Prova induzida

Em depoimento, Cerveró diz que gravação de Delcídio foi "sugestão do procurador"

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9 de junho de 2016, 11h22

Em depoimento a um dos responsáveis pela operação “lava jato”, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró disse que seu filho gravou a reunião que levou Delcídio do Amaral à prisão “com sugestão do próprio procurador”. Logo depois, no entanto, ele trocou olhares com seus advogados e mudou a versão: disse que o procurador apenas alertou que, sem provas, a acusação de que o ex-senador conspirava sua soltura não teria validade.

De todo modo, criminalistas consultados pela revista Consultor Jurídico afirmam que se tratou de prova induzida. Mesmo que sua produção não tenha sido diretamente sugerida pelo Ministério Público, a gravação não pode ser usada para embasar a delação, considerada “meio de obtenção de prova” pelo Supremo Tribunal Federal, e não parte da defesa.

É como no caso do ex-diretor da Transpetro Sérgio Machado, que gravou suas conversas com ministros e senadores, para negociá-las em uma delação premiada. De acordo com diversos especialistas em Direito Penal consultados pela ConJur, a prova induzida não pode ser usada por ser equiparável ao flagrante armado, que o inutiliza.

Plano de fuga
A fala de Cerveró consta de um dos depoimentos que compõem sua delação premiada, homologada recentemente pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo. A gravação da reunião, conforme mostrou reportagem da ConJur de novembro de 2015, fez parte do pacote do acordo de delação do executivo, que a revelação de detalhes de compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras.

No momento em que Cerverá fala da “sugestão do procurador”, ele está respondendo perguntas da defesa sobre o tal “plano de fuga” que o tiraria da cadeia por meio de um Habeas Corpus no Supremo e, depois, o tiraria do Brasil. Tudo isso foi registrado no áudio entregue pelo filho de Cerveró, Bernardo, à Procuradoria-Geral da República.

Essa gravação foi o que motivou o ministro Teori a mandar prender Delcídio, decisão depois confirmada pela 2ª Turma. Participavam da conversa o ex-senador, o filho de Cerveró, Bernardo, o chefe de gabinete de Delcídio e o advogado Edson Ribeiro, que à época representava o executivo da Petrobras.

Na reunião, que aconteceu em Brasília, Delcídio conta seu plano para Edson Ribeiro: ele pagaria R$ 50 mil por mês à família de Cerveró, que passava por dificuldades financeiras. O ex-parlamentar dizia também que já havia conversado com o banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, e ele se comprometera a pagar R$ 4 milhões a Cerveró, além de emprestar um jatinho, que sairia do Paraguai e iria até a Espanha, já que o executivo também tem nacionalidade espanhola.

Delcídio também diz na conversa que já havia conversado com ministros do Supremo e garantia que um HC seria concedido. Bernardo, que estava na reunião, gravou tudo e entregou o material à PGR. E essa gravação é o centro dos problemas processuais da prisão e da denúncia contra Delcídio — em dezembro de 2015 ele foi denunciado pela PGR por tentativa de obstrução às investigações da “lava jato”.

“Não?”
Por saber que os investigadores não podem induzir a produção de provas contra outros investigados, a advogada Alessi Brandão pergunta a Cerveró: “A ideia da gravação, a espontaneidade da gravação veio de Bernardo Cerveró?”.

Nestor Cerveró, então, interrompe: “Veio de Bernardo, mas, vamos lá, com a sugestão do próprio procurad… [olha para os advogados] Não?”.

E aí retoma: “Sugestão é o seguinte, me expressei mal. Não é sugestão. Quando ele viu que não tinha solução para poder apresentar uma prova (…) ele se armou. A garotada tem essa facilidade com smartphone. Eu não saberia. E nem teria essa frieza de manter a conversa”.

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“[A ideia de gravar a reunião] Veio de Bernardo, mas, vamos lá, com a sugestão do próprio procurad… Não?", diz Nestor Cerveró, em depoimento gravado.
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Toda a cena pode ser vista neste vídeo, divulgado pelo jornalista Fausto Macedo, do jornal O Estado de S. Paulo. O trecho em que o ex-diretor da Petrobras fala da gravação começa aos 8m46s.

Em outro trecho da delação, quando Cerveró está respondendo perguntas do juiz que toma seu depoimento, ele conta que “o Marcelo” foi quem falou para Bernardo: “Olha, o seu depoimento não adianta. Só com o seu depoimento não vou reabrir o caso”. Isso porque a PGR já havia pedido o arquivamento de outro inquérito contra Delcídio, por falta de provas.

Eu, não
Procurada pela ConJur, Alessi Brandão, disse que a PGR não teve nada a ver com a gravação da conversa entre Delcídio e Edson Ribeiro. “Toda a tratativa e a decisão de ser realizada a gravação foi tratada entre eu, dr. Beno Brandão e Bernardo Cerveró, sem participação de qualquer membro da Procuradoria-Geral da República”, explicou, por e-mail.

Já a PGR diz que a iniciativa toda partiu de Bernardo. Também por e-mail, a assessoria de imprensa do órgão afirmou à ConJur que, quando Bernardo procurou os procuradores que trabalham na “lava jato”, eles não demonstraram interesse na informação porque não foram apresentadas provas.

“A decisão de realizar a gravação foi do próprio Bernardo Cerveró e não uma sugestão do Ministério Público Federal”, diz a PGR. A assessoria de imprensa da Procuradoria ainda destaca um trecho da fala de Cerveró em que ele diz que “ele, por iniciativa própria, sozinho, é… meu filho”.

Logo depois que ele fala isso, no entanto, a advogada arremata: “Só para deixar claro. Uma eventual sugestão do Ministério Público foi no sentido de que não poderia ser feito qualquer delação sem que houvesse uma prova sobre o assunto tratado na gravação. É isso?” E Cerveró confirma.

Delação contra delação
Alessi Brandão, entretanto, narra uma participação menos passiva da PGR. O que aconteceu, segundo ela, foi que, durante as primeiras reuniões para tratar “da validade e utilidade” da delação de Cerveró, a PGR informou que ficaria com a delação de Fernando Baiano, lobista ligado ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e ao PMDB, e dispensaria a do ex-diretor da Petrobras.

De acordo com a PGR, ainda segundo a narração de Alessi, as informações eram semelhantes, mas Baiano tinha provas do que alegava, “enquanto nós não tínhamos nada”.

Foi nessa ocasião que, conforme conta a advogada, a PGR indicou que “uma prova poderia mudar o entendimento sobre a negativa de acordo”. Diante disso, Alessi, seu irmão Beno e Bernardo, o filho de Cerveró, foram procurar registros do que fora dito à PGR. E não encontraram.

Só depois dessa pesquisa frustrada é que Bernardo contou das conversas entre Delcídio e Edson Ribeiro, diz Alessi. Os advogados, então, perceberam que seria esse o caminho para destravar o acordo de delação de Cerveró: não havia, até ali, nada concreto sobre tratativas para “travar a operação ‘lava jato’”, nas palavras da advogada.

“Diante da gravidade do que estava acontecendo e para termos uma prova inconteste, instruímos Bernardo Cerveró a gravar a reunião, antes de levar ao conhecimento da PGR”, contou a advogada. Por isso, diz, eles não avisaram a PGR de que a reunião aconteceria e nem que Bernardo aconteceria. Tudo aconteceu, conforme Alessi, “no melhor estilo one shot”.

Desconfianças
Durante a delação, Cerveró também disse que Bernardo passou a se preocupar com o destino de seu caso. Ele já havia ouvido de Delcídio para não se preocupar, pois era amigo de seu pai e cuidaria da situação.

Mas Bernardo desconfiava da relação do ex-senador com Edson Ribeiro, que na época advogava para seu pai. Delcídio insistia muito nos pedidos para que Cerveró não fizesse delação para não virar “refém dos procuradores”.

E foi Bernardo quem entendeu que Edson Ribeiro estava usando de sua relação com o ex-senador em benefício próprio. “Ele poderia ganhar muito dinheiro. Porque uma das preocupações do Edson era a remuneração dele”, depôs Cerveró. Ele explicou que a Petrobras só paga as custas jurídicas da parte administrativa, ligadas ao Tribunal de Contas da União. A penal, não. “Eu tinha um contrato com o Edson e não tinha dinheiro pra pagar, e ele sabia disso.”

Cerveró contou na delação que, embora tivesse apartamentos, não podia vendê-los, pois estava com os bens bloqueados pela Justiça. Também contou que, desde que saiu da diretoria da Petrobras, seu salário caiu de R$ 110 mil para R$ 10 mil.

Por isso o ex-diretor da Petrobras pediu que seu então advogado fosse a Delcídio. Ele precisava que amigos ajudassem a família. E o ex-senador chegou a adiantar R$ 50 mil a Bernardo, antes de confessar a ele seu plano para tirar Cerveró da cadeia e ajudá-lo a fugir para a Espanha.

Mas depois de presenciar conversas entre o advogado e o ex-parlamentar, Bernardo decidiu ir à PGR, sem sucesso. Foi ao pai e alertou: “Esse Edson é um filho da puta. Ele tá te vendendo”.

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