Justiça restaurativa

Júri de homem acusado de atear fogo na própria mulher termina em acordo

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16 de junho de 2016, 15h56

O julgamento criminal de um homem acusado de atear fogo na própria mulher durante uma discussão terminou de forma inusitada: um acordo, no qual foi determinado um pagamento em dinheiro à vítima e o aumento da pensão alimentícia que o réu paga aos filhos. A juíza Liza Livingston presidiu o júri no qual o homem foi condenado a quatro anos de prisão em regime aberto, após fazer o acordo com a ex-mulher e o Ministério Público.

Ele era acusado de tentativa de homicídio qualificado, pois, numa madrugada, quando a companheira disse que queria a separação, derramou álcool nela e acendeu um isqueiro, deixando-a com queimaduras de segundo grau em 18% do corpo. A defesa dele foi feita pelos advogados Airton Jacob Gonçalves Filho (do escritório Jacob Advocacia Criminal) e Marcelo Feller (do Feller e Pacífico Advogados), nomeados pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

Os advogados pediram a desclassificação do delito para o de lesões corporais de natureza grave. No interrogatório, o réu disse sofrer de alcoolismo e afirmou ter sido sem querer que derramou na vítima a substância que levava para consumo próprio. Ainda em seu depoimento, disse que usaria o isqueiro para acender um cigarro durante a discussão, mas, como estava bêbado, causou o acidente que feriu sua mulher.

O promotor de Justiça Pedro Wilson Bugarib também pediu a desclassificação do delito. A defesa do réu, porém, diz ter percebido que o conflito entre as partes permanecia, pois o casal continuava discutindo. O assunto, no entanto, era financeiro. Propuseram, então, que fosse feita uma mediação entre as partes, para “solucionar definitivamente o conflito”.

Na mediação, o Ministério Público defendeu os interesses dos filhos do casal e da ex-mulher, enquanto Jacob e Feller advogaram para o réu. Chegaram então ao acordo final: o ex-marido deveria vender seu carro (um Chevette de 1986) e repassar o dinheiro da venda para sua ex-mulher, bem como aumentar a pensão alimentícia de R$ 220 para R$ 250 por mês para um dos dois filhos. O acordo foi informado aos jurados, que concordaram com o procedimento. O termo foi, então, juntado aos autos, e uma cópia da sentença criminal foi encaminhada à Vara de Família.

“O que fizemos ali foi uma forma de Justiça Restaurativa, que prima pela criatividade e sensibilidade na solução de conflitos, ao invés do modelo clássico punitivo-retributivo que domina nosso Poder Judiciário”, diz Feller. Ele questiona: “Jogar o réu na prisão faria bem a quem?”.

Airton Jacob afirma que, na visão dele, a sentença penal não resolveria o conflito daquela família. “O Direito Penal é a ultima ratio, ou seja, não deveria ser utilizado se houvesse outras formas de solução. Naquele contexto, a pena traria ao réu, no máximo, a obrigação de seu cumprimento. Com a imposição dos alimentos, ele passará a refletir sobre a relação familiar. Além disso, a vítima receberá o que a ela mais importava, já que o Direito Penal não atenderia às suas necessidades”, sentencia.

Os dois advogados concordam em uma coisa: uma decisão dessas em um tribunal do júri é uma novidade muito bem-vinda. “Composições como esta deveriam ser comuns, corriqueiras e, inclusive, ter previsão legal no rito do júri”, diz Jacob.

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