Opinião

Terrorismo no Brasil e o Direito Penal do inimigo

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13 de junho de 2016, 15h10

No Brasil, não temos a figura jurídica da conspiracy, pela qual a conspiração constitui crime, tal como ocorre nos Estados Unidos. Aqui, segundo o artigo 31 do Código Penal brasileiro, “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado“.

Em tempos de captação de conversas alheias, é preciso delinear o exato momento em que a intenção deixa de ser mero elemento anímico para configurar algum crime.

Aquele que cogita matar seu inimigo e declara essa intenção, elabora plano, traça rota de fuga, compra arma de fogo, ainda não realizou atos puníveis do crime de homicídio. Está apenas nos preparativos. E nada pode ser feito!

Neste sentido, é clássica a repartição do iter criminis em quatro fases: cogitação, preparação, execução e consumação. Até a etapa preparatória não há delito algum. Este ocorre somente a partir dos atos executórios (exemplo: efetivo disparo contra a vítima). Quando tais atos não atingem o resultado desejado, por circunstâncias alheias à vontade do agente, o crime é punido em sua forma tentada.

A norma penal, comumente, prevê um resultado naturalístico, cuja ocorrência é indispensável para a consumação do delito. O movimento corpóreo do agente provoca modificação do mundo exterior. No homicídio, exige-se a morte da vítima.

Em linhas gerais, para a psicologia tudo começa com a emoção; daí o pensamento correspondente; em seguida a palavra; desta à conduta (ação ou omissão); por fim o resultado. Não há crime sem conduta.

Diante da gravidade de alguns delitos, entretanto, o “espírito do tempo” parece exigir que algo seja feito antes que o pior eventualmente aconteça. Entram em cena motivos de política criminal. Para reduzir riscos, coarctar o perigo, antecipa-se a persecução penal para melhor salvaguardar determinados bens jurídicos, caros à sociedade.

A Lei Antiterrorismo, promulgada recentemente (Lei 13.260, 16/3/2016), é exemplo de políticas criminais globais de combate ao crime. Em síntese, dispôs-se que terrorismo consiste na prática de atos por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião, com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz ou incolumidade pública (caput do artigo 2º).

De outra parte, configuram ações terroristas o uso de explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa. É vedado o transporte e a guarda de tais produtos. São também puníveis atentados contra meios de transporte, comunicação, hospitais, escolas, estádios e bancos, bem como à vida ou integridade física de pessoa (§ 1º do artigo 2º). A pena pode chegar a 30 anos de prisão.

Depois de conceituar o terrorismo e indicar ações que o configuram, a lei criminalizou a fase de preparação delituosa tendente a consumar tal delito. Em fórmula bastante genérica e aberta, incrimina-se quem realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar esse delito, atribuindo-lhe a pena do crime consumado, diminuída até a metade (artigo 5º).

A reprovação social, nestes casos, concentra-se no desvalor da ação. A simples possibilidade de causação de um resultado ilícito justifica a antecipação da tutela ao bem jurídico. O perigo é mediato, mas a intervenção estatal deve ser imediata.

Os tipos penais que punem atos preparatórios refletem crimes de perigo. Para o terrorismo, de forma vigorosa, o legislador criminalizou a preparação nos limites até mesmo da ideação. Tem-se aqui o chamado “delito obstáculo”, em que a incriminação reclama a intervenção estatal a momento anterior à situação de perigo imediato.

Muito se exigirá dos órgãos da persecução penal na fase investigatória. Necessária será a máxima qualificação dos agentes de Estado incumbidos da repressão ao terrorismo. Não há dúvida de que a interceptação telefônica e gravações ambientais constituirão excelentes meios de prova para o combate a tais “delitos de perigo de perigo”, como também é denominada pela doutrina a tipificação de atos preparatórios.

Conversa acerca de produtos de dupla finalidade (exemplo, um insumo para agricultura que serve também para o fabrico de gás tóxico) pode não estar abrigada pelo direito constitucional à livre expressão do pensamento. Daí o apuro da investigação para aquilatar o real elemento subjetivo do agente, desvelar o fim colimado, o propósito inequívoco de consumar ato de terrorismo.

A linguagem plurissignificante, efetuada por meio de trocadilhos e jogos de palavras, nem sempre oculta atividade criminosa. Outras vezes ouvem-se certas palavras que, ao incorporá-las ao contexto de vida do investigador, recebem significado diverso daquele pretendido, ocasionando grave distorção da comunicação entre os interlocutores. A maldade pode estar nos ouvidos de quem escuta, não na conversa interceptada.

Diante de alguma ambiguidade do pensamento expresso, não se pode optar pelo Direito Penal do Autor segundo a raça, cor ou credo do interlocutor. Devem-se investigar os fatos, cumprir o ditame constitucional do Direito Penal do Fato, para não se apontar em vão o dedo contra minorias e com isso contribuir para espalhar o ódio em nosso país.

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  • Brave

    é juiz federal em São Paulo, mestre em Ciências Jurídico-criminais, especialista em Direito Penal e professor de Direito Constitucional.

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