Justiça Tributária

Em economia, não há soluções mágicas; em questões tributárias, não existem milagres

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

13 de junho de 2016, 20h08

Spacca
Como afirmamos várias vezes neste espaço, pagar imposto é um dever cívico. Afinal, é o preço que pagamos por viver em sociedade, onde diversos direitos nos são assegurados e por meio da qual podemos desfrutar dos benefícios da civilização. Sem esses, não teríamos condições de sobrevivência, e nossa espécie há muito teria sido extinta.

Sendo o Estado a sociedade politicamente organizada, seus poderes devem ser exercidos na forma do estatuto social que a governa, ao qual se dá o nome de Constituição.

Por outro lado, ao analisarmos os diversos problemas que nos afligem, não podemos imaginar que soluções adotadas alhures sejam adequadas. Embora haja os que dizem que este país não seja bom para viver, devemos levar em conta que nossos problemas e nossas características devem ser corretamente avaliados.

Recentemente, foram mencionadas como exemplos a seguir as condições socioeconômicas da Finlândia e da Irlanda. Parece-nos, todavia, que tais considerações não podem ser levadas em conta. Não é razoável pretender fazer comparações com situações, culturas, geografias e histórias que em nada se assemelham.

A Finlândia possui cerca de 6 milhões de habitantes, num território com pouco menos de 340 mil quilômetros quadrados. Só o estado do Ceará possui cerca de 9 milhões de habitantes, num território com menos da metade do que possui a Finlândia!

As condições populacionais e territoriais da Irlanda também não permitem qualquer comparação com as nossas.

Não nos parecem necessárias outras comparações, especialmente as relacionadas com as formas de colonização e as condições culturais em que tais países viveram e vivem desde as respectivas independências.

Os problemas que nos afligem são antigos, e a nossa sociedade foi constituída de forma completamente diferente.

Feitas essas considerações, somos obrigados a repetir o que já afirmamos aqui: o Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes e, mesmo com as atuais dificuldades, vai superar seus problemas. Tal solução não está, contudo, em aumento de tributos.

Em matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo de 29 de maio, anunciou-se que aumento de tributos seria uma opção para reorganizar nossa economia e permitir seu crescimento. Merece destaque a parte final, onde consta que o Imposto de Renda “arrecada relativamente pouco no Brasil”. Menciona-se que aqui “a tributação de lucros e salários ficou em 5,6% do PIB em 2014, contra uma média de 11,7% nos países da OCDE”.

Os países da OCDE são responsáveis por mais da metade de toda a riqueza produzida no mundo, razão pela qual são conhecidos como o “grupo dos ricos”.

A comparação chega a ser ridícula sob todos os aspectos. Na maior parte daqueles países, todos os problemas de infraestrutura já foram solucionados, e muitos deles tornaram-se ricos com a exploração de suas colônias ou com as compensações diretas e indiretas que receberam pelas guerras de que participaram.

Nosso sistema tributário, com a insegurança jurídica a que se submete, tem sido um fator determinante dos problemas econômicos e de arrecadação.

As notícias sobre sonegação muitas vezes ou são exageradas ou distorcidas. Já foi afirmado, por certa autoridade, que a quantia sonegada era praticamente igual à que se arrecadava!

Se tal devaneio tivesse um mínimo de veracidade, a carga tributária naquele ano não seria de 36% do PIB, como anunciado, mas de 72%! Todos os brasileiros que sobrevivessem a tal loucura seriam simples escravos do governo!

Tudo isso leva-nos mais uma vez a afirmar que o nosso sistema tributário não pode mais ser mantido como está!

Essa imensa colcha de retalhos a que ainda damos o nome de “constituição” de há muito não cumpre nenhum dos objetivos nacionais que estão elencados em seu preâmbulo! Como dizia Ulisses: "Leiam o livrinho!".

A criação ou aumento de tributos não é solução para nossos problemas, porque é em verdade uma parte do seu agravamento.

Outra questão que deve e pode ser solucionada sem revisão constitucional é a extinção ou pelo menos uma substancial redução de todos os favores ou “desonerações” já concedidos.

Muitas dessas benesses reduziram a carga tributária para seus beneficiários, mas não foram repassados ao contribuinte de fato. O caso mais evidente e escandaloso é o que se refere à indústria automotiva: impostos foram reduzidos, benefícios concedidos, mas o que se vê é apenas o constante aumento dos veículos.

Além disso, nada justifica as diversas imunidades descritas no artigo 146 do “livrinho”, como já tivemos oportunidade de examinar em outras oportunidades. Partidos políticos, entidades sindicais, associações civis, igrejas etc. devem ser mantidos exclusivamente pelos seus adeptos, filiados, associados ou fiéis, não por toda a sociedade. Tais entidades podem, se for o caso, receber isenções em determinadas situações, mediante adequada fiscalização para que se evite a “farra” que hoje se verifica nesse setor.

A necessidade de uma nova Constituição é evidente, pois a nossa já completou um quarto de século, espaço em que a economia mundial se transformou, e essa transformação já nos atingiu. Não podemos mais, no século 21, pensar da forma como o fizemos há quase três décadas!

Finalmente, é indispensável uma simplificação em nosso sistema. Da forma como está hoje, até mesmo o cumprimento de obrigações acessórias torna-se extremamente complicada e dispendiosa.

Em resumo: não há espaço para aumentar tributos, já insuportáveis. A questão financeira pode e deve ser solucionada com outros mecanismos: privatizações, redução de despesas, dispensa de funcionários desnecessários, suspensão de novas nomeações etc.

O momento é grave, sem dúvida. Em economia, não há soluções mágicas. Em questões tributárias, não existem milagres.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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