Opinião

As incertezas da pré-campanha e o post patrocinado na internet

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15 de junho de 2016, 9h21

A Lei 13.165/2015, conhecida como minirreforma eleitoral, alterou o artigo 36-A da Lei das Eleições de modo a permitir a realização de atos de pré-campanha pelo pré-candidato. Expressamente, a lei autoriza a menção à pretensa candidatura, a exaltação de suas qualidades pessoais, a exposição de plataformas e projetos políticos, a divulgação de opiniões e posição pessoal em questões políticas, inclusive através dos meios de comunicação e da internet.

Ou seja, a conclusão imediata a que se pode chegar é a de que, segundo a lei, os atos de pré-campanha não serão considerados propaganda antecipada desde que não haja pedido explícito de votos. O propósito da nova lei, dessa forma, considerando-se a drástica redução do período de campanha eleitoral, é permitir um tempo maior de debates políticos e o aprofundamento do contato entre o futuro candidato e o eleitor privilegiando a regra geral da liberdade das eleições.

Com efeito, o exercício da política democrática está diretamente ligado ao livre convencimento e à pluralidade de ideias. É fundamentalmente por isso que a propaganda política em um Estado Democrático de Direito goza do princípio da liberdade, de modo que a disputa eleitoral seja realizada com ampla divulgação de ideologias e propostas.

Ao Direito Eleitoral, portanto, cabe a regulamentação das eleições de modo a garantir que não haja desordem realizando a necessária compatibilização entre a legitimidade das eleições (aí incluída a necessidade de lisura no pleito e o máximo respeito ao sufrágio) e a plenitude do gozo dos direitos políticos.

Contudo, em decisão de maio que versava sobre atos de pré-campanha, o Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco pareceu exceder-se em completo ativismo judicial ao julgar caso de postagem patrocinada em rede social por pré-candidata.

Primeiramente, esclareça-se: ativismo não pode ser positivo! Em uma Democracia, ele será sempre uma patologia. Em síntese, trata-se do exercício da função jurisdicional para além dos limites a ela impostos. Quando se diz que uma decisão é ativista, olha-se para sua fundamentação e se percebe as avaliações subjetivas de quem a prolatou substituem o conteúdo legal.

Nesse viés, o julgamento da Representação Eleitoral 8-14.2016.6.17.008 mostrou-se claramente ativista ao condenar deputada estadual pré-candidata à prefeitura do Recife à multa de R$ 5 mil por ter patrocinado post no Facebook, além da obrigação de retirar quaisquer outras postagens pagas que façam referência explícita ou implícita à sua futura candidatura. Vejamos.

A postagem da pré-candidata continha o seguinte conteúdo: “Na TV logo mais nossas inserções partidárias. Nesses tempos difíceis, escolhi falar sobre coragem. Coragem para defender ideias e enfrentar desafios. Coragem para assumir compromissos com o futuro: Confiram e compartilhem! (seguido de vídeo)”. Não obstante tenha o magistrado reconhecido tratar-se de ato de pré-campanha e não de propaganda eleitoral antecipada, a decisão surpreendeu (e data máxima vênia, equivocou-se) ao aplicar multa por entender que a mensagem foi inserida mediante modalidade proibida pela legislação eleitoral, qual seja, propaganda paga na internet (artigo 57-C, Lei 9.504/97).

Tal decisão teve como fundamento precedente recente do TRE-PE que, julgando caso similar, entendeu que a Lei 13.165/2015 deveria ser interpretada pelo método sistemático “em consonância com a legislação eleitoral e as normas e princípios constitucionais”, para que se verifique quais os atos toleráveis para a pré-campanha.

Nesse sentido, consoante a decisão, aos atos de pré-campanha haveria a proibição explícita de não poder pedir votos, além de proibições implícitas, como aquela de efetuar gastos em período de pré-campanha “porque só a partir do registro de candidatura, é que o candidato vai abrir a conta bancária e ali vai receber as doações, e poderá movimentar recursos financeiros. Antes disso, ele não poderá efetuar qualquer tipo de gasto, por ele ou por terceiros”.

Vejamos o que disse o desembargador eleitoral Manoel Oliveira Erhardt “Então a lei eleitoral está querendo dizer isso: você pode dizer que pretende ser candidato. Agora, você vai dizer isso em igualdade de condições com quem também pretende ser candidato.”. Sua colocação já nos revela: Não, a lei não impôs este limite, tanto não impôs que foi necessário o uso de um método para se chegar a esta conclusão solipsística dos julgadores para que decidissem que ela quis assim proibir.

E de todo modo: em se tratando de campanha, ainda que pré, o que não envolve gastos? Levada ao limite máximo, para que se tenha uma noção do monstro lógico sustentado na decisão do TRE-PE, ”pode tudo que não precise de dinheiro”. Ora, se assim realmente fosse,o futuro candidato acabaria impedido até mesmo de enviar e-mails ao seu eleitorado, pois sequer internet hoje é gratuita! Uma coisa é exigir-se a regulamentação de tais gastos em época de pré-campanha, outra muito diferente é proibir a utilização de meio não restringido pela própria lei!

Além disso, outra proibição implícita trazida pela decisão seria a concepção de que as modalidades de propaganda vedadas durante o período de campanha eleitoral também o seriam durante a pré-campanha, daí porquê a suposta ilegalidade na propaganda paga em rede social. Tal conclusão, porém, não pode prevalecer por três razões:

Primeiramente em virtude da liberdade da propaganda e dos princípios democráticos e republicanos que regem as eleições, tendo nossa Constituição garantido o mais amplo exercício dos direitos políticos e fixado como fundamento da República o pluralismo político, por meio do acesso de minorias ao poder. De fato, as redes sociais são o que há de mais democrático nos meios de propaganda ao permitir ampla participação da população. As restrições precisam ser cautelosas a fim de que não se limite o debate político-eleitoral. A ampla utilização da internet (vedado o anonimato e respeitados os direitos de terceiros) é justamente uma forma dos candidatos novos e/ou com poucos recursos e restrito tempo de rádio e TV conseguirem atingir um número muito maior de eleitores e a eles levarem suas ideias por um baixo custo.

Ademais, o artigo 57-C da Lei das Eleições, inserido no capítulo que trata da propaganda eleitoral, proíbe a propaganda paga na internet apenas e durante o período de campanha eleitoral, que se inicia no dia 16 de agosto do ano do pleito. Já o artigo 36-A, ao permitir atos de pré-campanha “inclusive na internet” e “nas redes sociais” (caput e inc. V), não previu a aplicação das vedações reservadas à campanha ao período anterior, muito menos fez qualquer restrição à propaganda paga na rede durante este período. Entender de forma diferente é decidir além da moldura da lei, é desrespeitar os limites semânticos permitidos pelo texto legal.

E por última razão, a lei não prevê quando começa a pré-campanha para fim de aplicação das chamadas “proibições implícitas”. A partir de quando uma pessoa com a intenção de se candidatar em pleito futuro não poderia patrocinar postagem em redes sociais? De três meses antes das eleições? Seis meses? Um ano? Dois anos? Ora, o sujeito não pode ficar eternamente proibido de fazê-lo! Justamente por isso é que a legislação eleitoral fixa um período certo e determinado de campanha eleitoral em que determinados atos não poderão ser praticados pelos candidatos – e tal vedação deve ser interpretada tal como a lei especifica: ao período de campanha eleitoral definido em lei!

Dessa forma, a regra que limita a propaganda paga na internet deve se restringir à campanha e não ser aplicada ao que a lei não prevê: ao período de pré-campanha!

Em verdade, e aqui vai o maior de nossos incômodos, preocupa o fato de julgadores acreditarem que revelarão objetivamente um sentido escondido no texto (na vontade da lei ou do legislador) por meio de um método (no caso, o teleológico) que lhes garantirá compreender a finalidade da norma sem qualquer arbitrariedade. Situam-se na hermenêutica jurídica clássica em que se permite (i) a pretensão de totalidade de apreensão de sentidos do texto e (ii) a possibilidade de métodos que garantam a objetividade do sentido do texto atribuído por seu autor.

Se não existe um método dos métodos, qualquer escolha por parte do julgador para esta suposta revelação do sentido exato do texto legal será arbitrária, autoritária e voluntarista! Como o foi no caso em análise!

E sinceramente, se formos então falar da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, não determina seu artigo 5º que o juiz atenda, quando da aplicação da lei, os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum? Poderíamos falar aqui da inexistência de cisão entre interpretação e aplicação enfrentada brilhantemente por Lenio Streck na nossa doutrina brasileira (com fulcro no paradigma da fenomenologia hermenêutica e da hermenêutica filosófica concluindo pela defesa de um direito fundamental do cidadão a respostas adequadas à Constituição com a imbricação entre Hans-Georg Gadamer e Ronald Dworkin).

Mas simplifiquemos: porque o entendimento dos julgadores de que a vontade do legislador seria a de condicionar a pré-campanha às mesmas restrições ao período de campanha é melhor do que o entendimento oposto de que sua vontade era não restringir as condutas em período de pré-campanha para fortalecer a Democracia e aproximar o candidato do eleitor por um veículo tão comum na sociedade contemporânea? Ora, esse é o risco de se apelar para a vontade da lei ou do legislador.

Enfim: atos de pré-campanha não são atos de propaganda eleitoral (porque estes são aqueles em que se pede voto, em época de campanha eleitoral)! A lei não as tratou da mesma forma e não impôs as proibições de uma à outra. O que impera no sistema é a liberdade da expressão política e não a insegurança jurídica que se tem visto na justiça eleitoral por decisões que, como esta, foge da legalidade e da própria moldura do texto supostamente embebendo-se de uma sedutora ideologia ou um valor superior e possível de ser captado por um ser magnânimo: o juiz.

Francamente: concentremo-nos na legalidade, inclusive a constitucional, e lembremo-nos de que o papel primordial da Justiça Eleitoral não é o engessamento da Democracia, mas a garantia aos cidadãos de participar de sua construção e reformulação sem recair em desordem.

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  • Brave

    é sócia do Lobão Torres & Campos Machado Advogados Associados e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP.

  • Brave

    é advogada. Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Mestranda pela Universidade Nacional de Rosário – Argentina. Membro fundador da ABRADEP. Membro do IBDPub. Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP.

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