenchimento de cota de pessoas com deficiência.

Não se pretende aqui criticar as razões expostas pelos autores. E tampouco afirmar que o dever de contratar pessoas com deficiência ficou esvaziado com a decisão do Tribunal Superior do Trabalho. O dever de contratar e de obedecer a lei está caracterizado e consolidado. A decisão teve caráter excepcional, e não isentou a empresa de cumprir o seu dever.

No julgado, está claro que a pessoa com deficiência tem vagas reservadas e que o dever da empresa continua vigente.

No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho (e todas as partes), ao julgar o tema, olvidou-se de um ponto primordial que agora é aqui trazido: a acessibilidade. Acessibilidade é condição de procedimento.

Desde logo, é preciso esclarecer que as empresas devem ter seus espaços, mobiliários e equipamentos acessíveis, ou seja, devem cumprir todos os requisitos de acessibilidade. Isso decorre de diversos diplomas legais e do esgotamento de todos os prazos. Podemos assinalar a Lei 10.098-2000, o Decreto Regulamentar 5296-2004, que concedeu prazo de até 48 meses para a adaptação. E os imóveis novos já seriam todos acessíveis, nos dizeres da lei.

A empresa, portanto, em qualquer de seus espaços (supermercados, lojas, escritórios e fábricas, dentre outros espaços), deveria ser acessível.

Acessibilidade é um direito fundamental instrumental para todas as pessoas, especialmente para esse grupo vulnerável.

Assim, direito ao trabalho e direito à acessibilidade estão juntos. Não se pode imaginar oferecer trabalho em um ambiente (espaços, mobiliários e equipamentos) não acessível para uma pessoa com deficiência.

Como se pode garantir o direito à saúde desse grupo de pessoas se as clínicas e os hospitais não são acessíveis? Como garantir o direito à educação se as escolas não são acessíveis? E como se chegar ao hospital, à clínica, se o transporte não é acessível? Por isso, é um direito fundamental instrumental, ele viabiliza outros direitos.

Se o dever de acessibilidade já deveria ter sido cumprido, como imaginar que uma empresa ofereça um emprego sem que esteja acessível?

Que utilidade teria o esforço de uma empresa oferecendo empregos, procurando cumprir a cota legal, se ela não tem acessibilidade? Que efetividade essa oferta teria?

O tema da acessibilidade, é claro, não se resume à rampa na entrada ou banheiro adaptado, conforme a norma de acessibilidade. Isso seria uma análise muito simplista. Acessibilidade compreenderia um conjunto de informações, ajustes arquitetônicos, todos com base no desenho universal (um desenho que considera as necessidades de todas as pessoas). Apenas para mencionar, a empresa necessita garantir às pessoas em cadeira de rodas ou com dificuldade de ambular a circulação por todos os andares; colocar piso tátil de alerta nas escadas e rampas, no mínimo, para orientar a pessoa com baixa visão e cega; dotar os espaços de comunicação (libras) e sinalização de orientação para os surdos e para as pessoas com deficiência intelectual, além de ajustes nos equipamentos. Tudo isso se aplica às lojas, aos escritórios, às fábricas, aos supermercados. Estamos falando de meio ambiente do trabalho. E meio ambiente do trabalho legal, qual seja, o acessível.

Quando o Tribunal Superior do Trabalho analisou a questão, deveria, antes de qualquer coisa, atentar se a empresa havia atendido às exigências contidas na lei, no decreto (já citados) e na ABNT NBR 9050:2015 (Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos). Ou verificar se o TRT ou mesmo o juízo de primeiro grau atentou a tal fato. Ou melhor, o juízo de primeira instância deveria atentar se a empresa era acessível. O Ministério Público do Trabalho deveria atentar se a empresa era acessível. Se não for acessível, como pode oferecer (validamente, de forma real e sincera) empregos para pessoas com deficiência?

A fiscalização do meio ambiente do trabalho deveria ser feita por quem tem competência para tanto: a União Federal, por suas mais variadas vias. A fiscalização deveria ocorrer como rotina, pois envolve o meio ambiente do trabalho. O sindicato deveria cuidar disso. O Ministério Público do Trabalho deveria cuidar do ambiente do trabalho. Enfim, há várias formas de verificar se o meio ambiente do trabalho está atendendo às disposições legais. E acessibilidade está ligada ao meio ambiente do trabalho.

Sempre com o devido respeito, como imaginar o anúncio para um posto de trabalho que não é acessível?

Que utilidade teria um anúncio convidando um cadeirante para um lugar não acessível? E, pior, sem transporte acessível! Ou um cego? Envidamos esforços, pode alguém dizer. Porém, que tipo de esforço, se o seu ambiente não é convidativo à pessoa com deficiência?

Primeiramente na discussão, deve-se verificar se a empresa é acessível. Se for acessível — e isso deve ser objeto de um laudo minucioso que não se limitará a verificar rampas e banheiro adaptado —, ela poderá comprovar que ofereceu empregos para as pessoas com deficiência.

Os esforços anunciados no artigo ora comentado devem ser precedidos de uma análise de acessibilidade. Porque, do contrário, quem se habilitará?

Que eficácia teria um esforço de uma empresa não acessível? Chamar empregados para trabalhar em um meio ambiente não acessível?

Quanto ao comentário de que a pessoa com deficiência deve ser habilitada ao posto, não resta dúvida. Em nenhum momento (em nenhum momento mesmo) ninguém pretendeu que a pessoa com deficiência não demonstrasse capacidade para ocupar o posto em questão. A reserva de vagas não é uma porta escancarada para a contratação (e nem o artigo 37, VIII, da Constituição Federal). Portanto, o argumento de que a empresa “ajuda” ou colabora com o dever do Estado é de todo descartado. O empregado (com ou sem deficiência) deve ter habilitação para o cargo. E pronto. Isso (empregar sem habilidade) nunca foi pleito de ninguém.

Voltando ao tema da acessibilidade. Comprovado que a empresa é acessível, por laudo minucioso, comprovado que o empregado poderia, por transporte público ou particular (oferecido pela empresa) chegar ao local de trabalho, então, aí sim poderíamos falar em tentativas reais de contratação.

Antes disso, é uma tentativa pouco verdadeira. Não estamos afirmando que no caso concreto isso acontecia ou não acontecia. No entanto, deveria acontecer, ou seja, os julgadores não podem deixar de analisar a questão do atendimento às exigências da acessibilidade antes de decidir tal ponto. Do contrário, seria um convite vazio, um esforço sem qualquer correspondência com a realidade normativa.

A quem compete fiscalizar o ambiente do trabalho?

A empresa em questão atendeu aos itens de acessibilidade? Foi feita tal prova? A tese do esforço cairia por terra, porque não seria crível que uma empresa sem acessibilidade oferecesse empregos para pessoas que necessitam de acessibilidade.

Não estamos afirmando que era ou não acessível, porque não conhecemos o caso concreto. Porém, tal análise deveria ser feita antes de se reconhecer, como válido, o esforço da empresa no oferecimento das contratações.

A ideia do artigo é apenas colaborar com a argumentação descrita pelos ilustres autores. No entanto, com essa complementação, que, imagino, ajudará na defesa da tese do cumprimento da regra de igualdade material, já reconhecida como correta pelo Supremo Tribunal Federal em diversas situações. E ensejará os órgãos fiscalizadores no cumprimento da regra da acessibilidade, cujos prazos já estão esgotados.

Autores

  • é mestre, doutor e livre-docente em Direito Constitucional, professor titular de Direito Constitucional da PUC-SP, membro do grupo técnico que discute projeto do Estatuto da Pessoa com Deficiência e membro catedrático da Academia Brasileira de Direito Constitucional.

  • é arquiteta, urbanista, mestre em gerontologia e especialista em acessibilidade. Coordena a Comissão de Acessibilidade à Edificações e Meio, do Comitê Brasileiro de Acessibilidade da ABNT. Professora convidada nos cursos de pós-graduação do Gerontologia Ensino Einstein, da Universidade Federal de São Paulo e do Instituto Sedes Sapientiae.

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